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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Aniversário mais que feliz. "Pelo telefone"



É meu aniversário. Também é dia da colação de grau da minha filha. Depois do evento, é quase madrugada; apesar de certos perigos, caminho despreocupada e feliz pelas ruas da minha cidade. A cidad
e onde me construí como sujeito, como ser pensante, como profissisonal, como ser que gosta de cinema e de arte e da noite (do dia também, não se iludam...). Como filha, amiga, mãe. Esta cidade frenética, que já foi pacata quando eu era pequena, no bairro onde nasci. Metrópole onde construí minha família: duas mulheres que cresceram juntas e entraram para o livro do IBGE -- famílias formadas por mulheres, que vão adiante e se desenvolvem com mulheres e filhos que, juntos, seguem e vivem nesta cidade difícil, mas também fácil para algumas coisas. Um caleidoscópio megalomaníaco de cores cinzas, negras, azuis, amarelas, brancas, vermelhas. Todas as cores. Em dias de chuva, se vista de cima, é uma cidade de sombrinhas e guarda-chuvas. Uma cidade-fábrica de "umbrellas"... Adoro ver daqui do escritório a profusão de cores redondas balançando...
Pois no meu aniversário de 50 anos, o resumo-da-opereta foi uma comemoração dupla. Ela estava lá embaixo com sua beca. Eu estava aqui em cima de pretinho básico (nada de roupas moderninhas, eu queria parecer mãe dela...). Ela me mandou aquele beijo de criança com um semicoração, eu lhe enviei um coração completo, que toda mãe tem muitos corações guardados dentro de si para doar a seus filhos. Se um dia eu tiver outro, terei um arsenal de corações de reserva... Mas sempre haverá os corações guardados pra Isadora. Todos dela, não importa o que aconteça.
Depois da cerimônia, saí pra enfim comemorar meu aniversário. Foi difícil encontrar um restaurante com a cozinha aberta àquela hora. Caminhando pelas ruas, encontrei um telefone público das origens, e fui fotografada meio "poser". Sem medo de ser feliz. Como num samba original, "o primeiro samba" de que se tem notícia, "Pelo telefone", o orelhão em que tudo começa... a alegria que pode correr o rio de uma vida. Daqui em diante, e que poderia ter sido dos meus 23 anos para cá. Não tendo sido, a felicidade esbarra aos 50. E é tão bom... Posso afirmar.
E essa alegria estampada na foto. No meu olhar tranquilo de uma etapa cumprida. E no sorriso, a vida alegre que se leva. Tudo isso, passeando no dia do meu aniversário, fazendo pose, aos 50 anos, "Pelo telefone".

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A pequena história do mundo



No dia do meu aniversário, ela fechou um ciclo e agora uma nova etapa tem início na sua vida. Pra nós duas, isso tem um significado muito maior que papel, beca, discurso. Tem uma história de vida que vai além de um fio de contas. Um fio de anos, dias de chuva, dias de sol, dias de trovoadas, carregar no colo porque estava sonolenta pra chegar até a escola. Dias com carro, dias sem carro. Dias com dinheiro; às vezes, sem nenhum. Risos, muitos. Às vezes algumas lágrimas, que duas mulheres juntas choram juntas também. Ela teve uma coelha -- a Títi, e uma cachorra, a Chulica --, e brincou de muitas coisas em nosso pequeno apartamento, até de bicicleta. Houve momentos difíceis, mas ela, mesmo pequena, não esmoreceu apesar de ter a facilidade de dizer: "vou morar com meu pai". Ela não disse. Não aceitou as benesses e as facilidades maravilhosas que isso lhe traria -- fossem de conforto, fossem de tranquilidade pelo transitar mais livre por viver na casa paterna. Nos momentos mais difíceis que tivemos, ela estava ali: aquele olhar tranquilo, mesmo quando preocupado por ver minhas preocupações de mãe que educa um filho sozinha. Ela era madura desde que nasceu. Isso eu já sabia. Nos momentos meio desesperadores, mesmo ainda criança, ela me dizia: "Calma, mãe, você sempre consegue, você vai conseguir desta vez também..." E eu, como num milagre de filme de Natal, conseguia; fosse um dinheiro que faltasse, fosse algo difícil de se obter, fosse a solução de um problema insolúvel. Aí, eu corria, e ia contar primeiro pra ela nosso pequeno sucesso. Ela merecia ser a primeira a saber. Ou talvez a única a saber, já que éramos muitas vezes apenas nós duas naquela odisseia familiar. Havia os momentos difíceis. Mas houve muitos, muitos momentos bons. Com o tempo eles se tornaram melhores. Houve as viagens que fizemos juntas, as coisas que tínhamos em comum, a sensibilidade que ela construía dia a dia, o que nos aproximava e nos tornava cúmplices, muito além de mãe e filha. E havia muito momentos bem-humorados, coisa que ela sabe ser de um modo muito diferente do meu. Mais quieta, mais calada, mais observadora, e do tipo coruja. Observa mais, e quando fala, fala com propriedade, e libera pérolas. Ao dizer uma piada ou ao fazer uma gozação qualquer, tudo se torna muito mais engraçado, porque ela tem o timing do comediante. Atira pro expectador, e deixa que ele role de rir. Muitas vezes ela faz isso comigo, e quando começo a gargalhar, seja na rua, em restaurantes, bares, o que a incomoda, pois ela é superdiscreta. Nisso, vejo que ela desapareceu. Quando ela ressurge, eu pergunto: "Filha, onde você estava>". Ela responde, discreta: "Nada não..." Já sei que estava fugindo pra não pagar mico...
O mesmo aconteceu há muitos anos. Levei-a pra conhecer o Mèxico. Estávamos um dia vendo os murais de Diego Rivera na Cidade do México. Tão lindos que são, eu me emocionei, e comecei a chorar passando por eles, e imaginando como Diego teria pintando aquilo, o que teria pensado em tal personagem. Ela tinha 12 anos. De repente, entre um mural e outro, vejo que perdi Isadora de minha visão, e me desespero, começo primeiro a chamar baixo, depois alto... Ela surge, acanhada. "Mãe, tô aqui". "Isa, onde você se meteu... Achei que você tinha desaparecido! Que susto! O que aconteceu!" "Mãe, você parecia uma velha portuguesa chorando diante dos murais, e todo mundo tava olhando pra gente. Resolvi dar uma desaparecida...." Acabei rindo com ela. Ela paga muito mico por minha causa...
Ela agora mora sozinha, tem sua própria casa, e quando me perguntam se houve algo respondo com serenidade que os filhos têm seu momento de ter sua vida, seu canto. Chegou o momento dela. Mas nesses anos que estivemos juntas, apesar dos conflitos que há entre mãe e filha, entre pessoas que vivem juntas, fico feliz de me lembrar de nossa solidariedade, nossa cumplicidade, nosso amor, e do empenho de tornar melhor a vida uma da outra.
Pois ontem, foi sua colação de grau da faculdade. E ela estava linda. E alegre entre seus amigos de turma. Em determinado momento, no meio da cerimônia, eu estava no fundo, ela lá na frente. De repente, ela se virou pra trás, pôs a mão na boca e me atirou um beijo, como fazia quando era criança; eu retribuí fazendo com as mãos o formato mais que batido de um coração, mas era o que eu tinha nas minhas mãos para lhe enviar ali, naquele momento. Mas meus olhos estavam hidratados como as fontes de todas as praças do mundo numa noite de verão, porque eu vi nos olhos dela aquele olhar de origem, daqueles momentos todos que só nós duas conhecemos, daquelas alegrias que só nós duas temos registro. Só nós duas sabemos o que foi chegar até ali. Uma aura sagrada entre mãe e filha se instalou ali. E eu simbolicamente peguei suas mãos e a entreguei para o futuro, o seu futuro. Ela está pronta para a vida.
Mas que ela saiba: estarei sempre, como toda mãe que ama e zela, cuidadosa, amparando seus novos passos.

"Tudo o que move é sagrado
E remove as montanhas
Com todo o cuidado, meu amor.
Enquanto a chama arder,
Todo dia te ver passar,
Tudo viver ao seu lado
Com o arco da promessa
Do azul pintado pra durar.
(...)

("Amor de índio", Beto Guedes)

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

À moda de Hegel

Assaltaram meu pôr de sol cotidiano. Arrancaram minha vista panorâmica do bairro e da vida que borbulha nele. Deram cabo dessa minha pequena alegria. Alegria pequena, minúscula, mas grandiosa pra olhos de sensibilidade gigante. Eles fizeram tudo isso silenciosamente, primeiro; depois, com enorme estardalhaço, que doeram meus ouvidos. E machucaram meus olhos.
Mas o que ele não sabem é que não vão conseguir nunca, jamais, me conter. Atrás dessa muralha de concreto burguês, há de haver uma saída. Uma esperança, tão pequena quanto essa minha pretérita alegria. Hei de construir um atalho, um novo caminho, uma vereda, um desvio. Vou procurar meu pôr de sol cotidiano "alhures", porque, pensando em Hegel, eles não sabem, mas todo escravo tem uma saída.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Uma espécie de magia

Um porto –

domina
movimentos
e
sentidos.
atraca
o navio
macio
em mim.

Inúmeras
tentativas.
A derradeira
e
mais prazerosa –
espuma de mar
domina
territórios
ocultos.
Rosa tingido
de sal.

Se for lua
cheia,
é certo:
na superfície
virá à tona
o grito agudo
da sereia.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

A lupa

Arrumando minha bancada do escritório -- uma bagunça sem-fim--, encontrei (tim!) a lupa que meu pai me deu de presente!
Ele adora lupas. E papel. Papel velho. Recortes. Jornais. Fotos antigas. Gosta de ver mapas, seguir cursos de rios, encontrar lugares que visitou com detalhes em velhos atlas que temos na casa de minha mãe. Eles estão desatualizados, mas ele não descansa. Quando vou lá, ele fala o nome de algum medicamento que está tomando e diz assim:
-- Minha filha, esse medicamento é feito em Goiás... eu já fui lá com a Mãe! Uma vez pegamos o carro e fizemos assim...
E aí vai discorrendo e vai pegar lá o velho mapa para mostrar o caminho que fez pela estrada, e o rio que havia e que mudou de nome. E a ponte que eles cruzaram. E claro. Ele traz... A Lupa. Assim. Com letra maiúscula. Uma entidade. A companheira de um historiador que ele, menino órfão de pai, não pôde ser, pois tinha que trabalhar dese menino pra sustentar a mãe e os irmãos.
Faculdade? Ele só conseguiu fazer depois dos 30 anos, quando minha mãe fez grandes sacrifícios e malabarismos com o salário dele e nós éramos pequenos. Mas detalhista, preciso nas coisas, cioso, perfeccionista, caprichoso nas letras e no português e na boa gramática, ao menos pôde ser guardião da história dos processos do Fórum por anos. Escrevia e reescrevia aqueles textos para os juízes e desembargadores, sem descanso. Sempre achava que estava esquecendo algo, ou que tinha algo muito errado, algum engano grave que estava cometendo... (parece alguém que conheço, meu deus!...) Até que um dia um juiz, quando ele foi mostrar o texto final, lhe disse numa ironia fina:
-- Seu Heitor, o senhor já fez o meu trabalho, nem preciso rever e dar minha conclusão ao processo, o senhor já o fez por mim... pode passar a limpo.
Pois quando ele pega esses mapas lá em casa ele enlouquece a gente... [com a tal da Lupa...] porque em geral estamos conversando sobre outros assuntos, querendo saber outras coisas, o assunto já está em outro ponto, mas ele empacou com... a tal Lupa... a Entidade... no tal mapa, que ele quer mostrar, da tal viagem a Goiás, que ele fez com a Mãe, à casa da tia Fulana, em 2002... É muito engraçado. Então, minha filha Isadora, que é apaixonada pelo avô, pega no braço dele e segue as trilhas do mapa e vai perguntando:
-- Vô, o que é aqui? Onde você foi? Que rio é aquele?
E ele sossega.

