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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Pausa na rotina

Chuva rápida de granizo, com sol, vista aqui do 15o andar, com as árvores do parque lá no fundo e o céu azul com nuvens... É privilégio ou não é?
Espetáculo da natureza com um ventinho delicioso a remover o calor maçante. Me sinto a dona do mundo e da história... (roubozinho básico de título de filme...)
Já que o espetáculo é tão bonito e me tira os olhos e a atenção dessa rotina lacerante que é o trabalho, me levanto, preguiçosa, e vou preparar um espresso.
Eu mereço.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Mr. Hyde está à solta de novo! Salve-se quem puder, em tempos hightech...

Caros leitores, prezo por sua segurança, eu sou uma sagitariana que cuida de quem está perto de mim. Portanto, peço que fechem os portões, soltem o Dingo, deem "um a mais" ao segurança da rua, passem a chave tetra, avisem a portaria que ninguém deve subir sem sua expressa autorização. Ah! As crianças devem ficar sob seu olhar atento. Todo esse cuidado porque... Mr. Hyde caminha entre becos, ruelas, com seu claudicante esgar novamente...
Meu Deus! Eu não mereço, leitores! Quem me conhece, sabe. Deveria ser proibida a venda de celulares a Mr. Hydes, assim como deveria ser proibida a entrada de celulares nos presídios (é na teoria, mas na prática eles funcionam melhor nos presídios do que o meu VIVO na minha casa, que sempre desliga sozinho... :-( ).

Frederick March, como Mr. Hyde, na produção holywoodiana do filme de 1930.

E não sei por que, uma pessoa como eu, razoavemente inteligente, de bom senso, com aquele controle remoto que me faz desviar de buracos emocionais e catátrofes antevistas, fui cair nessa roubada de 5a categoria! Apesar de ter saído dela em menos de 13 dias (número agourento), Mr. Hyde não dá trégua. Já rolaram outros carnavais, estou em outra deliciosa, mas meu coração dispara (de medo!) quando vejo o nome Mr. Hyde na telinha... "Fala sério!"
O pior não é isso, o pior é ter dado o número do meu celular, porque agora, além de correr o risco de ter o desprazer de encontrar Mr. Hyde nos lugares onde vou e frequento, sou obrigada a ver aquele nome chiando na telinha depois de ouvir a musiquinha universal do Nokia. Sim, porque resolvi deixar gravado o número de telefone dele, em vez de apagar, para saber quando Mr. Hyde ligasse numa hora inconveniente, como já aconteceu(!), eu simplemente desligaria o celular...
Pois não é que Mr. Hyde depois de ter feito tudo errado, errado o tom e errado o figurino e a música e eu ter desencanado totalmente antes dos 13 cabalísticos dias -- já que tenho aquele controle remoto de que falei (tipo de carrinho de criança): distancio e esfrio quando vejo que a coisa 'vai pegar' e vou dançar ou se vejo que é 'chave de cadeia ou fria', que é o caso de Mr. Hyde -- agora diz que... nós "namoramos"! Ops! Quase engasguei com a empadinha!
"Meu filho!", como diria o Chacrinha, você não sabe de nada. Nós definitivamente não, não mesmo, namoramos. Eu tenho a chave do controle remoto, lembra? Hello?
O fato de Mr. Hyde naqueles 12 dias ter me dado dois perdidos o leva à conclusão de que estávamos namorando e que eu, "a namoradinha do Brasil", estava aqui esperando... Mr. Hyde, não seja ingênuo. Meu nome é: Sandra Brazil, e não é à toa! Uma hora depois de espera e eu já estava em outra bat caverna (isso nos dois dias)... Não se faça de rogado e não se sinta a última bolacha do pacote, please, don't! Sua estatura de pequeno pônei não lhe deixa esta opção. Nós 'trombamos', infelizmente, mas absolutamente não namoramos.
Bom, tudo esclarecido, volto aos mitos pretéritos.
Mr. Hyde, a quem eu nunca telefonei para fazer nenhum convite, que fique claro, foi ele que sempre esteve claudicante à espreita na escuridão fazendo convites e surgindo do nada, desaparecendo e ressurgindo, como convém a uma criatura dessa natureza, resolve que agora, tempos depois, é preciso conversar, porque há um 'gostar', porque não quer me 'perder' de sua vida, sou muito 'especial' em sua vida [tenho medo quando usam este adjetivo se referindo a mim. Isso quer dizer tanta coisa e nada ao mesmo tempo. Parece que quando o cara não sabe o que dizer ele pode usar duas coisas: ou Você é muito boa para mim ou Você é muito especial... E em geral termina em catástrofe e choro, caros leitores do sexo masculino, saibam e NUNCA digam isso, NUNCA.. Mas abafa o caso, neste caso de Mr. Hyde -- que aliás usou também uma variação do Você é muito boa para mim: disse --> Você é uma mulher complexa, sofisticada, culta...]... Ai Santa Clara! Dai-me forças! Isso é uma tempestade, não é uma chuvinha qualquer...
Não atendi um ou outro telefonema, mas no último que atendi, houve um convite do qual tive que declinar, pois já tinha algo marcado (quem não tem já algo combinado numa sexta às 17h30, "meu filho"?). Pois Mr. Hyde se incomodou muito por causa de minha negativa, e mais: quis saber onde e com quem eu iria... Vocês acreditam? Por que fui atender o bendito celular? Não contente quando eu disse brincando (já que sou bem-humorada, apesar de não gostar dessa situação): "Segredo de Estado, estarei numa bat caverna.", passou a se lamuriar de que eu sempre tinha encontros com amigos quando ele me convidava no passado, que ele tinha que se encaixar, que eu nunca tinha tempo, que estava sempre dispersiva etc. etc. Não aguento... Argh! Vou chamar Santo Expedito, o santo das causas expressas. preciso de rapidez, estou cheia de trabalho sobre a bancada, não tenho tempo para homens atrapalhados, só para homens diretos e retos.
Pois leitores, a verdade é que é Mr. Hyde quem vive na noite, nas baladas, nos bares, nas muvucas, inclusive dando perdidos em pessoas como eu, que jamais dão perdidos sem avisar: caros leitores, eu dou perdidos, não minto, mas aviso (seja por cel ou sms) -- "Olha, não vai rolar..." Aí a pessoa fica livre e solta pra fazer o que quiser, não fica ali prisioneira de um perdido. Que era o que Mr. Hyde "pensava" que fazia com Sandra Brazil. Mr. Hyde, você não sabe com quem se meteu...
Agora Mr. Hyde decidiu que quer porque quer marcar um café comigo. O que me parece: "quero encher seu saco de filó bordado" -- que é o que eu tenho, mas não para Mr. Hydes! Que fique claro!
Sentindo-se rejeitado depois dos últimos telefonemas, destituído de seu poder de sedução Tabajara, Mr. Hyde desapareceu, escondeu-se, como significa em inglês seu nome ( to hide), sumiu na escuridão. Mas quando ele desaparece, como qualquer vítima de Mr. Hyde, fico com mais medo: posso estar matracando numa esquina num bar com um amigo ou amiga e sentir uma sombra, um esgar, um voodoo, um calafrio, e ter de correr, como fiz da última vez, quando meu amigo Leo, alto e magro, fez um paredão para mim, e não tive que ter o desprazer de dar adeus a Mr. Hyde, que veio em minha direção, mesmo percebendo que eu não queria contatos imediatos de nenhum grau.
Mas prevenida que sou, já providenciei minhas poções mágicas, vindas diretamente de uma vuduzeira das boas de Nova Orleans, uma cruz, água-benta, sal grosso, aquela parafernália toda que não resolve nada, mas deixa pessoas como eu totalmente seguras... :-)
Agora é esperar o próximo toque universal do Nokia e... e... correr!, leitores. Aviso vocês por SMS, mensagem no facebook, post aqui no blogue, e se tudo der errado -- porque a tecnologia costuma falhar quando mais precisamos dela, não é? --, mando um sinal de fumaça: "Tranquem-se com seus entes queridos até o voodoo passar".

