Cheguei cansada da rua, já é tarde, estou querendo uma taça de vinho e uma sopa quente. Parei o carro na entrada. O porteiro me conhece há 18 anos já. Ele pede pra que eu espere, tem algo pra me entregar. Eu gosto muito das pessoas que trabalham aqui no prédio, e sempre brinco com eles quando meu humor permite. Este funcionário, especialmente, é com quem mais converso. Ele gosta de cinema, internet, política, programas da Discovery Channel, está meio por dentro de tudo de atualidades, gosta de documentários. Quando tem sobrando alguma mídia de enciclopédias ou de geografia e história, ele se lembra de mim, e guarda e me dá. Também quando tem filmes duplicados ele costuma guardar pra mim. Engraçado uma pessoa que nos conhece tão pouco acabar nos conhecendo de certa forma bem. Pois quando ele me entrega a correspondência de contas ou envelopes com trabalho eu brinco que ele só tem essas coisas ruins pra me entregar... Ele brinca que gostaria de ter coisas melhores, mas "é o que tem". Hoje, ele me entregou um envelope volumoso de uma editora, e eu disse: "Você é mau comigo, só contas e trabalho! Há algum tempo vinham flores e chocolates, até de admiradores secretos, você lembra? Até hoje não consegui desvendar quem são... Hoje, tudo mudou..." E fingi uma tristeza... Ele riu, e me respondeu: "Mas os cheques caem na sua conta diretamente, caso contrário, eu mesmo poderia entregar o pagamento dos trabalhos pra você... " E gargalhamos, pois essa foi uma boa saída dele. Uma pessoa boa, bem-humorada e gentil.
Quando peguei o elevador e cheguei ao meu andar, tocou o interfone e ele me disse que havia mais uma entrega pra mim. Fiquei na porta do elevador no meu andar esperando mais um envelope de trabalho provavelmente... Me embrulhei no casaco de lã e me aqueci com meus pensamentos mais profundos, imaginando que envelhecer tem uma faceta muito boa, que é essa tranquilidade que cai como uma névoa sobre nós, essa vontade de estar sereno na vida e no mundo; mas o outro lado da moeda é que estas surpresas inebriantes do destino são mais raras -- como receber flores de um anônimo... E pensativa me mantive, serena, esperando meu envelope.
Quando chegou, o que havia era uma rosa cor-de-rosa no chão do elevador, e no alto-falante interno o porteiro falou: "Pronto: assim você não diz mais que só recebe contas e não recebe mais flores. O nosso jardim tem essas rosas lindas o ano todo..." Uma rosa linda. Entrei, coloquei no vaso e fotografei. Afinal, as gentilezas são dignas de serem eternizadas.
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