Mas enfim eu achei minha lupa que estava perdida. A lupa que meu pai me deu, na certa, porque ele sabe que eu, parecida demais com ele, a quem ele destina recortes de revista, de fotos da São Paulo antiga, de fazendas de café, de cenas de história antiga, serei a herdeira de seu cacoetes. [Que já sou...] Tipo, somos ciosos ao extremo de nossa privacidade, falamos baixo das coisas podres da família e pedimos sigilo a quem contamos, detestamos certos comportamentos, somos travados emocionalmente, tímidos no contato físico com as pessoas, mas extrovertidos socialmente e gostamos de festa, de sair, viajar, dançar, adoramos comer, tomar vinho, e um bom bacalhau. Ou seja: eu e ele somos uma lambança, uma mistura de italianos com portugueses típicos. A diferença é que ele fala baixo, é ponderado, não chora. Eu descabelo, grito quando é necessário e choro quando a coisa está preta.
Pois agora que perdi meu pôr de sol, que não tenho mais a alegria ensolarada em meus finais de tarde, tentarei com minha lupa procurar em mapas um lugar novo pra mim, onde haja sol, por de sol, e que eu possa ter de novo finais de tarde ensolarados e cheios de luz.
Espero que a lupa encontrada no meio da bagunça seja um sinal de que há esperança.

sábado, 20 de outubro de 2012

Uma espécie de fé


A voz caminha
por um fio.

(Sequer respiro para não
perder as letras
do seu discurso.)

Palavras confirmam
achados arqueológicos
em sítios desejados
-- os deuses aprovam
a composição
desta ópera --

seu ser complexo
(enfim)
no meu.

Recolho suas palavras
como roupas
brancas
de um varal:

disciplina,
paciência
e fé.

Silenciosa,
sigo o dia
como as Moiras --

na Roda da Fortuna
construo
sem pressa
o inusitado:

o meu-seu destino.

Assalto

No cinema:


no escuro,
um carinho
que se rouba

ou que me tomam


como se eu fosse (sempre)
a vítima
ou um ladrão


[de sentimentos].

Angoissée

Angústia reconhecida:

círculos pela casa
percorrendo
o caminho
de antigas lembranças.

Prozac.

zigue-zague
na veia:

carrossel

céu
mar
sol

e um azul


















(imensa vontade
de não estar só.)

[Entre tanta gente.]

Sem explicação

Um sinal belisca
o miolo da intuição
como em outras vezes.
O canto do galo.
O pio da coruja.
O farfalhar de penas.
Só o caboclo sabe do que estou falando.
A castanheira olha lá de cima,
do alto de sua beleza diz:
você da cidade não sabe de nada.
A natureza trará um presente.
A benzedeira percorre com arruda molhada
nosso destino.
A intuição faz plimplim
e avisa:
o desejo
chega amanhã,
às 16h55.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Quando outubro chegar

Quando adentramos setembro, os hormônios começam a entrar em ebulição. Foi sempre assim para mim. Algo começa a acontecer no mais íntimo do íntimo, e é como se setembro fosse o elo para outubro, quando tudo desabrocha em minha vida. É assim, sempre foi assim.
Como quando conheci aquele homem perfumado e elegante na fila da Mostra de Cinema. Era outubro, e setembro já havia começado a cozinhar meus sinais. Eu estava cool ali, mas atenta a tudo a meu redor. Eu estava sozinha naquela sessão e lia sossegadamente meu livreto com outras opções de filmes para o dia seguinte. Ele chegou, estacionou atrás de mim com um perfume de laçar a distância. Um amigo dele chegou e eles se cumprimentaram com um selinho.
Dali a uns 15 minutos ele pediu emprestado meu livrinho da Mostra. Dei na maior tranquilidade e me virei para a frente tentando ver se encontrava algum conhecido na fila. Não satisfeito, ele me fez perguntas, tive que me virar para trás. "Você está gostando dos filmes? O que você já assistiu? De que tipo você gosta? Me indica algo pra estes dias". Estranhei. Achei que o moço bonito do selinho fosse seu namorado...
Bem, ele me devolveu meu livrinho, eu me virei para a frente. Sou tenaz na minha solteirice, creiam. É preciso um trator e uma escavadeira para que eu perceba sinais... A fila andou e todos entraram na sala. Encontrei meu lugar numa cadeira no corredor. Me perdi do perfume delicioso que estava atrás de mim.
De repente ele chegou ofegante: "Você não me esperou. Quero me sentar com você..." (Hã??)
Bom, ele se sentou a meu lado, fez comentários próprios e em tempo bem baixinho em meu ouvido durante o filme de Beto Brant. Eu, que em geral fico muito cool nessas situações, estava quase enfeitiçada por aquele perfume. (Jamais perguntei a ele qual era seu perfume, mas era alquimia pura, sedução e vudu incontestável...) Depois da sessão ele me convidou para um café, ali mesmo em Pinheiros; fomos a pé. Não tive medo de um homem que carregava no corpo um perfume daquele e que, como eu, frequentava a Mostra de Cinema (o que não deve querer dizer muito, porque eu sou meio maluquete... mas não sou serial killer.).
Descobri então que ele trabalhava com arte, daí tanta elegância e um jeito livre de transitar no mundo; eu havia sentido isso. Eu precisava ir embora logo para trabalhar em um livro, mas ele simplesmente não deixou. Me pediu para ficar mais e contar sobre mim e sobre tudo que pudesse, ele queria saber dos meus segredos. Depois desse dia, não nos largamos por algum tempo. Foram muitos filmes, restaurantes, bares, cafés... E beijos, claro!
Era outubro... O mês em que os acontecimentos desabrocham em minha vida. Sem que eu perceba, sem que eu me esforce.
Pois é setembro, e os hormônios em meu corpo de mulher de 49 anos sabem muito bem que a vida ganha agora outras cores -- cores de outono. Eu sei, e verdadeiramente não me importo com isso. Fecho os olhos, delicada, e sinto o outono tomar conta de mim, com suas cores invejáveis. Me sinto uma Nova York em festa, folhas esvoaçando, corando o caminho de ouro. E anunciando um novo tempo. Uma nova estação.

Ao contrário. O outono é bem-vindo em mim, na minha vida, na minha falta de rumo, no rumo e no meu descaminho. Aproveitarei cada momento desse outono que chega desfolhando as velhas certezas. Seus tons amarelos e dourados caídos no chão começam a me indicar o caminho. Será? Serei? Será possível?
Cada fase, suas alegrias. Sei bem das tristezas, eu sei. Mas elas estão em toda parte, em tudo que fazemos. Cabe-nos esculpi-las, a cinzel, e torná-las belas gravuras à beira do caminho.
Drummond disse em um poema:

"(...) Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
há que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar. (...)"

Neste outono que me toca, neste setembro que me leva ao meu outubro-desabrochar, quero tentar fazer diferente. Quero amar diferente. Quero que me amem diferente. Quero ler os sinais de forma diferente. Quero viver diferente. Porque as cores que vejo são diferentes das que eu via. Das que eu costumava ver. Elas me dizem que a vida recomeça aos 50. Uma nova estrada de folhas decíduas, de tons amarelos e dourados, que me sinalizam um novo caminho, com novas cores, tão lindas e vibrantes quanto as que me acompanharam até hoje.


quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A nudez das palavras


La danse, Henri Matisse






A nudez das palavras

Atiradas
ao chão.

Meias-verdades.
Mentiras performáticas.
Inverdades brilhantes.

Ao redor
da cama.
O jeans.
A lingerie.
O não-sim feminino.

Movimento de
pêndulo,
mergulho no poço.

Como numa prece
feerica
minha boca desfere
onze letras:

-- Gosto de você.

E as palavras
dançavam ali,
inteiras e nuas.

Inteiras e nuas.
Como eu.

domingo, 26 de agosto de 2012

Amor à grega


Safo de Lesbos











"De novo inquieta, num turbilhão,

Asa de vento: Amor

Me desalinha,

Doçura amarga, fera

Implacável..."


(Safo de Lesbos)

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Insensatez

Num ponto da estrada, lá atrás, existe um enclave. Apesar dos prazeres da carne, das alegrias do coração, do frescor do merecimento e dos novos tempos, da brisa que vive tocando meu coração, vez por outra meu rosto se volta para aquele ponto difícil que ficou enterrado lá atrás. E isso faz muito, muito tempo...
Como uma fonte, mas que verte, em vez de água, um líquido escuro, deixei-a para trás, enterrada como o corpo de um falecido não querido, do qual você quer se livrar rapidamente. Apesar de todo meu otimismo, apesar de minha tendência alegre vital de desviar de qualquer tendência ao sofrimento desnecessário, tendo seguido numa estrada de uma via em frente e avante, essa fonte de dor coagulada, como todo ente morto, é um fantasma. E como todo fantasma-mala, vez por outra vem me assombrar. É então que meu rosto, que só tem olhos para o futuro, num átimo, se assusta e se lembra, como num filme macabro, de tudo. Rápido se vira para trás, automático, com medo. Não quero mais daquilo.
O fantasma corre célere, querendo me tomar de novo, lanhar meu corpo, tomar minha alma, assaltar meu sentimento delicado. Não! Não mais. Aprendi com pitadas amargas esta lição. Ao entregar tudo o que eu tinha, ao ficar nua, ao dar em bandeja de prata minha cabeça e meu coração, um João Batista de saias, eu me perdi. E ao me perder eu perdi o crivo, a razão, a dignidade, o limite. A sensatez.
"Quem nunca amou/ não merece ser amado", diz Tom Jobim. Entregue, não pensei nem pestanejei, não refleti sobre esta frase, e mergulhei sem saber se havia água para me receber.
A assombração arfa em minha nuca. Arrasta-se querendo mais, querendo mais. Querendo perversamente passar a lâmina e se deliciar.
Não. Giro rapidamente o corpo para a frente: o futuro e todas as possibilidades de sensatez. Um leque. O perverso foi enterrado sem honrarias, sem choro, sem sofrimento. Não derramei uma lágrima sobre seu esquife. Não verti ecos de dor nem joguei um punhado de terra em sua sepultura. Apenas corri do mal que ele dissemina por onde passa, o mais rápido que pude. Faz tanto tempo... Mas o mal, meu caro, ele é um rastro do qual temos que fugir para sempre. Uma vez feito, ele assombra.
A distância, sinto seu esgar, mas já estou tão longe que meu pânico já não existe. Que o morto descanse. Eu sigo meu caminho adiante: meu coração e minha cabeça resgatados daquela odiosa bandeja de prata.
A sensatez, agora, com olhos atentos e alertas. Fixos no futuro.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

"Te devoro": me aguarde, é só uma questão de tempo....

"(...)
Eu quero mesmo é viver
Pra esperar, esperar
Devorar você"
Me aguarde. Você não sabe com quem está lidando... Posso ser um tigre, milênios à espera.


Eu Te Devoro
(Djavan)

Teus sinais
Me confundem da cabeça aos pés
Mas por dentro eu te devoro
Teu olhar
Não me diz exato quem tu és
Mesmo assim eu te devoro
Te devoraria a qualquer preço
Porque te ignoro ou te conheço
Quando chove ou quando faz frio
Noutro plano
Te devoraria tal Caetano
A Leonardo di Caprio
É um milagre
Tudo o que Deus criou
Pensando em você
Fez a via-láctea
Fez os dinossauros
Sem pensar em nada
Fez a minha vida
E te deu
Sem contar os dias
Que me faz morrer sem saber de ti
Jogado à solidão
Mas se quer saber
Se eu quero outra vida,
Não, não.

Eu quero mesmo é viver
Pra esperar, esperar
Devorar você

sábado, 18 de agosto de 2012

Uma visão da vida

Humor não é um estado de espírito, mas uma visão de mundo. (Ludwig Wittgenstein) Disponível em Hierophant

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Sexta-feira...

