Por que você, que sequer me conhece, que caminha incólume nas areias quentes da cidade de geografia unânime enquanto eu me debato entre faróis e ambientes fechados em meio à garoa, tão distante do meu universo você trai sentimentos (meus) em seus sonetos?
Tradutor de sentimentos agora? Juramentado?
Esse tradutor-traditore tem um nome: o poeta Paulo Henriques Britto.
Abram-se as cortinas, abram alas para a leveza (apesar da dor).
Sonetilho de verão
Traído pelas palavras.
O mundo não tem conserto.
Meu coração se agonia.
Minha alma se escalavra.
Meu corpo não liga não.
A ideia resiste ao verso,
o verso recusa a rima,
a rima afronta a razão
e a razão desatina.
Desejo manda lembranças.
O poema não deu certo.
A vida não deu em nada.
Não há deus. Não há esperança.
Amanhã deve dar praia.
(Paulo Henriques Britto. Trovar Claro. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.)
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