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A seção "Pensando nos amigos". Hoje é dia de Xico Santos

Hoje acordei pensando em Xico Santos, o editor da resistente Altana.
Estivéssemos em Paris, Altana se chamaria La Resistance, tamanha é a coragem desse editor, desse homem, que enfrenta as agruras das faturas das gráficas, das empresas de papel, das cobranças, dos cobradores, do pagamento da produção, e que nem sempre consegue fazer das tripas coração.
Mas, Xico, não se apoquente, assim é a vida. Nós, mulheres, mais calejadas e mais aparelhadas para absorver e digerir os impactos das agruras da vida, entendemos o que você sente. Se não podemos te ajudar, podemos estar a seu lado, caminhando nesse deserto seco, que às vezes, surpreendentemente, quando menos se espera, numa espécie de milagre, se transforma em flores. Milagres.

Na imagem a escritora francesa Marguerite Duras, membro da Resistência Francesa na Segunda Guerra Mundial.

A Altana resiste. La Resistance. Imagino Marguerite Duras, cigarro numa das mãos, conversando com Xico Santos num café em algum banlieu, e mirabolando planos para levar adiante La Resistance, ou seja, Altana. Marguerite não deixaria Altana desaparecer do mapa, assim como resistiu com os franceses, corpinho magro e boina, distribuindo jornais clandestinos e participando de reuniões clandestinas para mudar o mundo. Assim era Marguerite, pois Marguerite não deixaria, jamais dans la vie, a Altana se esvair...
Pois foi Xico Santos, junto com minha amiga Gizele Santos, os primeiros a me incentivar a mostrar meus textos, isso não esqueço. E foi esse homem, editor da resistente Altana, quem ligou para Lizete Mercadante, editora da revista eletrônica de literatura O caixote, e enviou os textos a ela sem que eu soubesse. Pá! Eles saíram publicados no número 19. Eu engoli sequinho... Gizele passou a bola bonitinho para Xico que fez o gol de placa...
Não fossem os dois, não sei se haveria este blogue.
A Gizele foi uma das primeiras a arrancar a fórceps a minha timidez de expor meus textos, eu que vivo incentivando textos alheios, editando e tornando legíveis textos alheios... Ela, com sua voz carioca, cheia de léxicos engraçados, originais e próprios que a tornam ímpar em seu modo de falar e não a deixam invisível por onde passa me dizia insistentemente: "San... as pessoas têm que te lerrrrr", naquele carioquês gostoso de ouvir. Ela, Xico e Raquel Matsushita são, digamos, os obstetras, tiraram a criança à força... (E como falei no ínício de que mulheres sabem dessas coisas de resistência, Gizele sabe bem, bem, bem do que estou falando. Anos de cafés, bistrozinhos, confidências mostraram que ela também sabe a arte de Marguerite, Santa Marguerite Duras: La Resistance... E Gizele resiste, como todas nós mulheres mães que formam filhos e estão nas listas do IBGE, assim como eu: mães chefes de família...)
Pois Xico, o resistente da Altana escreve, lindamente, mas tem vergonha de mostrar, coisas de Xico Santos pirata. Um dia, hei de ver os textos dele publicados em papel, não só aqui na telinha, porque texto bão assim tem que estar em tinta sobre papel, se possível pólen... (Coisa de editora...)
Xico já foi fotógrafo também e cinegrafista premiado, mas esconde debaixo de uma humildade irritante... E seus textos trazem essa sensibilidade de fotógrafo: ele clica o momento, aí traz para o papel o mar de sentimento que só um pisciano poderia... São lindos os textos dele. Tive acesso a um texto sobre sua mãe. Meu coração embargou, não vou esquecer.
Assim como não vou esquecer de Xico e seu jeito de passar a mão na testa quando está envergonhado, ou quando está contente, diz sorrindo: "Tal coisa é assim, caaara!", como se fosse um menino levado.
Caros leitores, este é Xico Santos, que leva adiante A resistente, a Altana, Marguerite Duras ao lado, porque de onde estiver, ela protege os resistentes todos.
Conheçam os textos de Xico Santos. Garanto que vocês não vão querer mais deixar de ler seus textos no blogue: versoeprosa.wordpress.com
Conheçam também a série Folhetim, da revista O caixote, é imperdível... http://www.ocaixote.com.br/caixote20/TRIVIAcx20_xico.htm
Este é meu amigo Xico Santos, que espero ver mais vezes, sorrir com ele mais vezes, resistir com ele e Marguerite e ver seus textos cheirando a tinta, breve, se possível.
Xico Santos, que agora vive para Galahad e Morgana...

Dica gastronômica: Ritz, mas uma ressalva: Rebeca, a mulher inesquecível

Há cerca de 20 anos frequento o restaurante Ritz da Alameda Franca.
Exatamente 20 anos. Eu estava recém-separada, dura até o osso e minha irmã mais nova, que apelidamos em casa de Mary (já que ela é muito chique) trabalhava já para pagar suas despesas paralelas à faculdade. Ela é 10 anos mais nova que eu. Pois neste trabalho, ela recebia uns tíquetes que eram aceitos em todos os bares, restaurantes e lanchonetes legais de São Paulo. Então ela me convidava uma ou duas vezes por semana, e saíamos para comer e conversar.
E foi assim que conheci o menu do descolado Ritz!
Na primeira vez que fomos lá, nos sentamos no balcão à espera de uma mesa e pedimos vinho! Nossa! Aquilo para mim, naquela época de vacas macérrimas, era um banquete de deuses...
Me lembro que nessa época, apesar da diferença grande de idade, eu e minha irmã éramos muito parceiras: eu era uma grande amiga para ela, mas era também meio mãe, e ela fazia as vezes de irmã mais nova, porém, naqueles momentos dos tíquetes, por exemplo, era uma pequena mãe que via minhas difculdades financeiras e se interpunha me dando algum amparo.
Pois bem, estávamos lá, matracando como duas irmãs costumam fazer, já na segunda taça de vermelho, e rindo bastante, e a mesa nada de vir... Minha irmã é muito bonita, chama muito a atenção, e, além disso, é taurina, sabe se produzir, então, todos os olhares vão para ela. Sei que o rapaz que estava no bar era belíssimo, mas de uma beleza delicada, parecia um quadro de algum pintor italiano renaacentista. Tinha feições claras e delicadas, cabelos encaracolados e o corpo magro e pequeno. Eu o achei muito bonito.
Ela contou os tíquetes, precavida que é, e ficaríamos só na 2a taça. Não pedimos mais nada no bar. Mas, de repente, vimos duas taças surgirem diantes de nós, plenas de um líquido vermelho e sedutor, nos chamando para um duelo!
Prontamente falamos ao barman: "Então, este vinho não é nosso... desculpe, a gente não pediu." (Afinal, estávamos com os tíquetes 'no osso'. Ele sorriu para nós e me disse: "Presente da casa. Vocês são irmãs, não são? Tô vendo vocês rirem aí há uma hora, conversarem, cochicharem, achei muito bonitinho. Resolvi que vocês mereciam mais uma taça!" E sorriu com uns dentes lindos e brancos que Deus lhe deu.
Passei a frequentar o Ritz a partir desse dia.

Bom, agora vem a ressalva*.
Nas últimas semanas tenho ido almoçar lá nos finais de semana.
Um sagitariano que se preze tem a tradição de repetir o prato num restaurante quando vai lá. Eu repito sempre o penne mediterrâneo no Ritz, há vinte anos. Como não repetir? Tomates frescos, assim como o manjericão em meio a uma massa gostosa e quentinha. Azeitonas graúdas pretas. Nham!
Pois ontem fui ao Ritz, esperei no bar minha mesa, tudo nos conformes. Lindo!

Na imagem, cena do filme de Alfred Hitchcok, Rebecca, a mulher inesquecível, baseado no romancede Daphne du Maurier. Em primeiro plano a atriz Joan Fontaine.