Oscaricato Cabaré Show

domingo, 12 de agosto de 2012

Alguma felicidade

Manhãzinha de domingo. Eu sei que deveria postar algo sobre o Dia dos Pais. Mas dentro de mim há um tambor rufando como se fosse numa floresta. Um animal selvagem apura os ouvidos como se algo fosse acontecer. Gira em torno de si inquieto. Mas eu sou toda plácida, complacente. A vida segue seu rio, e não estou preocupada com a próxima curva. Uma fase deliciosa da vida. Dentro uma certeza-não certeza deita-se e descansa. E espera que o Universo traga uma bandeja bonita e cheia de víveres. Se vier, que bom. Se não vier, tudo bem. O que está construído dá conta de nossas alegrias e algum êxtase. Demorei a me dar conta de que tudo que tenho garante minha felicidade.

sábado, 11 de agosto de 2012

Olhos Negros

Preguiçosa como uma gata que se lambe nas manhãs, meio com manha, meio com mau humor, meio querendo ser mimada, vou até a cozinha preparar meu café. Gosto disso: eu mesma sempre gostei de preparar meu expresso com torrada e manteiga (manteiga de verdade) ou requeijão, depende do dia, do humor, da minha vontade. Mesmo quando era casada, ou mesmo depois que me separei, quando havia alguém para me ajudar, não gostava daquela invasão na primeira hora do meu dia. Pegava meus comes e ia para a sala de jantar e ficava ali sozinha, lia o jornal, brincava com Isadora, ou ficava sozinha nesse primeiro momento do meu dia. (Sei que depois ele não será mais meu. Por isso aproveito bem esses minutos iniciais) Esse primeiro contato pela manhã com minha alma, com meus sentidos me carregam para as dificuldades do meu dia, para as coisas boas também. Eu entro em sintonia com o mundo nesses oásis que crio logo cedo. Depois, saio dele, e sou toda do mundo. Pois hoje, eram 10h, acordei. Toda preguiçosa como descrevi. Expresso em punho, torrada também, abro meu laptop e vejo meu blogue e e-mail. Nada de novo no front. Tudo velho e conhecido. Vejo meu Facebook para responder mensagens, ver as novidades e outras coisas também. E eis que vejo um presente "de manhã" ou "matutino", como queiram. Postado no meu mural, para confeitar minha manhã, está um YouTube, "Olhos Negros", com Johny Alf e Caetano Veloso. Café tomado, torrada garantida, e uma sensação de ter sido presenteada, minha manhã começou mais graciosa e delicada. Esta sensação que me faz me sentir inserida no mundo. Acariciada no que há de melhor: naquilo que sinto. Para se deliciar com "Olhos Negros", acesse: http://www.youtube.com/watch?v=aBnDEk6TMGs

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O Sol por testemunha

Mais uma vez, fim de tarde. Em São Paulo. Em mim. Vou fechando o barraco do trabalho. Chega por hoje, são 17h48. Hoje não farei o bom serão de sempre. Meus olhos estão cansados de ler, de estabelecer imagens com texto, legendas e texto, e corrigir, e meu cérebro é uma massa turva de tanto tentar esclarecer os argumentos de frases sem sentido. De tentar ordenar aquilo que não tem ordem. De tentar dar sentido àquilo que não tem.
Preciso do vil metal para meus pequenos prazeres. Para meus grandes prazeres. Mas hoje me darei o pequeno prazer de interromper mais cedo a corrida do ouro, e duas gotas de Channel Chance, correrei o mundo.
O sol vermelho e gigante desses dias se perpetua hoje atrás do skyline. O Parque está em festa banhado por um dourado abençoado, derramado sobre as árvores que quase se deitam na terra. Por que ando tão obcecada pelo por do sol? Explico. Durante 15 anos tive o por do sol inteirinho para mim, uma vista privilegiada que poucos têm em São Paulo hoje. Metade do Parque da Água da Branca era meu (para meus olhos), o Pico do Jaraguá era meu ao longe, assim como muitos bairros da zona oeste, pequenininhos eu os via também. Pegasse um binóculo, poderia ver o que não queria até.
Meu escritório, em que trabalho há 11 anos, foi projetado todo para receber o banho desse sol abençoado de fim de tarde. Paro sempre para reverenciar e tomar um café expresso, e apreciar com calma todos correndo e eu, toda calmaria, aqui em cima, 15 andares, pedindo ao deus Sol que olhe por mim e agradecer a Deus tudo que tenho: meu trabalho abençoado com arte e livros, minha filha deliciosa, meus pais, irmãos e sobrinha, amigos queridos, minhas viagens, a vida que levo, cheia de prazeres que vou encaminhando devagar.
Pois agora, a força da grana derrubou uma série de sobradinhos ao lado do meu prédio. E sobe incólue um prédio de 17 andades que interceptará meu prazer visual. Todo. Olho agora para baixo, e vejo que a construção acelera já no 12o andar. Mais três estará aqui diante de mim, cobrindo todo meu prazer diário, que apreciei por anos a fio.
Então, nestes últimos tempos, como alguém que sabe que vai partir para sempre, aproveito cada gota no fim de tarde. Paro tudo, olho meu deus Sol se pondo, belíssmo. Ouro em pó se esgarçando para mim. Como se ele também soubesse que me perderá.
Esses finais de tarde originaram muitas coisas: poemas, crônicas, prosas, amor, êxtase, conversas com minha filha, conselhos ao telefone, com amigos, família, conversas profissionais. Tudo com o Sol por testemunha.
Saberei viver sem ele?

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Um labirinto qualquer (Um conto sádico)

Desisti de entender.
Desisti de buscar no labirinto de pastilhas de espelhos uma resposta.
Mergulho fundo nas areias do Nilo à procura de mais um fragmento de poemas da grega Safo de Lesbos.
Procuro emoções.
Selvagem como um tigre. Um tigre. Um tigre.
Afiada como navalha. Voraz. Os espelhos brilham e me trazem uma nova imagem. Sade me compõe um atalho.
Desfaço o laço da renda que me cobria; ela cai por terra e caminho em direção ao desconhecido.
O coração pulsa mais rápido, e olhos desconhecidos são como raios laser a me percorrer. Eu gosto. Eu adoro...
Um castelo de aventura, me entrego então. Meus cabelos são levantados bem na altura da nuca, e aí sou beijada por um estranho, com fúria, mordidas, dentadas, saliva escorre. Sinto pelos movimentos que ele tatua uma espiral no meu pescoço com tinta e agulha desconhecidas. Dói. Solto um leve gemido quando ele pontua o centro. Pergunto que desenho é aquele. Ele dá de ombros e, mudo, seus olhos de pupilas dilatadas e fora de si, escreve com os dedos em rodopios em minhas costas para que eu adivinhe o que quer dizer: "É o labirinto. O Minotauro. Você. Ariadne. O fio...".

Teseu e o Minotauro



Estou nua e meus seios estão em riste. Prazer na dor. Os dedos dele desenhando nas minhas costas aquela história sem sentido. Desconexa. Tudo isso me excita. Minotauros, fios, Ariadnes. Me ofereço em oferenda a esse estranho nessa pocilga de odores desagradáveis, corpos estranhos, sensações lisérgicas. Ele aceita. Acerto com ele um escambo: eu em troca da saída do labirinto. A tatuagem para sempre em minha nuca. Estou em vertigem. A tatuagem arde, e sangra, pois meu indicador a toca e quando o trago perto do rosto, mesmo na semiescuridão vejo que está vermelho.

O fio de Ariadne



A distância ouço gemidos e gritos, mas tudo que quero é ir até o fim na versão sádica do meu fio de Ariadne: será ele quem me estenderá o caminho até a saída, mas não sem antes receber o que quer -- tudo o que vê sem a renda que a queda de meu laço proporcionou... A saída só me chegará às mãos, a ponta do fio, quando eu der tudo, quando ele consumir tudo, suas pupilas dilatadas e fora de si arrancarem meus olhos, minha carne, meus sentidos, minha alma, toda minha dor, e sua luxúria estiver satisfeita (quem sabe também a minha?)...
Minha tatuagem começa agora a latejar, mas foda-se. Meu estado é de completo torpor. Ele venda meus olhos, amarra minhas mãos e me faz ingerir uma droga qualquer... Não temo mais. E para mim ele é o Minotauro. Deixo que faça tudo que quer, e apesar de não ter nada que tape minha boca, não dou sequer um gemido. O Minotauro sacia todas as suas vontades, usando toda sua força, eu não grito, não choro, não peço. Na minha viagem ele é a figura mítica, e toda minha dor está calada por aquela poção que ele me dera antes, que apenas amplia meu prazer.
Sinto que estou sangrando.
Tomado por uma energia demoníaca, ele é incansável. Se pudesse, me escalpelaria ali, me viraria do avesso, me empalaria. Seu sadismo vai além dos limites do marquês.
Os efeitos da poção começam a se extinguir e começo a sentir dor e desconforto. tento tirar a venda, tento tirar os nós e desatar as mãos. Ele quer mais... e mais... e mais... Imploro que me deixe, não aguento mais. Quero a última ponta do fio, urgente!
Quero sair dali daquele labirinto, quero que aquele Minotauro pesado saia de cima de mim... O prazer de me ver fragilizada e sentir tanta dor lhe dá um prazer extremo e ele goza ali, forte, diante de mim. Um prazer fora do comum. Peço que retire minhas amarras. Ele o faz de forma ruidosa, com raiva.
Me arranca da cama e diz todas as palavras mais grosseiras que eu poderia ouvir. Me empurra para fora da pocilga com as mãos em minha costas. Estou nua, e mesmo atordoada peço um lençol. Ele vocifera que sou uma piranha e que piranhas são expulsas dali peladas! Grita todos os palavrões possíveis. Os noias todos lesados não pretendem entender. Nem eu. Estou chapada também. Descalça vou pisando em tudo: camisinhas usadas, seringas usadas, sujeira, esperma, vômito, fezes, urina. Mas não ligo, desci muito fundo, no fundo do poço nos últimos tempos...
Ele vai me socando pelas costas. Quando chegamos à porta principal, ele a abre quase a arrancando com a força bruta, me atira com toda a força na sarjeta e aos cães que reviram os sacos de lixo. Eles se assustam com a ferocidade de seus gritos, e correm. E eu fico atirada ali. Literalmente na sarjeta. Nua. Sêmen pelo corpo. Sangue também. A tatuagem feita com uma tinta sabe-se lá de onde foi tirada (teria sido feita com sangue? Não sei.) lateja, pulsa, dói.
É plena madrugada, faz frio, estou arrepiada, mas não sinto nada. Ele vai fechar a porta com brutalidade. Mas um cisco na memória e meu vício me lembram que ele prometera ir até o fim com o fio se eu lhe desse tudo. Antes que a fresta da porta se feche eu berro: "Seu cafajeste, você prometeu me dar se eu te desse tudo! Eu te dei. Se você não me der o bagulho eu volto, e juro, mato você!" Meu corpo treme, há água na sarjeta, água suja e sabe-se lá que mais.
Uns minutos se passam, mas eu não consigo me levantar. Eu volto e mato esse cara. É uma questão de conseguir o bagulho com alguém. Questão de esperar.
Então, ouço uns passos. A porta range. Ele grita: "Sua vaca!" e atira o pacotinho em mim. Rápida, me arrasto até uma porta de ferro na calçada e, em meio à sujeira, restos de comida, lixo e sabe-se lá que escrotices mais, me encosto nela. Ratos caminham sobre os sacos de lixo. Acompanhada deles, ali mesmo dou conta da última ponta do fio de Ariadne.

