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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Quando outubro chegar

Quando adentramos setembro, os hormônios começam a entrar em ebulição. Foi sempre assim para mim. Algo começa a acontecer no mais íntimo do íntimo, e é como se setembro fosse o elo para outubro, quando tudo desabrocha em minha vida. É assim, sempre foi assim.
Como quando conheci aquele homem perfumado e elegante na fila da Mostra de Cinema. Era outubro, e setembro já havia começado a cozinhar meus sinais. Eu estava cool ali, mas atenta a tudo a meu redor. Eu estava sozinha naquela sessão e lia sossegadamente meu livreto com outras opções de filmes para o dia seguinte. Ele chegou, estacionou atrás de mim com um perfume de laçar a distância. Um amigo dele chegou e eles se cumprimentaram com um selinho.
Dali a uns 15 minutos ele pediu emprestado meu livrinho da Mostra. Dei na maior tranquilidade e me virei para a frente tentando ver se encontrava algum conhecido na fila. Não satisfeito, ele me fez perguntas, tive que me virar para trás. "Você está gostando dos filmes? O que você já assistiu? De que tipo você gosta? Me indica algo pra estes dias". Estranhei. Achei que o moço bonito do selinho fosse seu namorado...
Bem, ele me devolveu meu livrinho, eu me virei para a frente. Sou tenaz na minha solteirice, creiam. É preciso um trator e uma escavadeira para que eu perceba sinais... A fila andou e todos entraram na sala. Encontrei meu lugar numa cadeira no corredor. Me perdi do perfume delicioso que estava atrás de mim.
De repente ele chegou ofegante: "Você não me esperou. Quero me sentar com você..." (Hã??)
Bom, ele se sentou a meu lado, fez comentários próprios e em tempo bem baixinho em meu ouvido durante o filme de Beto Brant. Eu, que em geral fico muito cool nessas situações, estava quase enfeitiçada por aquele perfume. (Jamais perguntei a ele qual era seu perfume, mas era alquimia pura, sedução e vudu incontestável...) Depois da sessão ele me convidou para um café, ali mesmo em Pinheiros; fomos a pé. Não tive medo de um homem que carregava no corpo um perfume daquele e que, como eu, frequentava a Mostra de Cinema (o que não deve querer dizer muito, porque eu sou meio maluquete... mas não sou serial killer.).
Descobri então que ele trabalhava com arte, daí tanta elegância e um jeito livre de transitar no mundo; eu havia sentido isso. Eu precisava ir embora logo para trabalhar em um livro, mas ele simplesmente não deixou. Me pediu para ficar mais e contar sobre mim e sobre tudo que pudesse, ele queria saber dos meus segredos. Depois desse dia, não nos largamos por algum tempo. Foram muitos filmes, restaurantes, bares, cafés... E beijos, claro!
Era outubro... O mês em que os acontecimentos desabrocham em minha vida. Sem que eu perceba, sem que eu me esforce.
Pois é setembro, e os hormônios em meu corpo de mulher de 49 anos sabem muito bem que a vida ganha agora outras cores -- cores de outono. Eu sei, e verdadeiramente não me importo com isso. Fecho os olhos, delicada, e sinto o outono tomar conta de mim, com suas cores invejáveis. Me sinto uma Nova York em festa, folhas esvoaçando, corando o caminho de ouro. E anunciando um novo tempo. Uma nova estação.

Ao contrário. O outono é bem-vindo em mim, na minha vida, na minha falta de rumo, no rumo e no meu descaminho. Aproveitarei cada momento desse outono que chega desfolhando as velhas certezas. Seus tons amarelos e dourados caídos no chão começam a me indicar o caminho. Será? Serei? Será possível?
Cada fase, suas alegrias. Sei bem das tristezas, eu sei. Mas elas estão em toda parte, em tudo que fazemos. Cabe-nos esculpi-las, a cinzel, e torná-las belas gravuras à beira do caminho.
Drummond disse em um poema:

"(...) Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
há que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar. (...)"

Neste outono que me toca, neste setembro que me leva ao meu outubro-desabrochar, quero tentar fazer diferente. Quero amar diferente. Quero que me amem diferente. Quero ler os sinais de forma diferente. Quero viver diferente. Porque as cores que vejo são diferentes das que eu via. Das que eu costumava ver. Elas me dizem que a vida recomeça aos 50. Uma nova estrada de folhas decíduas, de tons amarelos e dourados, que me sinalizam um novo caminho, com novas cores, tão lindas e vibrantes quanto as que me acompanharam até hoje.