Pois eis que chego à mesa que adoro, que fica ao lado da janela, e quem me atende é uma tal de Rebeca, a mulher inesquecível, como no romance de Daphne du Maurier, que foi transformado em filme por nosso querido Alfred Hitchcock.
Inesquecível, Rebeca, seu mau atendimento. Eu que frequento o Ritz há vinte anos, jamais fiz uma reclamação, jamais precisei chamar duas vezes alguém para atender minha mesa, jamais esperei para ter uma informação sobre meu prato. Demorou para ter registrado meu pedido, tive então que pedir a Guilherme, o simpático garçom que atende lá fora e faz gol lá dentro também, e ele anotou meu pedido prontamente, em segundos; Rebeca, aprenda com ele.
Tentei em vão pedir um suco. Mas Rebeca, com seus olhos azuis (verdes?) muito cool, e seus cabelos loiros, está sempre muito distante dos clientes. Por que ela trabalha num restaurante então? Talvez ela devesse ter outra profissão, já que considera estar acima do céu e da terra e com seu jeito distante não enxergar quando as pessoas na mesa a chamam, apenas, para pedir um suco.
Bem, começo a ficar com fome, o que é mau sinal, porque raramente sinto fome de estar faminta... e começo a ficar a irritada, o que significa que o prato está demorando demais para vir, e ninguém veio me dizer por quê. (Poxa isso nunca aconteceu aqui, estranho o fato...) Aceno várias vezes para Rebeca, a mulher inesquecível e inatingível, mas ela está acima de tudo, então não vê, e vira de costas e vai embora, e fico a ver navios com minha irritação subindo pelas peredes... tento chamar outro garçom, mas parece que há um movimento estranho, algo parece ter acontecido ou dado errado.
Chamo então o simpático que cuida da lista de espera das mesas e de outras coisas. Ele vem prontamente, é um querido, assim como Guilherme. Sabem trabalhar, e são educados; não é preciso ser "servil" para demonstrar educação, adoro isso nas pessoas. Pergunto o que acontece, porque estamos famintos... se me disserem o que aconteceu, eu peço uma entrada, pronto!
Ele me explica que o elevador "teve um problema" ao transportar alguns pratos prontos, e a cozinha teve de refazer todos (os pobres cozinheiros e ajudantes, tenho compaixão deles, pois isso vai gerar um retrabalho e uma confusão na vida daqueles lá dentro que não são vistos, não são elogiados como mereceriam, e ganham pouco pelo belo trabalho que chega à mesa, como meu delicioso penne mediterrâneo. Aproveito aqui para parabenizar à equipe da cozinha do Ritz, vocês são tudo! Vocês deveriam ser vistos por nós! POis vocês sim fazem um excelente trabalho, ao contrário de... Rebeca, a inesquecível, que desfila seus olhos azuis (ou verdes?) do alto, e considera que seu trabalho é apenas circular entre mesas). Digo então a ele que entendo, que apenas precisava saber o que estava acontecendo e se ele pode providenciar uma entrada, pois estamos famintos.
Mas, em dois minutos, A inesquecível vem com nosso prato, e uma força oculta dentro de mim, assim que ela os coloca sobre a mesa, me faz dizer a ela o quanto é incompetente, que está sempre aérea e não vê quando chamamos, que ficamos sem informação pela demora, que ela atende mau, que deveria ser mais atenta -- eu já fui garçonete em uma situação quando era jovem, portanto, não estou falando sem experiência. Ela é ruinzinha mesmo. Ela retruca, com um olhar superior e soberbo, dizendo que outros garçons me atenderam, que ela não sabia do elevador etc. etc. num ar se superioridade irritante. Eu corto, dizendo que vou almoçar e não quero discussão. Rebeca, a inesquecível é obrigada a dizer Bom apetite e se retirar. (Detesto fazer isso, cortar alguém me apoderando de uma posição -- no caso, o fato de ser a cliente e me imbuir de razão --, mas achei que ela, na sua soberba, merecia, por isso minha raiva me impulsionou para a beira desse abismo mortal que é o lado sombrio do ser humano.)
Em pouco tempo, passou o nervosismo e almocei em paz, e Rebeca passou a ser apenas um borrão que passava à minha esquerda por vezes para servir outras mesas. Claro que ela se esqueceu de colocar à mesa os temperos para a salada de meu acompanhante, e tive de pedir a um terceiro garçom com o qual ela conversava num canto do restaurante, distraída; o outro garçom, atento, me viu acenar, claro. Este é outro detalhe bem interessante para quem quiser contratar um dia Rebeca, a inesquecível; saladas não precisam de azeite nem de outro tempero. Não. Você aprecia sua salada pura, talvez apenas com sal se houver na sua mesa... Não tem outra opção se for atendido por Rebeca.
Mas Guilherme, o simpático e bonito e educado e o também bonito e educadíssimo da lista das mesas (de quem não sei o nome, sorry) mandaram superbem assumindo o comando do navio que Rebeca quase afundou ali naquela mesa. Portanto, continuo voltando ao Ritz, e pedirei claro penne mediterrâneo...
Resultado: meu acompanhante pagou a conta, mas pedi a ele para pagar sem os 10% para a inesquecível Rebeca, pois como pagar por um serviço que ela não fez? E deixamos os 10% para Guilherme, que foi quem realmente nos atendeu fazendo gol lá dentro do restaurante e cabeceando lá fora na calçada...
Mas a ressalva é: caros leitores, vão ao Ritz, conheçam o Ritz, vocês vão certamente adorar. Mas, assim como eu, fujam, mas fujam com fé da mesa atendida pela bela porém péssima, aérea, destituída de conhecimento de seu métier e sem vontade Rebecca, a inesquecível.

** Neste post aproveito: 1. para lembrar que a equipe da cozinha existe e que é dela que se faz a fama dos restaurantes. No caso do Ritz, todos os pratos que experimento são deliciosos, parabéns a ela. 2. agradeço a Guilherme e ao simpático da lista de espera (desculpe, não sei seu nome...) a educação e o ótimo atendimento nas vezes em que fui aí.

Ritz
Alameda Franca 1.088

sábado, 26 de novembro de 2011

Dica gastronômica: Gusta, o restaurante mediterrâneo e uma dica de cinema

Os sagitarianos, dizem os manuais de astrologia, são obstinados, um tanto teimosos e insistentes... de tão insistentes, acabam se cansando de alguns objetivos e deixam algumas tarefas pelo caminho. Bem, assim dizem os manuais.
No caso do restaurante mediterrâneo que mencionei no post São Paulo é uma festa! não foi o caso. Insistente, ontem, sexta-feira, resolvi ir lá para conferir o espaço e o menu do pequenino e simpático lugar com cara da Madri ensolarada no verão -- cidade que não dorme, com seus bares e restaurantes que não fecham até o último cliente (mas que cerram suas portas à tarde sem nenhum salamaleque diante dos clientes para a adorável dormidela depois do almoço!...).
Depois de assistir ao ótimo filme brasileiro O palhaço, com atuação e direção do jovem e multitalentoso Selton Mello, ao lado do nosso querido, maravilhoso ator e corajoso Paulo José, que amo!, um dos maiores talentos do nosso cinema, teatro e TV, me lembrei do iluminado restaurante com luzes ibéricas, que achei, em minha localização geográfica capenga, que ficava na Lapa. (Ali é tudo meio divisa, não é?...).
Bem, nos dirigimos ao restô. Fazia calor, o lugar é pequeno, mas muito ventilado, há mesas no interior e fora do restaurante. Entramos, e quem nos atende é a "Dri" (assim está escrito no cartão que ambos me deram depois), a proprietária, e vemos o cardápio. Ali, pode-se jantar um prato de comida típica espanhola (são pratos rápidos) ou lanchar ou apenas tomar um café com um salgado, coisa de Europa. Adorei!
Há muitas opções de vinho, e sobretudo, vinho em taça. Boas opções de cerveja também! Pedi a Nando (o proprietário) que me dissesse quais opções de taça de vermelho eles tinham, ele me perguntou que uva: dissemos merlot e cabernet. Ele simplesmente abriu duas novas garrafas. Sabiamente, ele me indicou um cabernet californiano, mas eu, teimosa, como voltei dos Estados Unidos um pouco ressabiada com alguns cabernets que verti lá (alguns tinham um fundo adocicado), pedi um argentino. Ele abriu. Ao experimentar, achei ácido (não sou conhecedora, portanto, minha nomenclatura é fraca, leitores), pois Nando gentilíssimo serviu o californiano inicial que havia oferecido originalmente, que era mesmo delicioso. Excelente indicação. Minha volta ao restaurante e minha indicação está garantida, por várias razões, mas este é um pequeno detalhe que garante o retorno de um cliente.
Pedimos o prato que me lembra minha viagem a Madri: tortilla espanhola -- uma espécie de ovos com batatas e cebolas muito mais saboroso e aerado, acompanhado de uma salada farta e pães com molho delicioso sobre. Tudo isso por menos de R$ 15,00... E sobretudo estava delicioso meu prato e me fez voltar ao calor e às luzes do verão madrilenho...
O vinho californiano, resfriado no ponto, desceu como uma luva, e vi que ambos se desdobravam entre as mesas com desenvoltura e tranquilidade. O serviço é rápido, mas sem estresse. Estamos na "Espanha"...
Ali é um lugar para se ficar conversando, degustando seu vinho e seu prato. Depois, o espresso, que é encorpado, forte, como eu gosto.
A conta chega, e descubro várias coisas sobre Nando e sua mulher. Uma delas é que ele escreve poemas. Esta é uma. O restaurante não se chama Mediterrâneo como eu imaginara, mas sim: Gusta! E o endereço não fica na Lapa, mas sim na Pompeia... Bem, sou uma mulher a aberta a corrigir meus erros, caros leitores.
Portanto, ficam aí duas dicas:

O palhaço é um filme a ser visto pelas belíssimas atuações de Paulo José (imperdível) e Selton Mello (como os palhaços do Circo Esperança).

