Dói. Mas a loucura cria uma carapaça imaginária. Isso não é novo -- essa é a anestesia dos dias. Um embornal chamuscado e antigo guarda meu arsenal de guerra. Ali há tudo para aguentar viver. Eu aprendi com as estações e as marés. Não que eu perca porque não possa. Não. Eu posso. E dói saber desse poder. (Mas como um viciado, bate a loucura, eu sumo por um beco escuro, alucino, e não dou conta das coisas que me são mais preciosas...). "Perder? Não é [mais, há muito tempo] nenhum mistério."
A arte de perder
A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subsequente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.
(Elizabeth Bishop; tradução de Paulo Henriques Britto)
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