Eu deixei os jardins de Versalhes, uma sensação estranha. Tudo tão lindo, mas algo me revirava o estômago. Meu francês estranhamente estava na ponta da língua e afiado. Que estranho, tudo muito esquisito. A simetria daquele lugar começou a me dar engulhos.
De repente, como num filme, outra cena: eu estava de joelhos, as mãos presas, uma Marie-Antoinette sem ser, pensando em português, falando em francês. Surda, eu só via uma multidão, bocas bem abertas gritando sem som. A guilhotina tinia no alto, rasgando o vento com sua lâmina afiadíssima. Uma gota finíssima correu pela lateral do rosto. Era assim que se sentia um condenado então...
Esperei a lâmina descer e sabia que seria tudo muito rápido. Num átimo, pensei na minha filha, nos meus pais, no meu trabalho, na minha casa deliciosa, nos meus livros, no amor, nas viagens que ainda poderia fazer, em tudo que ainda poderia ter e viver. Por que eu estava ali? Por que me chamavam por outro nome?
Eu não podia me mexer, mas senti que a ordem fora dada, a guilhotina iria descer sobre meu pescoço. Não! A multidão foi ao delírio, como nesses campeonatos de luta livre, eles queriam sangue. Fechei os olhos bem apertados. Eu pensei: que seja breve.
O som do Nokia tocou no criado-mudo... Atordoada, atendi.
-- Dona Sandra Brazil?
-- Sim, sou eu...
(Mas eu não era Maria Antonieta? Meu pescoço não estava por um fio? A multidão não clamava por sangue e justiça?)
-- Queria confirmar sua consulta para amanhã, às 10h30...
Salva pela chatice da cofirmação da consulta médica, me levantei disposta com aquele telefonema.
Afinal, não ser um personagem da história francesa havia me livrado de uma bela "chapa quente" naquela manhã.
(Sandra Brazil, em 26.8.2011)
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