E a dica gastronômica de hoje é: estejam onde estiverem, cruzem a cidade, enfrentem o trânsito e os malucos de plantão nas grandes avenidas, mas conheçam o pequenino Gusta, seu menu e suas opções de bebidas, sobretudo vinhos (cervejas também, que vi que são ótimas). Vocês vão se sentir num pedacinho da península ibérica. Acreditem!

Gusta
Rua Desembargador do Vale 1090 Pompeia tel. 2925-1157

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Perdizes, Pompeia, Lapa e Buenos Aires, tudo numa noite só

Acabo de chegar em casa, são 23 horas.
Rodei a cidade. Parei no bairro da Pompeia para fazer uma compra, dali foi um pulo ir à Lapa num restaurante que se chama Mediterrâneo, um pequeníssimo restaurante com cara de Eurpora no verãO. Não conhecia, me levaram para conhecer. Mas não entramos, deixamos para outro dia, porque ou você faz uma coisa ou faz outra.
São Paulo é um mundo...
Ali é uma Lapa diferente da minha infância e adolescência, dos sobradinhos e das pessoas com sobrenomes italianos e do longo trajeto do ônibus Penha-Lapa (uma lenda viva e urbana) que tomei tantas vezes quando era jovem para chegar a tantos lugares de São Paulo...
Ali, perto desse restaurante um pouquinho sofisticado, há prédios de construção de primeira, ao redor há suporte de um comércio para pessoas 'diferenciadas', escolas bacanas, as ruas não são esburacadas, há boa iluminação. É outra Lapa, diferente da Lapa que minha memória registrou e das histórias que meu pai contava...
Da Lapa chique do Mediterrâneo, fui dar numa pizzaria num outro ponto menos sofisticado, mas também da Lapa, numa esquina arredondada que me lembrou um ponto do bairro de Pigalle, em Paris, quando fui a última vez -- havia um restaurante numa curva também. Há lenha na porta, e a pizza é ótima, e barata. Delícia! As pessoas se conhecem, vão chegando e se cumprimentando, coisa de bairro mesmo, essa sim, a Lapa que eu conheci -- casas térreas, mais simples, classe média, e gente que prefere comprar na mercearia do fulano a ir aos megasupermercados...
Bem, pizza mangiatta, tutti buona genti, agora é hora daquele espresso do qual não abro mão, mas tem de ser num lugar em que seja bem tirado, forte, encorpado, e que o pó seja de boa qualidade.
Deixamos a Lapa dos italianos do início do século XX -- os Genaros, as Giulianas, os Giuseppes, os Ettores e tantas pessoas que ali fizeram sua vida -- para procurar o aroma profundo de um bom espresso bem tirado.
Quando me dei conta, estava na rua de minha casa, no Blu Bistrô, um café delicioso, além de um menu maravilhoso também, do qual não abro mão sempre que posso.
Café fumegando na xícara, o meu sempre tirado curto, que é minha tradição (como diz meu pai; e sou igualzinha a ele, e fazemos aniversário juntos agora em dezembro, eu dia, 6, ele, dia 8), sinto um não sei quê portenho. Onde estou? São Paulo? Ou Buenos Aires?
Dois músicos interpretam tangos desses grupos modernos de Buenos Aires que 'refrescaram' o tango tradicional e deram nova roupagem, com tons eletrônicos, como Hybrid tango, Otros Ayres e outros. O clima do bistrô é europeu e a música me faz lembrar das minhas andanças pela capital portenha, os cafés deliciosos e as caminhadas naquela cidade boa de se caminhar.
Minha noite começou em Perdizes para terminar em Buenos Aires... E um café delicioso me espera convidativo em minha xícara.
A vida é bela, meu inferno astral é um fiapo, amanhã é dia de passar a manhã com minha sobrinha adorada (!!eba!), à noite tem programação com miau e depois vou ao bar de Marcinha (Os Parlapatões) e certamente rir muito de suas piadas stand-up comedy "Vila Maria".
Meus caros, São Paulo é uma festa! (Paris também já foi um dia, já dizia Ernst Hemingway...)

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Além de olhos de horizonte, tradutor e poeta

No meu post de 22 de novembro, "Milongas de gaveta" e o soneto 61 do Bardo, eu disse que acordei pensando nos amigos. O amigo do dia era Gil Pinheiro, o querido.
As pessoas chegam à nossa vida de muitas formas, e muitas vezes se vão também, para depois voltar. Algumas vezes, ficamos sabendo o motivo daquela partida, outras vezes, não. Apenas abrimos os braços, colocamos aquele rosto conhecido entre as mãos, e seguimos, como na música de Chico: "não diremos nada, nada aconteceu". Seguimos em frente.
Mas o assunto aqui é que naquele post eu falava da entrada de Gil em minha vida, na verdade, no outono de minha vida. E desse sentimento de tê-lo recebido inteiro: com todos os seus poemas, suas traduções, seu conhecimento de biblioteca, suas palavras, suas letras, sua sensibilidade, tendo chegado justamente aqui, onde é bem-vindo, com todo seu arsenal. Como se fosse um guerreiro, recebido com urras e glórias numa fortaleza medieval. É mais ou menos isso.
Bem, tudo isso pra dizer que, em resposta a meu post, o 'guerreiro' de palavras e sintaxe de lâmina afiadas golpeou este poema, que faço questão de dividir com vocês. Belíssimo. Sintam na pele, na mente, no corpo, no coração...
Gil, vou ter que citar Drummond: "A você, obrigada. Essa palavra-tudo." (Se é que me entende.) Permaneça.

recesso onde levita
uma vida ao pé da letra,
mas letra que vai à vida
e tira a vida de letra.

imo em que se aconchega
entre moles e maciços
a uma canção de fundo
o fundo do coração.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Inferno astral esgarçando e um livro todo meu

Inferno astral sagitariano é foda no começo, meio foda no meio e nada foda no fim...
Já me vejo em plena comemoração de aniversário, mesmo tendo a idade do Tutankamon... :-(
Estar, e estar bem, um ano mais nesse território, território meio matéria meio não matéria, que sinto ser uma passagem rápida demais para tantas coisas que quero viver, é privilégio de poucos. Para muitos a passagem é difícil, para outros nem tanto.
Vou vendo meu inferno astral se esgarçando, como um tecido fino envelhecido. E eu parecendo uma borboleta saindo do casulo. Uma nova Sandra. Uma nova mulher. A consciência de que a passagem é ilusória, mas que nossos atos nos distinguem neste mundo. Esta é a grande diferença. O que nos diferencia de tudo e de todos. O que nos faz originais e ímpares. O que nos faz sujeitos da história da vida.
Estou caminhando sobre areia branca e posso ver que não morro na praia. A praia é minha e posso estar nela. Viva.
Chegar ao fim do ano, depois de um ano difícil como foi este, com essa certeza é uma bênção do Olimpo, de Buda, de Deus, de Gandhi, de Jesus, de madre Teresa, enfim, de todos aqueles que quiseram algum tipo de bem à humanidade.
Chego ao fim do ano sendo a dona da minha história, traçando letras e ilustrações com meu próprio traço.
Este livro, agora, é meu. Inicio um novo ciclo, e ai daquele que se interpuser na minha alegria...

"Milongas de gaveta", e o Soneto 61 do Bardo

Hoje acordei pensando nos amigos...
O primeiro deles que me veio à mente foi o querido, sensível, carinhoso, de olhos de horizonte, ao qual devo tantos elogios (será que mereço tantos?) Gil Pinheiro.
Gil chegou daquele jeito gostoso que eu adoro, pelas mãos de outro amigo, que conheço desde os 15 anos, Neldson Marcolin. Adolescentes daquela geração que devorava livros e gastava canetas Bic escrevendo sobre angústia, poemas, existência, autores, passamos a vida trocando cartas, nos trombando e desencontrando. Eis que a vida nos fez reencontrar e ele trouxe consigo Gil. E, em minha sala de que ele tanto gosta, pudemos chutar a bola no 1o tempo para ele pôr suas belas traduções na rede, para que nós, seus leitores, pudéssesmos desfrutar de seu bom gosto e sofisticação na escolha do léxico, da sintaxe, das minúcias, das rimas, ou da escolha da não rima, que seja!
Sorte nossa!


