-- Doutor, vai passar?
-- Se for no corpo, receito um medicamento ou fazemos uma cirurgia, há sempre saída. Se for na mente, encaminho para o psiquiatra, e terapia mais psicotrópicos vão atenuar a angústia.
-- Não é nem um nem outro. -- Uma pontada fez estremecer o tórax.
O médico então interrompeu o exame clínico. O semblante distante, pegou o receituário, uma caneta, rabiscou cinco letras que não era possível ver daquela posição. Dobrou o papel branco timbrado de azul e entregou na sua mão direita.
Os olhos dele mudaram do verde para um tom de cinza-escuro, se desviaram como se perseguissem agora outra coisa, uma lembrança qualquer.
Na rua, o engarrafamento tomava conta da manhã amarela e azul. Crianças passavam com mochilas sobre rodinhas; mulheres saíam do supermercado e jogavam as compras dentro do carro numa urgência sem-fim; os ônibus vinham lotados, lembrando vitrines de pessoas esmagadas; jovens ziguezagueavam chapados para aguentar uma vida incompreensível; idosos seguiam num passo miúdo e cuidadoso em direção ao horizonte.
Abriu a receita e decodificou as letras de fôrma. Todos os seus sensores captaram o signo linguístico. Por fim, numa minitrégua, seu coração condescendeu em esperar.
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