Quem acredita que o passado não vem atrás de nós trazendo em mãos sua fatura, como aqueles cobradores que antigamente vinham de porta em porta queimando o filme dos que deviam, engana-se redondamente.
O passado nos procura ou por vezes nos persegue, como uma fera que caça sua presa na floresta, e felinamente se arrasta, em silêncio, para capturá-la.
Você mal se dá conta e vupt, o passado está ali, cara a cara, sentado junto com você numa mesa de bar, copo de um conhaque barato numa das mãos, e o indicador da outra lhe apontando seus erros e omissões... ou seus acertos e atos bem-sucedidos. Depende do tipo de passado que o atropela pelo caminho...
Um dia dobrei uma esquina, caminhando rápido, que esse é meu jeito... Lépida e sem olhar para os lados. Vou caminhando e pensando... Pois dobrei uma esquina qualquer. Quando dei por mim, vi dois olhos felinos a me espreitar, o corpo se arquear de um jeito que só os felinos têm quando vão dar aquele bote fatal, e vupt! O passado me pegou de jeito num cruzamento! Pode isso? Eu, uma mulher tão prevenida e autocontrolada nas minhas emoções? Que acho que tenho tudo acionado por controle remoto: ligo e desligo, distancio, esfrio, recuo para não sofrer, afasto, dou marcha à ré quando vejo que o contexto vai ser um sorvedouro e vou me perder ali...
Horas depois, sentada numa mesa de bar, eu e meu passado frente a frente, o seu indicador só me apontava acertos. O tipo de passado que me encontrou era um passado suave. E só obtive flores. Ufa!
Mas, meus amigos, cuidado! O passado está sempre à espreita. A qualquer momento ele pode bater à sua porta, ou lhe pegar de jeito numa esquina ou num semáforo qualquer. Esteja preparado!
(* Dica para as meninas: se estiver de écharpe, salto alto e batom, melhor. Nunca se sabe que tipo de passado você vai encontrar! E, em alguns casos, é sempre bom fazer uma boa presença.)
;-)
Sandra Brazil / Literatura, poemas, contos, crônicas, cinema, viagens. O título deste blogue se refere à poeta grega Safo de Lesbos e sua filha Cleïs, a quem ela dedicou o belo poema "O tesouro".
Quem sou eu
- Sandra Brazil
- No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.
“[...]
ResponderExcluirÉ que aquele homem sempre tivera uma tendência a cair na profundidade, o que um dia ainda poderia levá-lo a um abismo: por isso sabiamente tomou a precaução de abster-se. Sua contenção, à crosta facilmente quebrável da profundidade, lhe deu o prazer da contenção. Sempre fora um equilíbrio difícil, o seu, o de não cair na voracidade com que vagas e vagas o esperavam. Todo um passado estava apenas a um passo da extrema cautela com que aquele homem procurava se manter apenas vivo, e nada mais – assim como o animal brilha apenas nos olhos, mantendo atrás de si a vasta alma intocada de um animal. Então, sem tocá-la, ele se dispôs a esperar impassível que a coisa passasse. [...]”
(Clarice Lispector, A maçã no escuro). Esperando ser perdoado por citar-me, xico santos.
Você quer que eu "sangre", eu sei... Difícil.
ResponderExcluirBeijos
Tuntum