Deixo aqui o registro de um deles que mais gosto, o Soneto 61 de Shakespeare.

SONETO 61

É teu desejo que esta imagem tua
Me venha à noite as pálpebras abrir?
Que meu descanso e lassidão destrua
Na sombra incerta em que te vejo a rir?
Será que é teu espírito que envias
De tão longe de casa a me espreitar,
A ver se em erro ou ócio acha meus dias,
A fim de teu ciúme alimentar?
Não! Teu amor não é tão grande assim!
É meu amor que os olhos me arregaça,
E, verdadeiro, a meu torpor põe fim,
A especular de tudo que te passa;
Pois que te vejo a andar a céu aberto,
De mim distante e tantos outros perto.

William Shakespeare
(tradução: Gil Pinheiro)

* O endereço do blogue das traduções de Gil Pinheiro é: http://milongasdegaveta.blogspot.com

domingo, 20 de novembro de 2011

Inferno astral: the end of the road e o poeta sevilhano António Machado

Uma coisa boa do inferno astral é que ele vai indo embora devagar, e desaparece antes do aniversário. Isso sempre acontece comigo.
Então, como os caros leitores têm percebido, imagino, o "ranço" e o "mimo" estão sendo enterrados diariamente um pouco mais. cada dia, uma pá de terra maior os encobre.
Exista ou não exista inferno astral, eu tenho uma crisezinha existencial antes do niver. E ponto. E sempre a chamo 'inferno astral'. E me deem licença de chamá-la como eu bem entender. Porque às vezes fico meio farta da minha racionalidade e meu bom senso e de meu autocontrole e de meu apego à ciência e aos fatos e argumentos da razão. Preciso de às vezes fugir, mesmo que de mentirinha, por umas veredas mesmo que sejam de um falso misticismo...
Eu sou ambígua, como todos os seres são. Mas algo em mim pende para o sensato. Tento o tempo todo controlar tudo com a razão. Isso me requere muita energia. Dá um cansaço. E às vezes me tira boas oportunidades de ver outras facetas da vida. Também tento ser diplomática em tudo. (Mesmo que, às vezes, depois de tentar ser diplomática demais e o outro ultrapassar todos os meus limites, eu perca completamente a delicadeza, e pareça uma fera. E depois disso, esqueço que esta pessoa existe. Este é uma grave defeito meu. Não sinalizo, e as pessoas, quando veem, são postas para fora de meus domínios sem entender bem por que estou tão irada e as empurrando para fora da minha vida para sempre. Corto os laços. Mesmo!
Mas estou tentando mudar isso... Mudar faz parte de amadurecer. E sinalizar nossos limites é fundamental para manter saudáveis as relações.
Agora que estou chegando perto de meu niver, vou pensando nas coisas que posso fazer. Uma festa? Um petit comitê? Nada? Uma esbórnia no Baixo Augusta? Simplesmente easy rider e jogar meu relógio para trás e sair sem contar o tempo?
Fecho os olhos. Não quero saber de futuro. Giro a ampulheta. Só há esses mínimos grãos de areia a escoar esse microtempo presente e próximo. O resto: passado vivido e o incerto a se viver.
Vou trilhando com meus passos o caminho.
Afinal, sigo a certeza de António Machado (1875-1939), o poeta sevilhano: "(...) Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar."
Sagitariana, calço as botas de aventura, e sigo a trilha. Não sei onde vai dar. Mas confio na sorte e no meu taco de resolver grandes problemas, de escolher boas veredas, e, se por acaso, mal escolhidas, de me safar ilesa delas.

sábado, 19 de novembro de 2011

Um duelo de cavaleiros

É manhã de sábado.
Chego em casa lá pelas 6h. O dia amanhece com suas tintas azuis, e saio do meu programa apenas com uma taça de vinho a circular nas artérias. Antes disso, uma hora antes, apenas menos de meio copo de cerveja gentilmente oferecido por Henrique, que eu não pude agradecer como deveria, um gentleman. E que também me ofereceu seu brigadeiro, que era o último da caixa. Encantador e gentil, como me disse alguém... Um simpatia.
Durante a noite toda três garrafas de água. Eu realmente não sou boa bebedora (além de outras coisas em que não sou boa também...).
Pego minhas coisas, bolsa e tudo e mais e pergunto a Marcinha como se chama a pessoa que me deu o copo de cerveja e o brigadeiro, algo tão simpático... Ela mal consegue pronunciar a primeira letra e ouço à minha esquerda a voz masculina e irônica: "O nome dele é Gentil"... Marcinha ri e diz o nome de meu simpático presenteador: Henrique. Antes de sair, irei lá agradecê-lo. Mas ela insiste pra que eu não vá ainda, é cedo etc. E pede ajuda e coro à voz masculina irônica que nomeou meu presenteador, que então diz: "Tome mais alguma coisa".
Nem ia tomar a tal taça de vinho, mas o galante cavaleiro medieval, não sei bem ao certo agora por quê, a memória me falha por questões óbvias (passam das 6h da manhã), decidiu superar o gesto do meu "gentil" oferecedor de cerveja e brigadeiro, e eis que pediu que Marcinha enchesse uma taça de vinho, me oferecendo esta bebida da noite. Surpresas masculinas.
Marcinha disse a ele e insistiu que eu não aceitaria, que me conhecia havia anos, que eu jamais aceitava que me pagassem algo, nem mesmo ela etc. etc. Eis que o cavaleiro medieval à minha direita aprumou-se em sua armadura e eriçou seu cavalo e endureceu (!) num gesto de quem não se deixa vencer assim tão facilmente: "Marcinha, ponha o vinho para ela!". Isso foi dito num tom masculino que eu não tinha ouvido antes. Audível a distância. Foi intenso e provocador. Um ecoar cavernístico do cromossomo Y...
Ela ainda tentou redarguir: "Eu conheço a peça, ela não vai aceitar. Vou abrir um vinho com ela e dividir depois...".
Mas algo mexeu com meu quinhão feminino. Senti a empunhadura do cavaleiro que tinha diante de mim, e a envergadura de sua armadura e de sua determinação. Parei por um instante o tempo fictício da narrativa. Encostei-me no balcão, como uma donzela em sua varanda, mirei-o de norte a sul, interrompendo no leste e no oeste. Ambos ficaram ali, meio sem respirar e falar (o que Tuntum faria depois disso?), não souberam muito o que fazer, a não ser esperar minha reação demorada, num silêncio estranho e abafado. Fitei-o mais uma vez, para tomar minha decisão muito importante naquele momento. Afinal, eu era o centro da questão de um duelo (imaginário) de cavaleiros, e um deles estava para superar o ato do outro por um triz. Bastava eu dizer sim.
"Sim." Ele podia me oferecer uma taça do vermelho que havia na adega de Marcinha.
Houve um ruptura na narrativa, percebi, pois não se esperava essa minha resposta da parte de dentro do balcão. Marcinha talvez não me perdoe as inúmeras brigas na hora de pagar a conta -- jamais deixo ela me pagar nada... (Marcinha, ouça: ali era um duelo de cavaleiros...)
Da parte de fora, o orgulho masculino teve seu momento de glória, e a sensualidade feminina pôde desenhar os espirais de seus mimos. Agradeci e tomei o meu primeiro gole com olhinhos de Louise Brooks -- muda. Que é o que se deve fazer nessas horas, depois de um duelo.
Acabei ficando ali naquele balcão em que se contam muitas histórias, onde se começam e terminam histórias de amor ou menos que isso, onde acontecem coisas que ninguém acredita, coisas que o diabo gosta, e onde Marcinha é um show à parte -- um stand up comedy caseiro.
Não houve vencedores nem perdedores neste duelo, porque não era esta a intenção desta história que estou contando a vocês. Mas o orgulho masculino, meus caros, é como uma arena de cavaleiros, rodeado por uma plateia imaginária urrando glórias ao vencedor. O cromossomo Y tem essa força. E nós, mulheres, em certas situações, adoramos...
O medievo que pintei aqui é apenas uma tinta para dar mais mais cor à narrativa. Afinal, quem não gosta de uma história de cavaleiros?

