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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Retrato

O travo amargo dos dias arrasta o melhor dos sabores do amor e das delícias. A maior das paixões. O amor mais doce e mais sutil. Mesmo que não se queira, o chamado à vida é cruel, e o fruto doce do prazer vai sendo relegado pouco a pouco. Um processo subliminar. Como numa centrífuga, estilhaços de nós são arrastados para as bordas pelas demandas do cotidiano, somos separados à nossa revelia. Vez por outra apenas nos encontramos, para abruptamente ser arrastados de novo, sem aviso prévio. Mas um dia, uma manhã, uma manhã de sol, em que ele, insolente, invade quebrando o bloqueio da cortina, você verá a foto dela no criado-mudo, aquela foto que você fez naquele dia em que estavam tão apaixonados naquela viagem... Naquela viagem em que descobriram o prazer, o amor, que descobriram que se conheciam antes mesmo de se conhecerem, que estavam na mesma sessão proibida de cinema anos antes de imaginarem a existência um do outro, que frequentaram os mesmos cinemas e cineclubes, a mesma livraria anos a fio talvez ficando de costas um para o outro e jamais se esbarrando, que compraram o mesmo cartão erótico e jamais deram de presente a ninguém. Nesse dia, você pedirá para ela ficar. Para sempre.

domingo, 3 de março de 2013

Homem de verdade não bate em mulher...

Cauã Reymond faz a nova campanha de combate à violência contra as mulheres http://migre.me/drJgF



Não só não bate. Não grita, não ofende, não humilha em público, para que você, constrangida, se cale. Não é preciso apenas violência física para que você sofra violência. Lembre-se disso!...

"Homem de Verdade não bate em Mulher" -- não bate, não grita, não constrange, não...

Maria da Penha, a própria, na foto da campanha. Homem que é homem pede, não vocifera. Homem que é homem conversa, não agride. Homem que é homem usa as palavras, não as mãos ou armas contra uma mulher. Quando um homem agride uma mulher, ela precisa de ajuda, e ele também: de ajuda psiquiátrica, terapêutica.



Maria da Penha gravando a campanha do Banco Mundial "Homem de Verdade não bate em Mulher". Maria da Penha será a única mulher a participar da campanha ao lado de Cauã Raymond, Flávio Canto, Anderson Silva, entre outros

Trocando o insulto pelo amor



Ando vendo este cartaz "Mais amor por favor" espalhado pela cidade, e tenho adorado, e parado diante, contemplado, e alguns apressados buzinam atrás de mim... Eles, sem dúvida, não leram o cartaz, tão estriquinados estão dos apressamentos sem sentido e urgências que não sabemos pra que desta cidade... Parar para contemplar é probido numa metrópole, vocês já perceberam... Você se torna um intruso no caminho demarcado das passadas apressadas que o ritmo do capital impõe, numa linha demarcada um giz imaginário, da qual vc não pode sair, com o risco de ser atirado fora do sistema. Vocês já assistiram a "Koyaanisqatsi: Life Out of Balance", imagino, filme de 1982, direção deGodfrey Reggio, música de Phillip Glass, obra-prima que mostra esse ritmo alucinante que nos coopta sem que percebamos num ritmo que não é nosso, e nos arrasta em algo que nos assemelha à máquina.
Já fui xingada até no bucólico jardim-calçadão de Santos, tão cultuado até no livro do Guinnes. Era um maluco-corredor. Eu caminhava no calçadão, conversando sossegadamente com minha filha há uns 4 anos, e nós demos uma diminuída para atravessar. Ele não queria diminuir o ritmo da sua corrida provavelmente programada por algum personal em alguma planilha de excel, mas eu e minha filha paramos a caminhada para isso, para com bom senso atravessar a rua. Ele, impaciente, falou para mim sem parar de correr e sem olhar para trás: "sai da frente, 'tia'"... num tom agressivo, cruel, jocoso até. E seguiu seu cronograma sem olhar para trás. Naquele momento eu estava muito fragilizada, e vivia os finalmente de uma depressão. Vivia fechada numa concha. As palavras dele demoraram a me atingir, a chegar aos ouvidos, ao cérebro. Minha filha, se condoeu por mim, e falou: que babaca! Eu não consegui dizer nada por alguns segundos, pois o tempo de quem passa por algum tipo de depressão é outro, tudo parece o som de um concha que se coloca no ouvido. Quando meu tempo chegou eu disse para minha filha: "Eu poderia ter dito a ele: senhor metido a jovem, vai tomar no cu..." Minha filha esboçou algo que não era riso nem risada. Ficou me olhando, porque sabia que dizer este tipo de palavrão é expressar minha mais alta indignação, mesmo estando deprimida. Demos um meio sorriso uma para a outra, e seguimos, calmamente nossa conversa, agora retomando por que as pessoas andam tão agressivas umas com as outras. Ali, em tese, é um lugar para as pessoas interagirem -- há redes, jogos, bolas, petecas, monitores, personais, professores -- para haver inclusão. Quando um babaca desse, exatamente da minha idade, urra "sai da frente, tia", quando o normal é vc diminuir seu ritmo, pois o calçadão não é seu, é democrático, é de todos, que têm vários ritmos -- uns caminham, uns de bike, uns de cadeira de rodas, outros correm como Forrest Gump --, há de se pensar o mundo.
Enquanto eu lia o cartaz "Mais amor por favor", que tenho visto coalhado nos muros de São Paulo desde ano passado, e já falei dele em meu blogue inclusive em 2012, e buzinaram atrás de mim, me lembrei desse episódio. Se fosse hoje, esqueceria aquele péssimo palavrão que disse, atrasado claro -- eu sei --, e que não combina, não resolve, só gera mais agressividade no mundo, e eu diria ao coroa com desejos de fonte de eterna juventude: "Ei, brother, mais amor, por favor!..."