Roleta-russa ou uma espécie selvagem

Não tinha nada a perder. Joguei todas as fichas. Apostei alto. Cassino pobre, qualquer lugar, Paraguai, nada de Monte Carlo, anos 50.
Mas uma mulher, é uma mulher, como diria Goddard. E mulheres querem risco, emoção. Entorpecem por um esgar felino, ou o vislumbre de botas lambuzadas de terra.
Deixei para trás os livros franceses, a conversa intelectualizada, esta tradução de fulano é boa, esta não, o vinho bem escolhido, os restaurantes rebuscados, o olhar centrado.
Me atirei no lodo do desconhecido e da loucura. Fui jogada sobre capôs e prensada em paredes, em ruas e becos. Só pelo gosto da aventura. Toquei os paraísos artificiais. Troquei Monte Carlo, Mônaco, por um boteco à beira de qualquer estradeca paragueta, chinfrim e lambuzado de gordura e pó. Calor, ventilador tosco girando um vento quente e abafado, roupa colando no corpo, tequilas engolidas de uma vez, cervejas de quinta, copos batendo na mesa. Sexo, sexo, sexo, de primeira! ´Luxúria, luxúria, 13 dias, 13 noites. Atropelo, loucura, torpor, torpor, loucura, luxúria, torpor, tontura e corrosão dos sentidos... Minha reputação arranhada, rasgada, um trapo. Aquela poeira de estrada, Jack Kerouac. Fui fundo, desci o mais baixo possível. Acelerei. Mas não sou mais uma menina... Ah! Não importa! Desço o Baixo Augusta correndo. Troquei o dia pela noite. O telefone grita na madrugada, me chama a qualquer hora, e numa vertigem, eu atendo ao chamado selvagem selvagem selvagem! Invadida e corrompida no corpo e nos sentidos e na razão, fui perdendo a nitidez. Como se um revólver com apenas uma bala me mirasse, o tempo todo, adrenalina a mil, e eu quisesse mais, mais, mais, mais... Penetrada por uma ideia fixa, um prazer insólito, obcecado, obsessivo, sórdido. Sade, Baudelaire... A loucura como uma espécie de vício, ópio, de fanatismo, de prazer dividido.
Num estado de torpor e entrega absoluta.... quando havia já chegado ao fundo do fundo do fundo, quando estava comprometendo não só meu francês, mas meu português, quando estava já enlouquecida de prazer e de aventura e de languidez e de entrega arrebatada, a roleta girando girando girando girando, negro 17, e eu perdendo perdendo perdendo toda minha consciência e bom senso e minha condição de mulher, "no más" (assim se fala nos cassinos paraguaios, quando se encerra o jogo da roleta), o sinal vermelho soou em mim: BENG!
Afasto o revólver da mira da cabeça, pego a estrada poeirenta de volta. Ao telefone, com dificuldade digito os números que me arrastarão para longe desse sorvedouro. É só um basta. Não quero mais.
Afinal, uma mulher é uma mulher. É preciso voltar aos bons vinhos bens escolhidos e aos perfumes delicados. A calma e o prazer do conhecido, sem o torpor da loucura. Mulher é uma espécie selvagem, um bicho indomável quando tromba com um corcel e se delicia em chafurdar nessa lama obscura do prazer. Mas, por favor, sem o assombro de roletas-russas e balas resvalando a mente.
Une femme est une femme... Sábio Jean-Luc Goddard.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Dica de gastronomia: Café San Babila e Grandes Esperanças, de Charles Dickens

Foto deste fim de tarde feita por Debby Pimenta, que costumo encontrar ou quando vou dançar no delicioso Kitch Club, ou quando vou ao Bar dos Parlapatões ver minha amiga Marcinha... Aqui vocês não veem o skyline por detrás das árvores do Parque da Água Branca, claro, pq Debbys não mora comigo (risos)... Ela gentilmente me cedeu a foto que fez de seu apartamento. Obrigadíssima, Debbys!!

17h20. Fim de tarde em São Paulo, o sol amarelado de inverno vai descendo no céu e vou testemunhando daqui do meu escritório no skyline que vejo , por trás das árvores do Parque da Água Branca, mais um fim de dia.
Eu em geral sou muito otimista, mas por vezes meu coração recua e deixo de ser. Hoje foi um desses momentos. Fui à Caixa tentar fazer um saque de meu FGTS, que deveria ter sacado em dezembro. Não tendo precisado dele, deixei lá e agora fui com o coração sem grandes esperanças (sim, como o livro célebre de Charles Dickens, Great expectations). Olhei no site da Caixa e eram necessários vários documentos.
Bagunceira que sou com coisas burocráticas, peço que meu contador organize uma vez por ano meus documentos em caixas, para que eu não me perca. Mas ainda assim sou sempre pega de surpresa sempre que preciso de algo urgente!
Como disse, fui cabisbaixa para lá, na rua Turiassu, quase esquina com avenida Sumaré, sem Grandes Esperanças (o belo romance).

Meu ânimo estava a zero, e sabia que apenas chegaria lá para ouvir: você precisa trazer X, Y, Z para resgatar seu Fundo... Mas fui, sagitariana tenaz que sou, e teimosa. Afinal, queria ouvir de um funcionário quais documentos teria que trazer, e não ver apenas no site.
Me sentei, porque vi que demoraria a ser atendida. O atendimento ao saque de FGTS é o mesmo que aos empréstimos e financiamentos, acreditem.
Quando me chamaram, me arrastei até a cadeira, me sentei e disse: quero retirar meu FGTS, sei que precisarei de mais documentos do que os que trouxe, mas quero saber de vocês quais são.
Entreguei tudo o que tinha à funcionária e ela sorriu quando abriu minha conta na tela. Ela disse: "Você é sortuda, por um triz teria que esperar até novembro! Os documentos estão todos aqui, não preciso de mais nada. Você pode sacar. Ou fazer uma TED, conforme quiser...". Optei pela TED, óbvio!
Não acreditei! Simples assim? Não era possível. Eu me preparara para ficar meio azeda, meio ácida, meio mal-humorada e para voltar amanhã. Então, aquele era um sinal, para mim, de que não devo perder a esperança, as grandes esperanças...
Saí dali bem contente, ao cruzar a porta fiz um gesto de "Yes!" discreto. Dera certo!
Ao atravessar a rua Turiassu, vi o Café San Babila, que minha amiga Gika me apresentou há alguns anos. Resolvi que era o momento de comemorar... Abriria mão de evitar os doces, como sempre faço, e comeria uma fatia de algum bolo acompanhado de um expresso curto. O café e o capuccino são de própria fabricação San Babila, e eles revendem aos clientes. Eu mesma já comprei e provei ambos em minha casa, e são deliciosos.
O café San Babila além de cafeteria serve almoço e é uma delícia ir ali num fim de tarde, comer um salgado ou mesmo um doce acompanhado de cappuccino ou café. Apesar de ser difícil estacionar ali, vale a pena ou ir a pé ou estacionar o carro num estacionamento que há ao lado, e ficar ali pensando na vida ou jogando conversa fora com algum amigo.
A frequência é engraçada: gente descolada, que não sei de onde surge... Quando você vê, eles estão plantados ali, sentados a seu lado, com cabelos cortados modernetes, roupas de última geração. Súper!
Tudo é muito gostoso, e apesar de estar localizado numa rua que não é uma das mais bonitas do bairro, ele é um enclave: é muito bonitinho com suas mesas num terraço, parece um café europeu perdido naquela coisa desértica que é o finalzinho da Turiassu...
Fiquei ali, pensando na minha vida, levantando em mim as Grandes Esperanças para o futuro, esperando que eu possa esperar coisas melhores do que sorte apenas num saque de FGTS. Afinal, o dia está indo embora, o sol amarelo está belíssimo, a vida é um belo presente divino, estou aqui dando uma dica gastronômica a meus leitores.
Tudo pode ser apenas um começo em si. Grandes Esperanças...



Café San Babila
Rua Turiassu, 1382 - Água Branca
São Paulo, 05005-001
(0xx)11 3862-5913

Da maturidade e do amor

Amor e seu tempo

Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe

valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.

(Carlos Drummond de Andrade)

Guimarães Rosa

Manhã de inverno (ainda...)

Na foto, imagem do Clipe de "Barrio Sur", do Tanghetto.





"Barrio Sur", do grupo Tanghetto. Ouçam nesta manhã de inverno, que ainda vai esvaindo pelas beiradas da estação.

Acesse: http://www.youtube.com/watch?v=3_d6y827Zfo

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Encanto feminino


Na foto, Marylin Monroe na campanha do perfume Channel





O segredo de ser uma mulher é o livre trânsito por territórios desconhecidos e díspares, que somente nós, cromossomo X, compreendemos e conseguimos percorrer. O olhar cabisbaixo e cansado da manhã pode se transformar em pura euforia com direito a duas gotas de Channel Chance à noite para lançar o canto de sereia para aquele homem que desejamos com paixão -- mas secretamente, claro. Diante dele, a semana toda, apenas levantamos os olhos e confirmamos que ele nos deseja. Ele enlouqueceu, com razão, porque até agora não entendeu se ela quer ou não! Meu caro, você nunca saberá de fato! Você está lidando com um espécime raro, cheio de meandros sutis, pronto para lhe aplicar armadilhas em seu ego masculino caso isso seja necessário. Um conselho: cuidado!
Somos ambíguas e fugidias. Enguias ensaboadas quando queremos, e árvores enraizadas quando assim determinamos -- mesmo que, porventura, o outro não deseje que seja assim. Se uma mulher quiser algo, não insista: ela vai fazer algo. E se você quiser desistir de algo e ela não, outro conselho, renda-se. Ela vai argumentar e fazê-lo convencer-se a seguir adiante. (Isso, caso a ame de verdade.)
Mulheres são seres que devem de ser compreendidos sem manual, tem de ser cuidadas com certo distanciamento mas também com aproximação, há também que se adivinhar seus pensamentos -- elas gostam de prestigitadores -- e fazer o que elas gostariam que fosse feito sem que elas peçam. São seres complexos, alguns homens utilizam este adjetivo. São seres delicados, outros preferem assim.
Mas durante toda minha vida, não conheci um homem, um cromossomo Y de verdade, que consiga escapar à delicada teia feminina. É enlaçar-se e perder-se na trama sutil do labirinto encantador que uma mulher pode ser. Simples. Sutil. Delicado. Um perfume que só ela pode ter e que permanece em seus braços quando ela se aconchega em você. Assim. Não corra. Você já está enfeitiçado... Renda-se.
O encantamento: duas gotas de Channel Chance, o olhar de sereia, mãos delicadas e um corpo que parece que foi feito sob medida pra você. Meu caro, você não terá chance. Você já foi encantado por ela.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Sincronicidade


Abrindo meu Facebook hoje, vejo o post de minha amiga Sandra Regina. Pela segunda vez desde junho este breve texto de Drummond passa pelos meus olhos. Acho que é de uma sincronia muito sutil. Preciso levar isso em consideração...

"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade."
(Carlos Drummond de Andrade)

domingo, 5 de agosto de 2012

Let's get lost!


Para ouvir "Let's get lost", com Chet Baker, acesse o YouTube: http://www.youtube.com/watch?v=Q0ZBaZoBCaA




Me disseram que, em meu último post, meu conto "Caminhos paralelos" é muito triste. Devo confessar que não considero triste. Não sei se sou insensível, mas a vida foi me mostrando fatos e me parece tão comum esse tema dos desencontros, dos fragmentos, de vivermos ilhados nas megalópoles e por um átimo estarmos sempre em estado de perda e suspensão, em estado de por um fio e distante de algo que desejamos muito. Como duas mãos que se parecem estão próximas de saberem disso, estão para se tocar e de repente algo as faz desviar para sempre...
Desde que assisti ao filme "Amores expressos" isso ficou muito claro para mim, passei a entender melhor os desvãos da distância entre querer e acontecer, entre o instante em que alguém me deseja, me cobiça, e meu instante, meu momento, que talvez não seja este. E vice-versa, claro.
Nem sempre temos o que queremos, no momento em que desejamos, e nem sempre o instante nos favorece.
Nem sempre acho triste tudo isso. Na minha racionalidade, acho que faz parte da vida e da matemática do Universo. Sim, tem uma matemática por trás disso.
O desfecho do meu conto, depois de uma narrativa cheia de encanto e de desejo realmente é um recuo. Mas a vida dos personagens segue para fora do papel, para fora daquele tempo. E fora dali, eles têm o livre-arbítrio de encontrar outros desejos, outras pessoas, e têm a chance de ser felizes também. Todos temos. Aí está o grão da felicidade: buscar o nosso quinhão, onde ele estiver.
E para que meus leitores que sentiram-se porventura tristes com o desfecho do meu conto, neste domingo friozinho eu dedico esta bela canção: "Let's get lot", meus amigos.
Com Chet Baker, claro, o mais louco de todos os loucos.
Vamos nos perder, para poder nos encontrar na felicidade que nos pertence.