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

As surpresas paulistanas: a bureka da Shoshana e o Bistrô da Sara

Eu estava aqui ontem no meio do meu cotidiano sangrento de ler, ler, ler e jamais terminar estes livros. Porque mal termino um projeto, já tenho diante de mim três me esperando para iniciar... Me sinto cansada esta semana.
Vocês leitores que acompanham o blogue sabem que estou em pleno inferno astral até dia 6/12 e fragilizada (brincadeira!). É um charmezinho de blogueira... Mas cansada estou mesmo. Queria férias. Mas só o que terei até o fim do ano é mais trabalho e tarefas e obrigações.
Bem, em meio ao caos aqui no meu escritório, recebo um telefonema: "Tuntum? Quer fazer um programa de índio?" Era Marcinha, com seu jeito de me chamar. "Oi, Marcinha!... depende, que programa de índio é esse?" Ri, achando engraçado, porque programa de índio é muito bacana, em meio à natureza, com tradições, ritos, pintar o corpo, andar nu. Nós, os bacanas metropolitanos, nos apertamos em caixotes, na poluição, ficamos em filas, nos esprememos em shoppings, levamos duas horas para chegar ao trabalho -- enquanto eles, os índios (idealizadamente, claro), estão lá, na sua rede, banho de rio, sol, árvore, e um montão de outras coisas boas).
O programa era ir ao Bom Retiro, fazer umas comprinhas que ela pecisava, e, depois, ela rindo muito me disse: "Comer bureka na Shoshana..." kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Eu achei que era gozação dela comigo. "Marcinha, sou uma mulher do conhecimento, não vou a um lugar sem saber direito o que vou comer, e o que é exatamente shoshana?????!!!!!!!!" E ri, achando que era pegadinha. Eu falei: "Bureka, até como, mas a shana vou pular!" E a risada foi geral.
E sei que durante o caminho todo de minha casa até o Bom Retiro ela foi pronunciando com gosto: "a bureka da Shoshana...". E não tinha como não rir.
Na imagem, a "tal" da bureka.
Bom, aí ela me explicou. No Bom retiro há a Casa Búlgara, onde as burekas (rosquinhas folhadas típicas do Leste Europeu) são feitas por Lina Levi e Shoshana Baruch, mãe e filha.
Bom fomos lá depois das compras de Marcinha, e realmente são uma delícia. Há vários recheios, por exemplo, queijo búlgaro, gorgonzola e carne. E quando chegamos lá, no balcão ela disse à atendente: "Oi, a gente quer tais burekas... da Shoshana..." E se pôs a rir dizendo à menina que adorava dizer o nome da dona do estabelecimento. Caímos na risada as três, e a menina fez um semblante de quem deve ouvir isso muitas vezes...
A tal da bureka é uma delícia. Vale a pena cruzar a cidade e sentar-se ali, tomar um suco de maçã, delicioso, acompanhando a iguaria búlgara.
É um mundo que eu desconhecia, jamais vou ao Bom Retiro, acabo gastando fortunas comprando em lojas por aqui mesmo, pra não ter de me deslocar até lá. Mas é um mundo a se conhecer. Marcinha me mostrou o Bistrô da Sara, que fecha todos os dias às 17h. Ficamos de ir almoçar um dia lá. Fiquei surpresa, parece um bistrozinho numa ruazinha de um bairro afastado parisiense. Uma surpresa paulistana para mim, que acho que conheço tanto São Paulo. Ali eu só conhecia o famoso restaurante grego, ao qual já fui algumas vezes.
Na foto, o bistrô da Sara, na Rua da Graça.
E eu que tinha certo preconceito dos produtos de lá, do Bom Retiro, me vi encantada com algumas bolsas e lingeries... bem , isso é outra história.
Mas em mais um dia desta semana pude ter duas horinhas para mim, um lazerzinho forçado na grade dura e fechada de minha agenda. Tudo isso regado a burekas da Shoshana.
Não fosse minha amiga Marcinha, como eu poderia saber que Shoshana é uma quituteira de primeira e não uma palavra que não pode ser dita numa festa em família?
Quem quiser provar a bureka de Shoshana, o endereço é também sugestivo: Rua Silva Pinto, 356 Bom Retiro Tel.: (011) 3222-9849
O Bistrô da Sara fica na Rua Da Graça, 32 Bom Retiro Tel.: (011) 3362-1725
O blogue De safo para Cleis também é dica de gastronomia... (E compras... Mas sugiro de coração: não vá lá aos sábados. Aquilo se transforma em um inferno nesses dias.)

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Quando o passado bate à sua porta

Quem acredita que o passado não vem atrás de nós trazendo em mãos sua fatura, como aqueles cobradores que antigamente vinham de porta em porta queimando o filme dos que deviam, engana-se redondamente.
O passado nos procura ou por vezes nos persegue, como uma fera que caça sua presa na floresta, e felinamente se arrasta, em silêncio, para capturá-la.
Você mal se dá conta e vupt, o passado está ali, cara a cara, sentado junto com você numa mesa de bar, copo de um conhaque barato numa das mãos, e o indicador da outra lhe apontando seus erros e omissões... ou seus acertos e atos bem-sucedidos. Depende do tipo de passado que o atropela pelo caminho...
Um dia dobrei uma esquina, caminhando rápido, que esse é meu jeito... Lépida e sem olhar para os lados. Vou caminhando e pensando... Pois dobrei uma esquina qualquer. Quando dei por mim, vi dois olhos felinos a me espreitar, o corpo se arquear de um jeito que só os felinos têm quando vão dar aquele bote fatal, e vupt! O passado me pegou de jeito num cruzamento! Pode isso? Eu, uma mulher tão prevenida e autocontrolada nas minhas emoções? Que acho que tenho tudo acionado por controle remoto: ligo e desligo, distancio, esfrio, recuo para não sofrer, afasto, dou marcha à ré quando vejo que o contexto vai ser um sorvedouro e vou me perder ali...
Horas depois, sentada numa mesa de bar, eu e meu passado frente a frente, o seu indicador só me apontava acertos. O tipo de passado que me encontrou era um passado suave. E só obtive flores. Ufa!
Mas, meus amigos, cuidado! O passado está sempre à espreita. A qualquer momento ele pode bater à sua porta, ou lhe pegar de jeito numa esquina ou num semáforo qualquer. Esteja preparado!

(* Dica para as meninas: se estiver de écharpe, salto alto e batom, melhor. Nunca se sabe que tipo de passado você vai encontrar! E, em alguns casos, é sempre bom fazer uma boa presença.)
;-)

Um dia só para mim e "Saudade", de Almeida Júnior

Ontem foi dia de volta ao trabalho depois do feriado prolongado.
Meu dia começou cedo, com telefonemas, demandas, arquivos em pdf chegando por e-mail, em jpg que não abriam, editores me ligando para pedir que eu liberasse rapidamente o material para que pudesse mandar para a gráfica... Mas como liberar se o arquivo não abre? É preciso pedir ao artista gráfico que faça em outro formato... Que posso fazer? Quer dizer: meu dia começou quente, apesar do friozinho que imperava na manhã de 4a feira.
Eu sou conhecida por ser muito responsável nessas coisas de trabalho: comprometida, dou retorno rápido, se possível libero rapidamente um arquivo. Só quando me pedem coisas de última hora e estou fazendo outro projeto tenho que pedir para que esperem, do contrário, não embaço. Mas ontem, esses arquivos chegando e não abrindo.... e depois, quando consegui abrir ele não davam leitura dos textos... e eu tinha que ir buscar dois livros na Pinacoteca que tinha pedido para reservar para mim.
Acabei deixando a equipe se batendo para ver como resolver a questão do tal arquivo "zicado", e fui à Pinacoteca buscar minhas preciosidades: dois exemplares do catálogo de Saul Steinberg: As
aventuras da linha, catálogo do Instituto Moreira Salles em que tive o prazer de trabalhar no texto. Tinha um exemplar, que ganhei do Instituto, mas acabei dando de presente a uma amiga que adora arte. Então, ontem foi dia de recuperar novamente o belíssimo catálogo. Chegando lá, naquele friozinho que me lembrou São Paulo da garoa, não pude deixar de me lembrar da Semana de 22. A arte, a literatura, toda a efervescência jorrando aqui nesta cidade... Era elitista, era. Mas essa é discussão para outro post...
Entrei e pisei naquele prédio belíssimo. Um farfalhar passou na minha memória. Quando eu era uma menina de 18 anos, esse prédio abrigava a Faculdade de Belas-Artes, e eu fui ali prestar vestibular de arquitetura, paralelamente a meus outros vestibulares de medicina. Eu estava perdida, não sabia bem o que queria... Mas sempre adorei as linhas da arquitetura, e achei que seria um bom caminho a prancheta, caso eu não conseguisse chegar ao bisturi. Passei no vestibular de arquitetura em 10o lugar, foi uma surpresa pra mim, que nem sei desenhar direito! Mas a vida me levou para a psicologia, e depois para a medicina, e depois, enfim, para as letras, onde sosseguei o facho.
Lembranças...
Pois fiz uma curva à esquerda no prédio para procurar a livraria, e vi que estava tudo meio diferente, houve uma reforma e mudaram o acervo de lugar... Me deu um nó na garganta. Onde está meu quadro preferido? Que eu sabia de cor onde encontrar?
Tirei esta ponta da mente, e entrei na livraria. Enfim, peguei com gosto meus dois exemplares de Steinberg. Mas como amante de livros fui salpicando outros sobre o balcão... Um livro sobre a obra de Almeida Júnior -- criador de imaginários, e outro sobre os fotógrafos lambe-lambe que clicavam os passantes do Parque da Luz, Saudade pela ausência -- Fotógrafos Lambe-lambes no Jardim da Luz, 1915-1935. O interesssante deste livro é que, no aparador da sala aqui de casa há uma foto de minha avó paterna, linda, sorridente, aos 18 anos, uma flor da gola do casaquinho, clicada por um deles no Jardim da Luz. Ela havia marcado um encontro com meu avô, seu noivo na época, e o lambe-lambe a convenceu a fazer uma foto e dar de presente a ele... Ela parecia radiante...
Livros comprados. Estrada.
Mas uma Sandra mais tranquila me chama com seu canto de sereia: você está na Pinacoteca, é dona de sua empresa, pode ficar mais um pouquinho e ao menos ver o piso 2 e suas esculturas, que você adora, e o quadro de Almeida Júnior, seu preferido, Saudade.
Sou abduzida por esse canto mavioso, e hipnoticamente sou levada por uma força ao elevador, aperto o andar 2, e me delicio entre as esculturas... como se fossem novas a meu olhar...
Vejo um funcionário e pergunto: "Só tenho tempo para ver um quadro, o que mais gosto, você me indica a sala, porque tudo mudou aqui..." Ele me pergunta qual e eu digo sem pestanejar: "Saudade, de Almeida Júnior".
Ele sorri, diz que muitas pessoas procuram este quadro. E me leva à sala 7, seu novo nicho.
Ele abre a porta para mim, e me diz: "Aproveite sua visita". Nem acredito. Estamos no Brasil mesmo?
Ponho minhas sacolas sobre um banco e fico em silêncio como numa catedral para ir me aproximando daquela imagem que é pura saudade, dor, lembrança, ternura, luto. As lágrimas, a foto, objeto da saudade, a mulher de uma beleza exótica e simples sob aquela luz da janela. Agora, estou ali, e faço parte daquela cena.
Eu mesma tenho saudade: daquele prédio que abrigava a faculdade, dos passeios com meus pais pelo Jardim da Luz -- meu pai me levava à gruta e dizia que era um lugar de se esconder... Eu adorava... Saudade de minha avó e seu sorriso belíssimo de dentes muito brancos naquela foto dedicada a meu avô, saudade de mim, de minha infância no bairro do Pari e da igreja Santa Rita de Cássia onde ia com minha mãe. Saudade das viúvas portuguesas do Belenzinho, todas de negro, com duas alianças na mão esquerda a entoar baixinho aves-marias no portão de casa às seis horas da tarde...
Saudade do meu pai, jovem, trazendo os minibalõezinhos japoneses em junho para nós (naquela época, isso não era considerado politicamente incorreto, e fazíamos...). Ele trazia também estrelinhas, que coloriam o quintal de diversas cores quando girávamos. Claro que tudo sob o olhar atento de seu Heitor Brazil, cioso dos perigos desses brinquedos juninos. Ele dizia que tudo isso era muito perigoso, que não se devia brincar com eles sem ter um adulto perto. E ao longo da vida acabei sempre tendo medo dessas "bagaças" juninas mesmo...
E fazia frio, minha mãe punha quentão e comidas juninas deliciosas que só ela sabia fazer, e no quintal do bairro do Pari víamos os balõezinhos subir, subir, branquinhos, pequeníssimos, a cara de seus artesãos da terra do Sol nascente... E eles iam longe, e minha imaginação, já ampla, ia com eles para não sei onde.
Beng! Hora de voltar ao mundo dos homens. Preciso abrir aquele arquivo. Digo adeus à minha querida do quadro saudade. Agora, como tenho o livro, a terei comigo sempre que quiser vê-la.
Me sinto a mulher mais livre do mundo, eu, em plena 4a feira, com meus livros, na Pinacoteca, tendo visto o quadro Saudade e tendo podido, fora da roda do trabalho que massacra e exaure e extenua, me dar o luxo de me deitar no rio das minhas lembranças com calma e ternura...
Uma saudade boa toma conta de mim. É muito bom ter uma vida como a que tive e a que tenho.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

"Aquela mulher"... era eu

Quem quiser ouvir a música "Aquela mulher", de Chico Buarque de Holanda, clique no link do youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=CQyBNfxEc2c

Uma dupla apaixonada tem sempre lá sua caixa de Pandora do bem. E atire a primeira pedra quem não tiver!
São objetos comuns, mas que marcaram um evento importante para ambos, músicas que lhes pertence (somente a eles!), lugares que frequentam como se fossem seus, só seus (!), uma rua em que algo incomum aconteceu e sempre que se passa ali uma emoção alfineta o coração para sempre, mesmo que não se esteja mais junto com esta pessoa, e já se esteja noutra faz tempo.
Em uma de minhas relações amorosas, a mais importante delas, eu diria, houve tanta intensidade, tanta química, tanta física, tanto percurso, tantos objetos, que a caixa de Pandora virou um grande baú para mim e para ele.
Viajamos o mundo, pisamos em vários continentes, portanto são várias as fotos, e são várias as lembranças, e presentes de cada cidade que visitamos juntos. E há as brincadeiras que só os dois sabem o que significa, isto é coisa de casal, de "pareja", como se diz em espanhol. Que também colocamos lá no baú de Pandora do bem.
E há os objetos comprados juntos para decorar a casa um do outro. E os livros presenteados, e os CDs, DVDs, e outros brinquedos de namorados. E São Paulo é um território imenso, e as ruas têm pontos como se fossem alfinetes num mapa da prefeitura. "Aqui nós dançamos juntos um jazz. Ali você me deu a mão e eu girei. Nesta lixeira, nos aproximamos para nos esconder e dar um beijo. Atrás desta banca de jornal você me roubou um beijo de cinema. Naquela rua da zona sul, que tem nome de rio, namoramos irresponsavelmente no carro (delícia...). Uma espécie de mapa cartográfico-amoroso. Este mapa amoroso constituiria um verbete do livro Fragmentos de um discurso amoroso, de Roland Barthes. Estivesse o grande escritor francês vivo, eu o convenceria a lançar nova edição atualizada e incluir este verbete: MAPA AMOROSO.
E há os quadros e esculturas nos museus. Que sempre nos lembram o ex-amado ou a ex-amada. Ele/ela gosta deste estilo, deste pintor, desta escola, deste tipo de luz e sombra. E há muitas outras coisas. Mas há algo mais forte que nós, que é a música.
Os namorados, os casados, ou seja lá o que for, têm sempre uma música que os liga fortemente no início de tudo. Quando escavadeiras fazem buracos no estômago, sirenes ensurdecem os ouvidos, não sabemos se telefonamos ou não, se marcamos dois encontros seguidos ou não, se devemos dormir juntos ou não, mas queremos estar 24 horas com aquele ser que nos arrebatou por completo, por quem nos apaixonamos e que está apaixonado por nós. O corpo emagrece, perdemos o apetite, há uma adrenalina constante correndo, e o coração dispara quando, no encontro, vemos aquela figura bela se aproximando. Quando ela nos abraça, é como se abraçássemos o mundo e o tempo se torna ficção, e tudo congela ao redor...
Pois a nossa música no início era "Aquela mulher", de Chico Buarque de Holanda. Na verdade, essa música ele adorava colocar no café da manhã em sua casa, depois de nossas noites tórridas de apaixonados. Mais calmos na manhã, irônico, e cínico, ele acompanhava cantando bem baixinho e olhando encantado, apaixonado, para mim: "se você quer mesmo saber porque ela ficou comigo eu digo que não sei..." [e ria, o riso da superioridade da conquista masculina contra um rival invisível e, neste caso, inexistente. Apenas em sua imaginação havia um séquito de pretendentes meus, que ele derrubara com seu charme e destreza na arte da sedução!] "se ela tem seu endereço, ou se lembra de você, confesso que não perguntei... que noites de alucinação, passo dentro daquela mulher... com outros ela diz que sempre se exibiu e até fingiu sentir prazer, mas nunca soube antes de mim, que o amor vai longe assim........... não foi você quem quis saber... [e assumia um riso cínico, irônico, superior, imaginando mil homens derrotados em armaduras numa arena, os cavalos caídos, sangrando, ao redor, e ele, o vencedor, ali, com seu prêmio, sua conquista, algo medieval e grandioso].
Eu ria, apaixonada, encantada que estava com aquele homem que conseguira enfim derrubar minhas resistências e minha barreira em relação ao amor. Por fim, sem eu perceber, ele me pegara numa curva do rio, quando vi, não havia mais volta. O jeito foi me apaixonar e amar perdidamente. Uma das melhores coisas que fiz. Então, ao concluir sua música de cavaleiro medieval, eu agia como uma donzela que baixava os portões do castelo para que o vencedor entrasse e me tomasse, e me dominasse, e me consumisse. Carne, paixão, sentimentos. Tudo!
"(...) Servir a quem vence, o vencedor" (Camões)
Porque, afinal de contas, "Aquela mulher" era eu...