Caminhos paralelos

Ele estava sentado e fazendo sua refeição. Era um fim de semana, o dia estava friozinho e ele decidira, em vez do ar livre, encerrar-se em algum lugar, comida, vinho. No dia anterior, assistira a um filme. Mas os amigos mais próximos estavam ou namorando ou casados, preferiu não fazer convites e ir sozinho.
Sem namorada naquele momento, apesar de ser um espécime Y (cuja ilusão feminina é de que não sentem falta de uma companhia exceto para o sexo), desde que se separara da última namorada, fazia algum tempo, sentia falta daquela companhia constante do corpo na cama no sábado pela manhã, de viagens juntos e trocas, da conversa e do jantar depois do cinema, das conversas nos cafés, dos desabafos dos problemas de trabalho. E depois desse depois, o sexo conhecido com aquele corpo com química desejada e com um perfume que somente ele reconhecia como seu. Seu território. Coisas "Y". Mulheres não pensam assim...
Mas ele estava em pleno gole de vinho, atalhando esses pensamentos, quando viu do outro lado, atravessando o olhar pelo vidro da vitrine, uma mulher que escolhia uns sapatos. Ele garfou mais um bocado de sua massa deliciosa, tomates vermelhos e manjericão fresco, sabor dos deuses! Entre sabores e pensamentos, pensou que ela era bem bonita. E só. Virou o rostou indiferente para o outro lado. Pensou no que faria mais tarde, depois daquela refeição deliciosa.
Mas a indiferença foi varrida dali; a moça da loja tinha uma força no andar pelo espaço que o atraía mesmo sem que ele olhasse. Ele teve que a observar de novo. Mesmo sem ouvir, ele podia ver que ela ria com a vendedora, e falava coisas que pareciam alegres, pegando agora uma sandália colorida que previa o verão. Ela usava um vestido com motivos verdes e fundo branco, discreto, que ao se sentar deixava entrever parte de suas coxas. Brancas como neve, lembravam a pele do papel-arroz. Ele teve uma leve ereção diante dessa visão. Tentou esquecer e interrompeu com vinho. Chamou o garçom e pediu mais meia garrafa daquele que era seu preferido. A comida ainda estava quente, e o espetáculo naquela vidraça estava só começando...
A vendedora então ajudou-a com a sandália, ela estava com dificuldades de colocar. Apesar da distância, ele pôde ver que os gestos simpáticos que ela distribuía na loja. A cliente mais jovem a seu lado fez-lhe alguma pergunta ou observação. Ela respondeu sorrindo e tirou algo da bolsa -- o celular e mostrou-lhe a tela sorrindo e orgulhosa. Devia ser uma foto. Um filho ou filha talvez? Um cachorrinho(a)? Ele não sabia, mas ela distribuía atenção naquele gesto e abertura de sentidos ao mostrar aquilo à jovem. Sandálias colocadas, ela passeou pela loja, olhou pelos espelhos, girou para cá e para lá.
O garçom chegou e abriu o vinho diante dele -- o que foi péssimo, estragou sua visão, e ele teve que jogar o corpo para a direita para não perdê-la de vista. O garçom perguntou se ele queria experimentar, rapidamente ele disse não e ponto final.
Ele percebeu que ela levaria as sandálias cor de damasco, ele conseguia ver dali -- que olhos de lince ele tinha! E pôde perceber que ela não pintava as unhas dos pés, apesar de as unhas das mãs estarem coloridas, apesar de ele não conseguir distinguir a cor da distância que estava. Feliz, ela entregou as sandálias à vendedora, ia levá-las. Andou mais um pouco pela loja, parando um pouco aqui, ali. Ele estava perto, por isso podia ver com riqueza de detalhes, mas ela não podia vê-lo. Ele garfou mais um pouco de comida, e tomou mais vinho. Enquanto isso, ela pediu à vendedora um número de uns sapatos de saltos redondos grossos e altos. Sentou-se para esperar, olhou o celular, clicou as teclas (uma mensagem talvez?) e o gerente, um rapaz vestido de um jeito moderno, de uns 30 e poucos anos, veio conversar com ela. Ela educadamente declinou do celular para ouvi-lo. A loja estava vazia agora. Ela sorriu para ele, respondendo alguma coisa e fazendo gestos com os braços e os dedos longos. Ele sorria para ela, simpático, e um tanto Dom Juan.
A vendedora chegou cortando o idílio do gerente descolado. Ela subiu nos sapatos moderninhos, desfilou uns minutos para si -- nisso, não havia nada para os outros, percebia-se. Era tudo para ela, para decidir se os queria ou não. Ela parecia ser delicada, mas podia se ver que era decidida. Uns passos sobre os sapatos, e ela já havia feito sua escolha. Ele estava se deliciando com aquele filme que ela protagonizava. Se deliciando com a comida, com aquele vinho, com aquela mulher -- uma surpresa completa para ele naquele dia frio.
A vendedora veio sorrindo e lhe ofereceu algo, ela balançou a cabeça em negativa, séria, decidida. Percebeu que ela não era de brincadeira. Ele não sabia se gostava ou não gostava disso... Mas precisava averiguar melhor... Bem, haveria tempo. Seu prato estava terminando. O vinho ainda tinha bastante.
De repente os olhos dela brilharam, ele pôde ver. Ela acelerou rumo ao outro lado da loja e pegou uma bolsa. Olhou no espelho várias vezes, de várias formas: a bolsa de lado, a bolsa com a alça cruzada no corpo, como os jovens usam, a bolsa com a alça bem curtinha, como bolsa de mão. Fez vários testes diante do espelho. A vendedora muda, só olhava, percebera enfim que sua cliente sabia o que queria, sabia o que fazia, não era necessário interferir. Aliás não era bom interferir. Era o tipo de mulher que não gostava de interferência, ele percebeu. Gostou daquilo, e isso lhe deu vontade de tomar outro gole de vinho. Havia terminado seu prato, o garçom pediu se podia retirar, ele fez um gesto rápido com a mão que sim.
Rapidamente, ela deu a bolsa à vendedora, e pegou a sua própria. Movimentou-se em direção ao balcão da loja. Ele percebeu que ela iria sair. O vinho estava agora na última taça. Chamou rápido o garçom, pediu que ele acelerasse a conta. Em sua mente pensou se não poderia ver se ela usava uma aliança, se ela sustentaria uma abordagem, e, se sustentasse, onde chegariam. Isso era coisas de filme ou podia acontecer de verdade?
O garçom trouxe a conta. Ele pagou, rápido.
Mas continuou sentado, terminando sua taça de vinho.
A vendedora, podia se ver, tentava convencê-la a levar outra bolsa, agora da cor dos sapatos. Ela decididamente não quis. Levou apenas a da cor que havia escolhido. Mulher tinhosa aquela! Ele pensou. Não levava gato por lebre...
O gerente moderninho fez caras e sorrisos para ela na hora de pagar a conta de sapatos e bolsa, mas agora ela estava virada de costas, ele não podia ver nada de sua mesa. Não pôde ver se ela gostava ou não da sedução do gerente-de-30 anos, se sorria ou não de volta para ele. Atrevido aquele gerente!
A vendedora arrumou tudo em uma bela sacola, mas ela pediu algo, a vendedora piscou, não entendendo. Depois entendeu. Pegou uma sacola menor e ajeitou as peças. Ah... ela não gostava de andar com pacotes grandes... Ele entendeu assim... Sacolas pequenas, menos desperdício. Talvez? Ou simplesmente menor tamanho para se carregar? Não importa.
Ela começou a deslizar pela loja para sair, a vendedora acompanhando, sacola em punho. Ele acelerou o término do vinho, ia se levantar e ver onde dava aquilo tudo. Segui-la? Talvez. Iríamos ver.
Ela saiu, mas ele logo viu que ela entrou na loja do lado. Então, mal se levantou, sentou-se novamente. Tinha que esperar. E ali era o melhor reduto de espionagem que ele tinha. Podia ver bem e passar despercebido. Era uma loja de perfumes.
Na loja de sapatos e bolsas, ele gostara do que ela comprara. Portanto, gostara do gosto que ela tinha. Sem dúvida, pensou, ela devia usar um perfume delicado, como era sua aparência, mas algo de estilo marcante, como era seu comportamento, como vira em alguns momentos na loja quando declinou quando a vendedora tentara lhe dissuadir ou lhe empurrar coisas.
Ao pensar no perfume dela, novamente uma ereção bateu à sua porta, e ele teve que se conter e pensar em escaladas, trilhas, enduros, e tudo que havia feito antes que lhe sujara de barro e poeira. Sossegou.
Ela ficou em dúvida entre dois perfumes. Pediu à vendedora o pote com grãos de café e mais uma vez sentiu os aromas. Quando ela se movimentava, ele via as pernas dela a distância entre os botões do vestido. Também via os pulsos finos e o jeito que ela fazia com as mãos. O pescoço longo sobre o tronco fino e o sorriso. Este era marcante e era capaz de dobrar um mercador. Ela se decidiu por um deles e pegou um papel com a vendedora para pagar. Ele então ficou a postos para se levantar e tentar dar um jeito de abordá-la de forma delicada, não sem antes ver se ela usava algum anel ou aliança. Ele tinha quase certeza de que ela era uma mulher livre, pelo jeito livre que ela transitava e se colocava no mundo. Veríamos.
Mas a fila do caixa da loja tinha muitas pessoas naquele momento, e ela teve que esperar. Ele também teve então. Ele a viu de costas agora mais vivamente. As pernas sobre os saltos altos eram como ele gostava, e a postura dela era despojada, mas ao mesmo tempo um pouco elegante, uma mistura de educação e descompromisso. Isso o instigou. Ela andou um pouquinho com a fila. Ele achou graça no jeito dela. Não era convencional, sem dúvida. Ficou pensando se poderia conhecê-la melhor, estava gostando dela antes mesmo de saber quem ela era. Nunca havia abordado ninguém daquele jeito, mas sempre havia uma primeira vez para tudo... Nisso uma leva de gente saiu do elevador à sua esquerda fazendo um barulho ensurdecedor e uma algazarra sem-fim. "Uma horda", ele pensou. "Gente deseducada. Detesto." Isso o irritou e bagunçou seus pensamentos. Resolveu se levantar e ir mais perto da loja de perfumes e esperá-la no meio do caminho. Mas estava na direção e sua vista turvou, teve um choque, um susto. Ela não estava mais lá...
Seu coração deu um pequeno salto. Como? Ele se virara e se distraíra por segundos... E ela desaparecera? Olhou dentro da loja com mais atenção. Nada. Olhou para a direita e para a esquerda no corredor cheio de gente àquela hora. Tentou procurar pelo que era mais marcante nela: as pernas claras, torneadas, brancas como neve. Mas só o que viu foi a mesmice de jeans, sapatos padronizados e gente andando rápido ou algo muito diferente do que ele procurava. Correu no corredor e dobrou à esquerda. Nada.
Ela não estava mais lá.
É como se ela nunca tivesse existido.

sábado, 4 de agosto de 2012

A arte feminina

Nesta manhã de inverno, neste país tropical, sob este céu azul e um ventinho gelado, o parque diante de mim, eu me sinto frágil.
Frágil e destemida.
Hoje talvez a pele se ressinta, sensível e delicada, um medo distante de me perder. Mas amanhã pode ser eu acorde um gigante, e enfrente todos aqueles desafios difíceis com a ponta do indicador. Simples assim.
Meu caro, se você não sabe, este é o (belo) segredo de ser uma mulher.

Safo de Lesbos

Na imagem, Safo de Lesbos.






De novo num turbilhão
Amor me desalinha
Doçura amarga
Fera implacável.

(Safo de Lesbos)

Mistérios de um Centauro

Mistérios de um centauro...

"Sagitário (22 nov. a 21 dez.)

Parcerias e sociedades andam bem neste sábado, dia de Saturno, o senhor do tempo, que lhe envia pensamentos sóbrios, considerações justas e avaliações sensatas. A alma anda instável, descontente, viaja por ai, em universos misteriosos."

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Aos meus leitores da Polônia e da Alemanha, Estados Unidos e Rússia

Fico aqui com meus botôes (expressão antiga, que só gente dos 40 e tantos como eu conhece) pensando quem será (serão) meus leitores ou leitor longínquo da Polônia e da Alemanha que frequenta(m) a simplicidade e a pessoalidade do meu blogue... Alguns leitores eu sei que caem de paraquedas fazendo uma busca qualquer de uma palavra no google. Devem entrar e desavisados logo em seguida sair.
Mas se a Polônia entra todos os dias no meu site, é porque me lê, não porque cai de paraquedas todos os dias, certo? O mesmo para Alemanha e Rússia. E Portugal e Estados Unidos. Serão brasileiros perdidos ali? Será gente que está aprendendo português? Não sei. Mas confesso que apesar de não ter uma natureza curiosa (típico da alma feminina), isso me instiga. Quem serão eles, que em pleno verão europeu estão clicando em meus textos mais antigos, talvez me lendo e me conhecendo de certa forma, sabendo o que gosto de ler, que cidades visitei na última viagem, que fui ao Rio de Janeiro no último fim de semana, que adoro arte e livros e pessoas e vinho, quais são os auotres mais gosto, os poemas de que mais gosto, que músicas costumo ouvir?
Isso é extremamente instigante.
A estes leitores destino meu post de 14 de junho de 2012, algo meio "Amores expressos" (o filme, se lembram? Belíssimo.), esses fragmentos de nossa vida fracionada diária, que tentamos compor e recompor sempre num mosaico, para que possamos oferecer a quem amamos.
"Partners" podem viver de torpedos, i-phones, e-mails, msn e todas as parafernálias eletrônicas que a vida moderna e tecnológica oferece, sem restrições. Mas desde que haja o essencial: desejo (e sentimento).

quinta-feira, 14 de junho de 2012
Amores expressos, via I-phone


Um homem, uma mulher, um sentimento, uma grande cidade, fragmentos que tentam se conectar. Amores expressos, como o filme.

E-mail:

E aí? Vc quer sair hj? noite fria. Jantar, talvez?
Me dá um toque. Afinal, é o dia! ;-))

V.
via I-phone


E-mail-Resposta:
Ah. Não sei... Vc tinha dito que hj não íamos comemorar pq tinha plantão... Eu meio que desencanei, deixamos pro sábado? O q vc acha?
Hummm... ou vc tem plantão de novo?! Oh Lord... q saco esse negócio de plantão...
S. (via tablet)

E-mail:
Nâo tenho, O plantão de hj furou. te vejo no sábado tb, mas quero tb hj.
Ah! já sei. os arrastões.... rsrs Se tiver arrastão, pronto: te jogo na rede: digo que é minha sereia... eh-eh eles te levam.
Vamos, como faço pra t convencer? Bar jantar e esticar...
Gata arisca de areia...
BJ
V.
via I-phone


E-mail-Resposta:

Gatão,
Se vc me jogar na rede de arrastão dos assaltantes, vão ter dificuldade de arrastar os meus 66 kg! ahahahahah Todos os tablets, iPads, iPods, iPhones e outros 'is' da vida eles deixarão pra trás por dificuldade de carregar junto com meu traseiro... só irei eu na rede... eh-eh
Não sei, deixamos pro sábado, ta bem? Eu cheguei agora do trabalho, nem me arrumei pro nosso dia... E um gato como vc merece uma gatona. Estou mais pra esqueleto de sardinha. Não tava esperando essa mudança de planos... vou 'pular', ta bem? Não fica chateado.
Mas te gosto. Muito. "Tá ligado no movimento?" ;-))
S.

E-mail:
Pena. queria sua risada (gargalhada, melhor.). O dia foi difícil no hospital, duro. Teu humor ia cair bem hj, e depois 'outras coisas prateadas' -Adélia Prado -- vc me mostrou-- tb. vc me mostrou(gostou?).
"Estela", me rendo. bj, bom... . sábado então.
V.
via I-phone

E-mail-resposta:
"Recuo súbito da trama!" Ops (mostro mais esta: Ana Cristina cesar, ou simplesmente Ana C.). Tô convencida! Um homem que cita Adélia Prado merece mais que três dias de espera.
Tõ pondo os sapatos e o casaco. Vou fazer um modelito rápido. Na verdade, a maquiagem tava pronta...
Onde te encontro? (Ah! Leva meu presentinho... clicks! Clocks! :-)))) )
S.

E-mail:
Vai entender uma mulher... rs Não sei se fico :-) ou :-(
Última chamada: esquina do bar Balcão, 22h,.
usa aquele seu perfume Channel Chance e um casaco por cima. E só. Nua por baixo. Entendeu? Presente? Não comprei, caralho! Mulheres...
Teve arrastão lá ontem, não é possível ter hj! ;-)
Bj, (e plz: não atrasa muito..., não tô a fim de esperar 55 minutos como sempre, tô falando sério, "tá ligada"? ;-) Tô cansado e quero comer algo e tomar um vinho com vc do lado! Sério!
V.
via I-phone



E-mail-resposta:
Última chamada: Estação-felicidade. Rumo ao bar Balcão, se possível, sem arrastão.
estarei lá, sem atrasos hj, promiss you! envolvida em Chance. me aguarde! vc não sabe, além do Chance, sob o casaco, o q te espera.
S.

* Foto: Marylin Monroe, na campanha do perfume Channel n. 5. Numa entrevista, quando se perguntou a ela o que vestia ao dormir, ela respondeu algo como: "Apenas duas gotas de Channel n. 5".

"Um verão escaldante" e uma situação na sala de cinema

Para ver a crítica de "Um verão escaldante" acesse o site Omelete: http://omelete.uol.com.br/cinema/um-verao-escaldante-critica/

Fui assistir a Um Verão Escaldante (Un Été Brûlant, 2011), filme do diretor Philippe Garrel. Admiradora do cinema francês, gosto daquela câmera lenta, daquelas cenas silenciosas em que qualquer alfinete que caia na sala do cinema pode ser ouvido, dos closes eternos, das cenas eternas, do corpo nada perfeito das atrizes...
Monica Belluci está maravilhosa. Linda. Gostosa. Aquela boca que sempre pede um beijo. Mas sobretudo neste filme ela está febril, sedutora. E atenção para uma cena de uma festa em que ela dança, sensual como uma sereia saída das águas, arrebanhando homens e mulheres. Inesquecível. Impagável. Uma das cenas mais sexy do cinema. Ela está belíssima dançando de costas num tomara que caia preto.
Bem, tudo certo. Já viram que sou entusiasta de Monica Bellucci, a bela, e do cinema francês.
Mas houve uma situação que me constrangeu muito no cinema naquele dia. Em geral, esse público de cinema francês é mais silencioso que o normal (que anda bem barulhento, diga-se de passagem). Bem, como fui convidada para ir ao cinema e me pediram para escolher o filme, até aí tudo certo. Cumpri meu papel. Mas eis que, isso eu não sabia, meu acompanhante não entendi bem por que, começou a me fazer perguntas durante o filme -- um filme tenso, silencioso...
Isso me causou contrangimento e certa aflião e tensão. Eu costumo ser muito silenciosa no cinema, e se tenho que comunicar algo falo bem baixinho no ouvido da pessoa para não atrapalhar quem está sentado perto de mim... Quando estão falando alto perto de mim, reclamo e digo que estão incomodando. Acho extremamente deselegante falar durante a sessão do filme. Eis que nesse dia que me acompanhava fazia perguntas sussurradas (detalhe: desnecessárias), mas num tom que era possível ouvir e incomodar ao redor. Eu comecei a ficar tensa... Depois de várias falas, tive que ser desagradável, e joguei meu cotovelo para o braço da poltrona da esquerda, assim ficaria totalmente longe e seria difícil a comunicação... Talvez ele entendesse o sinal! Pensei! Mas não, ledo engano.
Depois de uns quinze minutos, mais uma pergunta. Não tive dúvida: disse que a gente tinha que ficar quietinho, porque estávamos incomodando a galera ao redor com a conversa... Foi muito chato. Depois dali atuei como uma dama. Saímos, café, conversa, tudo certo. Voltei pra casa com a sensação de que não rolaria mais nenhum cinema depois disso. Nem um, nunca mais.
Recebi alguns torpedos e telefonemas. Respondi e fui simpática, porque essa é minha natureza, não consigo ser direta e sincera, infelizmente. Mas depois, não atendi mais aos telefonemas e não respondi mais aos torpedos. Achei por bem que minha sinceridade tomasse esse formato.
Eu tenho pensamentos e sentimentos confusos. Sou confusa quanto ao que quero; tenho recaídas e às vezes não quero mais depois... Mas há coisas que uma mulher sabe que não quer mais experimentar na vida. Certamente, isso eu sei bem que não quero mais.

Roland Barthes, a primavera e o amor

Olhando minhas estatísticas do blogue de hoje, vi que: Alemanha, Rússia, Estados Unidos e Brasil ficaram antenados em alguns textos. O engraçado, ou interessante, é que em todos esses textos visualizados o tema, em algum momento, é o amor. Pincei um deles, que escrevi no dia 12 de junho, e resolvi (re)postar hoje, já que estamos caminhando lentamente para a primavera, e este foi um dos textos mais acessados dos últimos tempos.
Espero que gostem do calorzinho metafórico que ele traz: a primavera delicada e o calor tênue do sentimento (o amor), esse nosso companheiro sagrado ao longo da vida. Esse que, apesar de alguns momentos não termos próximo, procuramos, com a calma dos sábios -- toda a paciência, pois um dia ele virá. Enquanto isso, vamos brincando com brinquedos sutis...


terça-feira, 12 de junho de 2012
Roland Barthes, a Primavera e o amor

"(…) No encontro, maravilha-me o fato de ter achado alguém que, com pinceladas sucessivas, e cada vez mais bem-sucedidas, sem falhas, conclui o quadro da minha fantasia; sou como um jogador cuja sorte não se desmente e faz com que ele ponha a mão na pequena peça que vem, já na primeira tentativa, completar o quebra cabeça de seu desejo. É uma descoberta progressiva (e como que uma verificação) das afinidades, cumplicidades e intimidades que poderei manter eternamente (…)" (Roland Barthes, in Fragmentos de um discurso amoroso)

É inverno. Incólumes a qualquer estação, sentimentos calorosos neste exato momento estão nascendo pueris, ou terminando, morrendo, ou em crise, numa pausa estratégica ou simplesmente há aqueles que querem estar solteiros por opção.
Não importa: dentro de nós há sempre uma senda, uma fissura, uma fenda, uma fechadura, e por ela transitam nossos melhores sentimentos -- os afetos que dedicamos aos outros. Seja namorado. Seja um ficante. Seja um amante. Seja companheiro eterno. Seja pai e mãe. Seja filho ou filha (que é o meu caso, não é doce dádiva, Isadora, o presente de Ísis?). Sobrinha (como é meu caso, não é Anabela querida?). Irmão ou irmã (minha doce Mary e sua delicadeza e constância). O nosso dog ou cat ou bird. Estamos sempre renascendo por meio do amor. E do cuidado que ele faz que tenhamos para com o destinatário desse nosso sentimento. "O amor está fora de moda", me disseram. Mas quem não gosta de usar um modelito vintage? Fora de moda ou não. Artigo de brechó ou simplesmente fluxo natural daqueles que não têm medo de si nem do outro. Não importa o tipo, ou a quem o dedicamos. Amar nos tira desse lugar de saara humano e nos eleva à condição de renascer, sempre, ampliar o sorriso e usufruir daquele brilho que só os que amam podem ter...
A primavera ainda não chegou para nós, mas para quem ama (ou está apto a amar), como eu, você e tantos outros, ela tem seu lugar reservado o ano todo.

Primavera

Leve torpor nos sentidos.
A natureza: luz delicada
e cores recém-nascidas.
No mundo dos homens, alvoroço.
Tudo pode acontecer --

Ao chegar, estarei pronta.
E direi as palavras mágicas:
Pode entrar.
Na minha casa.
E no meu coração.

(Do meu minilivro 4a estação, de dezembro de 2011. Projeto gráfico, claro: Raquel Matsushita.)

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Texto encontrado numa garrafa 3

Eu estava zapeando no Facebbok. Como disse a meu amigo recém-adquirido Pereira, sou uma analfabeta digital: nem fuço no Face, seque vejo as fotos de minha filha, mal posto as minhas próprias, apesar de saber fazer isso e bem... Ele afirma que não. Mas eu, em nossas conversas diárias, que são deliciosas graças à sua rapidez de neurônios e ideias e palavras e insights, vou abrindo minhas fissuras, que são muitas. Vou derramando minha autoimagem equivocada mas com mancha de humor sarcástico, irônico, que eese é meu jeito de me projetar no mundo: tiro o véu, mas tem que ser um 'devoiler' irõnico, senão, não seria ru... Para fechar minhas fissuras abertas, deposito mensalmente o metal com que tento suprir minhas perdas que levaram a essas rachaduras.
O metal serve para semanalmente, num bla-bla-blá incessante, tentar preencher essas microfissuras com um cimento delicado e, assim, curar minhas feridas, minhas faltas, meus bloqueios, meus erros, minha rigidez que me cansa e extenua, minha timidez infinita, minha atrapalhação afetiva que não me deixa chegar àquele lugar onde todo atleta emocional deseja: o topo da vida.
Pereira parece ser alguém descolado, e eu sempre admirei esse jeito secretamente a distância (agora não mais secretamente... dado que expresso isso publicamente aqui no blogue), agora escancaro aqui neste blogue minha admiração: ele parece deslizar pela vida assim como desliza pelas ideias brilhantes que jorra em meu Face, as palavras surgidas como se fossem de uma máquina de fazer ideias com brilho de purpurina logo pela manhã, assim como levanta meu astral logo cedo com uma mensagem-resposta a ontem, com a delicadeza de quem parece levantar o astral de seus inúmeros amigos -- que ele tem, isso é claro para qualquer um. Também parece saber de tudo um pouco, ou muito, não sei direito ainda, mas já saquei isso logo de cara.
Pois na minha analfabetice digital, eu vi um post de minha amiga Sandra Regina, a poeta do livro Haicaos... E me pareceu, a mim, a esta mulher que escreve agora este post aqui neste blogue simples, pessoal, um texto encontrado numa garrafa, boiando no mar, pronto para satisfazer minhas sensações.
Eu, que já escrevi aqui em meu blogue dois textos intitulados "texto encontrado numa garrafa"... Agora presenteio vocês, leitores, com este belo texto de Marla de Queiroz, postado por Sandra:

SOBRE A RENÚNCIA

Renunciar a algo que amamos muito e que desejamos com toda a força do coração, é uma das decisões mais cruéis de se tomar que conheço. Porque a perda equivale a uma morte dupla: morrer para alguém e matar a pessoa na gente. É como se sobrasse por dentro apenas um casarão vazio com um jardim morto. E,
de repente, tudo tão subitamente anoitecido sem previsões de dia novo. É um caminhar lento e arrastado numa espera sombria de que as horas passem e o tempo leve essa febre alta sem medicação possível. É preciso que haja tanta paciência e firmeza por dentro para não entrar em desespero, que a sensação que se tem é de estar meio fora do ar, por causa do esforço. E até chorar fica difícil, teme-se que nunca mais o choro cesse.
Há muitas perdas quando se termina algo que não se queria ter terminado: muda-se a autoimagem, alegrias ficam suspensas, sonhos desaparecem por um tempo e nenhuma cor na paisagem. O cotidiano fica obscurecido por aquela lacuna aberta no meio do que era a parte mais interessante dos dias.
Com o tempo, você analisa que abrir mão de algo muito importante, só se faz quando se tem um motivo maior que esse algo: seja um propósito, uma crença, um valor íntimo, uma obstinação qualquer que te oriente para essa escolha que já se sabia tão dolorosa. É um sacrifico voluntário por algo mais pleno, mais grandioso em Beleza. E, nestas análises, você descobre outras perdas que são positivas: perde-se também a ansiedade, a insegurança e a ilusão. E você aprende a recomeçar agradecendo por vitórias tão pequenininhas... Como quando é noite e, antes de dormir, você se enche de gratidão:
“Deus, obrigada, porque é noite e eu tenho o sono... Que venha um sonho novo, então.”


(Marla de Queiroz)

Agosto

"Que há bruxas, há!"

Que agosto traga suas bruxas e que elas me protejam.

terça-feira, 31 de julho de 2012

"Burguesinha, burguesinha, burguesinha..."


Seu Jorge e o single "Burguesinha"

Antes de ler, acesse o YouTube e dance ao som de Seu Jorge, "Burguesinha", swingadinho; http://www.youtube.com/watch?v=A6RkZkWOekI

Recentemente fui chamada, não sei se de brincadeira ou não, de 'burguesinha'... Ri, peguei meu cartão de crédito da bolsa e fiz um gesto de "burguesa". Dei corda e afrancesei o termo para subir a escada do humor, coisa que adoro. Subir os degraus do humor que estendem a mim é algo que sei fazer e me faz bem. "Bourgeois", foi o termo que passei a usar então e a tirar sempre o cartão do crédito da carteira e fazer um gesto como se estivesse passando o dito e comprando tudo que estivesse a minha fente...
Mas ao ouvir a música de Seu Jorge, "Burguesinha", que adoro -- adoro esse swing da potência da voz e da swingada do arranjo --, morri de rir: não tenho nada de 'Burguesinha', nada!
O cartão vive na bolsa, é usado muito modicamente, nada de casa de praia, nada de croissant (prefiro algo mais "pão integral"...), nada de esteticista (que eu precisaria. Sério! Não riam!), mas não tenho dinehiro pra frequentar nem tempo!, nada de bate-estaca com minha tribo, nada de filé (sou vegetariana, gente!)... E passo minhas horas menos no cabeleireiro e mais diante das provas de livros, catálogos ou diantedo computador elaborando frases para os possíveis leitores dos livros e textos...
Portanto, de burguesinha só minha coreografia swing da música de Seu Jorge que ando fazendo ultimamente; adoro sair pra dançar, esta tem sido minha última obsessão... hum....
Caros leitores, fiquem com Seu Jorge e sua "Burguesinha", que é uma delícia de swing, mas que pra mim, não me chamem assim, pois não cabe na palma da minha mão!
Xô, Burguesinha, aqui só cabe Leila Diniz!

Ressaca literária, quem já teve?


De: Humor Inteligente

Quem já não teve? ;-)

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Quem não quer sou eu!


Seu Jorge, a voz do mais puro swing...


Tirou onda? Agora quem-não-quer-sou-eu...
:-)

Acesse o YouTube, e navegue no swing delicioso de "Quem não quer sou eu": http://www.youtube.com/watch?v=Ig8OBTEThKE&feature=related

Como o tempo vai, o vento vem...


"A Sua", a bela música de Marisa Monte.

YouTube: http://www.youtube.com/watch?v=9WAc1aZO_58

Um doce despertar

Depois de se ter uma ferida curada, é comum que queiramos correr atrás do prejuízo. Que queiramos abrir uma janela em nossa vida e vislumbrar o que se pode fazer com mortos e feridos, tentar corrigir o que é possível e seguir em frente... E que sejamos muito agradecidos a esse movimento do Universo.
Queremos tentar resgatar o tempo perdido em que ficamos reclusos, tentando esconder e proteger aquela ferida, aquela dor, aquela tristeza... Depende da dor de cada um. Depende da capacidade de se expor de cada um. Como a minha capacidade de exposição é breve e pequeníssima, me exponho apenas àqueles em quem deposito extrema confiança. E isso nem sempre é ligado ao tempo de conhecimento, é estranho -- às vezes conheço alguém há milênios, e jamais conto meus tropeços. Outras vezes, conheço alguém há duas horas, e sinto tanta sintonia e confiança naquele ser, que destampo a panela -- e coitado dele ou dela... Conto até mesmo detalhes sórdidos, e aí me sinto livre daquele peso que ardia no tórax.
Pois não é que agora que tive minha ferida cicatrizada, cuidada pela generosidade alheia, agora estou toda exposta, já posso sair de uma caverna imaginária, porque minha ferida não sangra mais. Posso mostrá-la sem nenhum prurido. Apenas ficou uma cicatriz. E toda cicatriz tem sua beleza, porque significa que você se expôs à vida, viveu...


Um doce despertar...

Pode ser e é...

Na foto, Tulipa Ruiz.


Para ver o clipe oficial (uma gracinha, em Londres), acesse o YouTube: http://www.youtube.com/watch?v=42j4rcn994A

domingo, 29 de julho de 2012

"Funny Valentine"

Na foto, Chet Baker

Quem já ouviu "Funny Valentine" interpretada por Chet Baker, o mais cool de todos os intérpretes da voz masculina do jazz, sabe do que estou falando...
É estar no céu, ouvir os anjos abrirem as portas do paraíso, obter as chaves do Céu pelas mãos do Senhor e acreditar que o amor é uma entidade vivente, letra e cifras, que o amor é cool, que ele está escondido, delicado e fanfarrão, em cada esquina, apenas esperando você passar, que ele é possível, que está próximo, que ele está chegando, que ele está ali batendo à nossa porta...
[Assim como sinto agora...]
Parece ridículo? Não. É assim mesmo... O amor está de malas prontas e tíquete comprado, reservas garantidas. Sinto seu respirar quente e rascante em minha nuca. Só não me viro para trás porque não quero surpreendê-lo. Quero sim (sim!) que ele me surpreenda...

Ouçam "Funny Valentine", com Chet Baker, e entenderão por A + B o que eu digo.

Acesse o YouTube: http://www.youtube.com/watch?v=jvXywhJpOKs

A responsabilidade da conquista


Imagem do livro O Pequeno Príncipe, de Antoine Saint-Exupéry.

Eu li O Pequeno Príncipe quando era muito pequena. Primeiro, meu pai emprestou o livro de alguém do Fórum, onde ele trabalhava e leu pra mim à noite, quando eu ia dormir. Eu meio decorei por causa das falas que combinavam com as imagens; então, passei a todos os dias "ler" e reler aquelas imagens lembrando o que meu pai havia lido para mim. Assim foi.
Eu era muito básica em meus sentimentos e sensações e análise para entender o que se queria dizer ali. Então, entendia como toda criança aquela máximas do Pequeno Príncipe: tudo muito simples, sem grandes desdobramentos.
Esta semana circulou no Facebook uma imagem que traz a frase do livro: "Tu és responsável por aquilo que cativas".
Eu compartilhei (roubei!) de um amigo, e postei em meu Face. E a frase voltou depois de tantos anos à minha mente. Martelou um pouquinho e me lembrei de coisas que me aconteceram e de coisas que causei a pessoas que eu queria bem.
Muitas vezes, eu não entendia esta frase do belo personagem de cabelos loiros e despenteados de St.-Exupéry. Hoje, navalha partindo minha carne, dor que só sente quem tem o fio de metal deslizando na pele, sei bem o que isso quer dizer, assim como todos nós, seres humanos.
Eu mesma, muitas vezes, atraí, de modo leviano, como uma sereia, coisas e pessoas para mim, como um felino que está sem fome e abate uma presa cheia de vida apenas para testar suas garras. Apenas pela confirmação do lustro do verniz do ego. E a seguir, num banzo típico, simplesmente me desvencilhei delas pelo caminho sem nenhum tipo de afeto ou sentimento ou olhar ou cuidado qualquer.
Muitas vezes -- esta é vida como ela é... --, o inverso: era eu nas garras daquele felino sem fome! A seguir, estava em algum número da mesma estrada leviana em que deixei minhas presas. Fiz companhia a eles, e entendi então o que isso significa: a vaidade de atrair e depois simplesmente deixar, como se deixa um prato quente quando não se tem fome (quando inúmeros famintos fariam bom proveito dele).
Não exercer a vaidade de atrair aquilo que não quero. Não quero isso pra mim. Nem que queiram me atrair se não me quiserem.
Falei?

Um toque de Rio de Janeiro: uma dica de exposição no IMS na Gávea e duas dicas de gastronomia!

Quando a vida não está lá essas coisas, eu sempre tomo as rédeas e resolvo tudo com uma palavra: viagem! Afinal, o que pode um arqueiro fazer além disso?
A minha vida não está assim ruim, ruim, não não está... :-) Mas também não está um crème de la crème preparado por um grande chef francês... Então decidi que era hora de fazer uma viagenzinha mais "parada forte", manja? E lá fui eu. Maletinha retrô, as roupas mais descoladas que pude pegar no armário, tênis pras longas caminhadas, roupas pra dançar, talvez, pra jantar, sair para tomar drinks!, que o Rio merece todos os caminhos. Todos. Caminhos de sereia.
Eu adoro o Rio de Janeiro, então, achei que era o momento de pegar m eu arpão e zarpar e tocar de novo o Arpoador, meu velho conhecido. Lugar de sereia e de pescador...
Quem é meu leitor assíduo sabe que não sou assim uma formosura de convencionalismo, mas que também não sou assim totalmente outsider... Então, eu decidei fazer tudo diferente do que normalmente faço. Queria ir pro Rio de Janeiro, mas não para os mesmos lugares aos quais costumo ir! Não! E bingo! Tudo veio a calhar! Certinho como uma cama de gato bem-feitinha!
Desde a reserva de uma pousadinha maravilhosa em Ipanema, até os 3 dias de Rio de Janeiro, foi tudo "diferentão", como os próprios ali da terra falam.
A pousada fica bem perto da rua Nascimento e Silva, onde nasceu aquela bela canção de que vocês devem se lembrar: "Rua Nascimento e Silva 107/ Você ensinando pra Elizeth as canções de amor, amor demais/ Olha que tempo feliz/ Ai que saudade/ Ipanema era só felicidade (...)"...
Lembram? Portanto, fiz longas caminhadas ali, tentando imaginar a nossa belíssima Elizeth Cardoso sentadinha com sua linda tez morena chocolate em algum cantinho daquele apartamento da Nascimento e Silva, obediente aluna do mestre Tom... Imagine que tempo era esse, de bossa nova, musas, mulheres lindas e bronzeadas, homens que faziam poemas para essas mulheres, sol batendo na areia e no Dois Irmãos, um amor nascendo a cada segundo, nas esquinas, nas areias daquele mar da cidade de geografia abençoada. Sim, o Rio de Janeiro... Tudo lindo... Um tempo de saudade. Sim.
Também caminhei no calçadão. Ajoelhei metaforicamente para o Dois Irmãos no lusco-fusco daquele fim de tarde, e fiz uma oração silenciosa, pois Deus está ali, esculpindo a cada dia aquele morro que me lembra sempre como o Rio é abençoado... uma beleza divina. Fez calor todos os dias, céu azul... Fotografei apenas com meus olhos o mar verde batendo na areia branca de Ipanema, sorvi o ar de maresia, virei à direita e caminhei até o Leblon.
Depois, fiz o inverso, e quando vi estava diante do Arpoador, e algo quente me percorreu os sentidos: ali é lugar de segredos, sussurros, sereias, pescadores, arrebentação. Palavras de gente do mar, marujos, marinheiros, pesqueiros, embarcações. Todas essas coisas que me metem medo e propõem segredos e mistérios e me puxam como se fossem uma rede da qual não consigo me livrar... E que me seduzem a ponto de me fazer me perder... me perder... Toquei de leve o Arpoador, porque ali, pra mim, é território sagrado, sempre. Amém.


O Arpoador: lugar de segredos, sussurros, sereias, pescadores, arrebentação...

Mais tarde, fui conhecer o Zazá Bistrô, ali em Ipanema mesmo, um chuchu. Eu já havia tomado duas caipirinhas na pousada, e estava... hum... não bêbada, não! Mas leve... solta. Dando continuidade àquele toque do homem que cura e me destinou sua reza sagrada, e da qual sou extremamente grata. Então, leve, parti para o Zazá, e lá pedi algo inusitado (já que não sou de bebidas...): "Zazá Fresco": Absolut vanilia e água de coco, com raspas de coco fresco e folha de hortelã.
Leitores: indico! É de-li-ci-o-so! Meeeiiismo! Como dizem os cariocas!
Minha filha deixou seu drink de lado, que parecia saboroso, vermelho, e acabou tomando comigo o Zazá Fresco... Quando vi, estava mais que solta, estava uma Leila Diniz.
Fazia calor, eu vestia um pretinho básico bem descoladinho. Ele está largo para mim, e eu havia esquecido minhas sapatilhas que combinam com ele. Conclusão: tive de ir de All Star preto, com cadarços multicoloridos. Estava totalmente outsider. Para minha idade, sobretudo! :-(


O bistrô Zazá, em Ipanema.


Acordei no sábado. Uma ressaquinha na têmpora esquerda... Mas o sol continuava a clarear a minha viagem. Eba! Corri pro café da manhã. Foi então mister visitar outro solo sagrado: Santa Teresa! Um dos lugares de que mais gosto no Rio, foi lugar de muitas emoções na minha vida e no meu passado. Hoje restam as lembranças, e o presente, que é muito mais forte: Santa Teresa é belíssimo, seus casarões, fincados sobre morro e mato e florestas, só falta agora retomar o fluxo de bondinhos...
Depois da tragédia anunciada -- eu mesma tomei o bondinho tantas vezes, mas fiz a viagem sempre achando que morreria, ou por falta de freio, ou porque ele despencaria lá de cima dos arcos da Lapa por se desgovernar, isso era claro pra mim... muitas vezes rezei no trajeto pra Nossa senhora, pedindo pra não morrer porque Isadora ainda era muito jovem pra ficar órfã de mãe! --, que levou vidas, inclusive do simpático condutor que me levou algumas vezes a Santa Teresa e um dia me pediu: "Senhora, venha aqui de pé, bem pertinho de mim...", com aquele sorriso, sotaque e ginga sedutores que só o carioca.
Não resisti, fui e fiquei encantada com a graça, a ginga e a caioquice de Nelson Correia, que descrevi aqui no blogue em um post em homenagem a seus encantos. Hoje ele é o símbolo do bondinho que não mais circula nos trilhos das ladeiras do bairro. Quando voltarão? Ninguém sabe... Mas a imagem de Nelson Correia povoa as paredes e muros de Santa Teresa.
Santa Teresa é bucólico. Me lembra sempre os contos de Machados de Assis: mulheres nas janelas, janelas com cortinas esvoaçantes, ladeiras preguiçosas, o sol que toma conta do verde das encostas, balcões e varandas e alpendres, comidas em marmitas, gente que anda vagarosa num tempo de século XIX...

Bem, agora é hora de arte: zarpamos pra Gávea, Instituto Moreira Salles!! Estaciono na Marquês de São Vicente e vejo a pedra da Gávea, imponente, lá ao fundo. Parece um totem nos lembrando que não somos nada diante da beleza e da força da natureza.
Vou chegando na entrada do Moreira Salles, cuja sede é a casa onde morou a família, e vejo que a exposição é: Raphael e Emygdio: dois modernos no Engenho de Dentro... Não é possível!? Ainda está aqui! Eu trabalhei no livro-catálogo desta exposição há uns 3 meses... Entro na casa e logo na entrada vejo um exemplar do livro, pronto, lindo. Eu o havia visto só em prova, antes de ser impresso...
Entro no anexo e vejo a linha do tempo de Nise da Silveira, e depois as obras de Raphael e Emygdio, os dois artistas que passaram boa parte da vida no "manicômio" de Engenho de Dentro, onde Nise da Silveira revolucionou a instituição inserindo o setor de terapia ocupacional.
Ali surgiram obras magníficas, como destes dois grandes artistas, que ficaram ocultos sob o rótulos de "internos manicomiais'. É belíssimo no livro o texto de Rodrigo Naves, que apresenta a obra de Emygdio. Em um trecho ele menciona que Emygdio é um dos maiores artistas modernos, e só não foi assim considerado em vida, por ter ficado restrito à imagem e ao rótulo manicomial.
Em outro momento de seu texto, Naves cita Nise da Silveira: ela diz que em nenhuma das exposições de ambos os artistas ninguém jamais perguntou 'Onde estão estes artistas maravilhosos que estão sendo expostos?'.
Eu me emocionei muito ao ver na linha do tempo de Nise uma de suas falas: Raphael costumava desenhar no ar, fazia gestos de desenho no ar durante muito tempo antes de partir para o papel ou para a tela. Isso eu havia lido no livro já, mas a novidade é: ele fazia gestos no ar, mas quando as pessoas conhecidas se aproximavam,, ele fazia pequenos tracinhos na roupa das pessoas, como se estivesse desenhando nelas. Um gesto delicado, delicado como seu traço fino em seus desenhos e telas. Uma delicadeza de um artista que não fosse Nise e sua quipe jamais seria propagada para o mundo.


Obra de Emygdio, da Exposição "Modernos de Engenho de Dentro".


Obra de Raphael, da mesma exposição.

Tive que sair da sala, e ir chorar lá fora, tamanho foi o impacto dessa frase em mim. Os tracinhos de Raphael nas roupas das pessoas me pareceram algo infantil, ingênuo, delicado, puro, um ato de confiança de alguém que trazia consigo tanta dor... Minha filha me procurou, e foi me encontrar lá fora, emocionada ainda com essa imagem. Não fosse Nise da Silveira, essa mulher grandiosa, eu jamais saberia...
Partimos então para as obras de ambos e depois fomos à livraria comprar o livro-catálogo da Mostra "Dois Modernos de Engenho de Dentro", que virá a São Paulo também.
Entramos no café do IMS, e folhemaos nosso livro, belíssimo e vimos nos créditos meu nome. Pedimos café e docinhos. Um banzo só.... Um primor tudo o que o Moreira Salles faz. A música de fundo era do CD de Chet baker que adoro: Let's get lost. Nada mais a caráter para uma mostra de Engenho de Dentro!


Sede do Instituto Moreira Salles no Rio de Janeiro, na Gávea.


Pulamos dali direto para a pousada. Deixamos livros e compritchas e fomos pro calçadão. Fim de tarde é sempre lindo no Rio de Janeiro. O céu ecurecendo, o mar avançando, aquele chiado do sotaque dos cariocas nos meus ouvidos (que eu adoro, confesso!) e a vida estava uma delícia com aquela brisa de mar no rosto.

Bem, um banho, um breve descanso. Era a hora de conhecer o Restô! Vamos a ele!
O Restô tem um cardápio cheio das comidinhas deliciosas! Você tem a opção de pedir pratos pequenos que mais parecem meia porção, que eles denonimam "Comidinhas". Eu indico o nhoque de batata baroa, uma delícia, numa porção pequenina, que para os magrelas ou para os que comem pouco como eu é ótima! O vinho em taça é honesto e climatizado na medida certa, ótimo! Preço honesto também. Indico.

O Restô, em Ipanema.


Agora é hora de uma jovem senhora como eu descansar... Vou dormir com a sensação de que gostaria de ir dançar, mas minha filha está megacansada, percebo. Ela diz: "Mãe, eu nasci velha, não tenho sua energia!" Por ela, teríamos feito muito menos do que fizemos. Por mim, eu teria feito muito mais, mas respeitei o ritmo da minha pequena, que é muito menos acelerado que o meu, sempre foi, eu sei.
Dançar ficará para a próxima.

Acordamos, e temos de dar o check-out às 12h. Então, só dá pra pegar uma praia e calçadão. Pena...
Mas deus é brasileiro, e faz sol e céu azul, parece verão, e não inverno. E lá vamos nós em direção ao Leblon. Voltamos, pegamos mala e cuia e zarpamos pra casa, marginais, céu cinza, que é meu lugar.
Um dia, ainda nasço no Rio de Janeiro. E aí poderei todos os dias fazer aquela oração silenciosa ao ver o Dois Irmãos e me lembrar que Deus está ali, esculpindo diariamente essa peça divina da natureza.
Tudo isso, sempre, ao som de bossa nova.


Para quem quiser visitar:

Exposição: Raphael e Emygdio: dois modernos no Engenho de Dentro
Nise da Silveira: caminhos de uma psiquiatria rebelde
de 15 de julho a 7 de outubro de 2012
De terça a domingo, das 11h às 20h
Instituto Moreira Salles – Rio de Janeiro
Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea
Tel.: (21)3284-7400/(21)3206-2500


Restô Ipanema
Rua Joana Angélica, 184 Ipanema Rio de Janeiro
Tel 21 2287-0052 info@restoipanema.com.br

Zazá Bistrô
Rua Joana Angélica, 40 Ipanema Rio de Janeiro
(0xx)21 2247-9101 contato@zazabistro.com.br