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A alegria que lembra a dor...

Iniciei feliz e alegre esta minha nova seção de dicas de literatura. É muito bom poder dividir e receber essas coisas boas que são a arte, a literatura, o teatro, o cinema, e tantas outras coisas que nos resgatam dessa máquina de destruir que é o cotidiano.
Adoror trocar, mostrar, receber, gosto que me leiam textos em voz alta, que me enviem para eu emitir alguma opinião. Isso é um prazer, sempre, em minha vida.
Mas devo confessar que ao transcrever o poema de Raymond Carver do post anterior "Tarde da noite com névoa e cavalos" (não me lembrava mais o teor, pois fazia dois anos que não o lia novamente... a chuva que cai lá fora cai agora dentro de mim. Me lembro da minha própria separação, que apesar de bem superada, teve as mesmas tintas de cenário descritas neste poema de Carver. Estávamos na sua sala. Não havia cavalos, nem polícia, nem outra pessoa, nem telefonemas. Mas dizíamos adeus e a perda ressoava nos ouvidos, havia névoa lá fora, havia se vivido uma história juntos, não se podia dar um passo, lágrimas caíam de ambas as partes. O abraço estava cheio de paixão e lembrança, algo chegara ao fim. Ao fim. Sem volta. Ficamos ali muito tempo naquele abraço infinito, e eu tive que dar o primeiro passo corajoso: "Tenho que ir", e me desvencilhei forçando os músculos, os meus, e os dele, do abraço agarrado que não queria se desfazer. "Cuide-se", eu disse. Foi só o que consegui dizer. Ele ficou olhando de olhos aquosos e vermelhos eu ir embora, infinitamente, mas eu, olhos enxutos, já acostumados a sofrer, não olhei nunca mais para trás...

Uma nova seção: A Biblioteca do Chacrinha -- Hoje, vamos receber: Raymond Carver

Vou inaugurar hoje uma seção mensal aqui do blogue.
Vai se chamar "A biblioteca do Chacrinha" e como subtítulo, o nome do autor a ser indicado. Quem tem mais de 40 anos sem dúvida se lembra da Discoteca do Chacrinha, aquele programa do comunicador de massas que até hoje é lembrado e estudado, e cultuado, um fenômeno da comunicação de massas, polêmico e de gosto duvidoso. "Roda, roda, roda e avisa, um minuto de comercial! Alô, alô, Terezinha! Meu filho, vocês querem bacalhau?"
Mas por que chamar uma seção de literatura com o nome de Chacrinha... Parece de gosto duvidoso e canhestro.
Bem, na verdade, assim como o título de meu blogue é uma dupla homenagem: à poeta de que mais gosto (Safo, a grega) e a minha filha (a quem, quando pequena, eu chamava de minha pequena Cleis -- alusão ao poema de Safo dedicado a sua filha Cleïs, a quem nesse poema ela chamava de "tesouro"), esta seção é dedicada a meu pai, Heitor Brazil, homem das letras, discreto, redator de processos difíceis e tortuosos, conhecedor exímio de gramática e textos forenses, consultor dos juízes do Fórum para assuntos aleatórios, leitor de entrelinhas e contador de histórias dos melhores. Na nossa infância, eu e meus irmãos jamais íamos dormir sem que ele nos contasse uma história de sua própria invenção... Até que um dia, ele resolveu inventar a história do circo, mas nesta havia um pouco de terror, e apareciam mulas-sem-cabeça à noite no picadeiro... Pronto! A partir disso, todos os dias meu irmão o obrigava a contar a mesma história, só que o personagem de terror tinha que mudar: saci-pererê, vampiro etc.
A leitura foi ele quem nos incentivou sempre.
Mas o que meu pai tem que ver com o Chacrinha? Bem... Ele é megablaster discreto. Gosta de entrar mudo e sair à francesa sem ser visto aos lugares que vai. Um tímido! Fala baixinho, e sempre pede às pessoas: "cá entre nós, não comente com ninguém..." Pois um dia, na juventude, ele resolveu ir averiguar a plateia do tal Chacrinha... Discretamente, claro. Pediram para que se sentassem lá na frente, já que ele era bem galã. Disse à meia-voz: "Me desculpe, vou me sentar na última fileira". Insistiram, mas ele é firme. Sentou-escondido atrás de um pilar. Para não ser sequer filmado num descuido. Tanto cuidado também era porque era noivo de minha mãe e ela não podia saber dessa traquinagem... Bem, o programa pegava fogo, e ele ia afundando na cadeira de vergonha, ele me contou, pensando: o que estou fazendo aqui! Lá pelas tantas: "Vocês querem bacalhau????" Pois adivinhem qual foi o número sorteado para ir lá no palco pegar o bacalhau: o do senhor Heitor Brazil. Quando ele viu o número que tinha nas mãos, amassou e e escondeu. Chacrinha gritava bem alto: "Número tal, venha buscar seu bacalhau!" E os assistentes de palco corriam as fileiras tentando achar o felizardo. E meu pai, vermelho, se denunciando... Resolveram então sortear outro número e tudo voltou à paz para Heitor Brazil na Discoteca do Chacrinha...
Misturei estas facetas do meu pai, o tímido, o leitor, o culto, o atrapalhado que foi ao Chacrinha incógnito, o engraçado contando sua própria história tragicômica de se esconder do Chacrinha. Imagine se um juiz o visse recebendo um bacalhau no palco, o que seria de sua imagem no Fórum na 2a feira? Tudo isso se transformou na Biblioteca do Chacrinha, em homenagem ao seu Heitor Tiepolo Brazil Júnior, homem que me ensinou as letras, mas também a coragem, a virtude e a suavidade.


Na metade de cada mês, vou indicar textos, artigos, ensaios, críticas, contos, livros, poemas, autores, lançamentos que eu tenha lido e gostado. Quem não gostar, pula!
Caso eu tenha o texto comigo, colo aqui mesmo no blogue. Caso contrário, indico título, autor e fonte e os leitores que se interessarem pela dica têm de ir atrás...
Bom, por inspiração de conversas inspiradoras sobre literatura, poesia, autores e tantas outras coisas que foram uma brisa nesses dias de Satyrianas, hoje a dica é um conto do escritor norte-americano Raymond Carver, "Me telefone se precisar", incluído em 68 contos, da editora Companhia das Letras.
Na imagem, Robert Carver em seu escritório.

Tive acesso a este texto há mais de dois anos, ao trabalhar na preparação da revista serrote n. 2, do Instituto Moreira Salles. É belíssimo. E na revista há um bônus, pois Carver é conhecido por seus contos, não por sua produção poética: na sequência do conto há um poema de Carver que transcrevo aqui para deleite de meus leitores que gostam desse gênero. E preparem-se aqueles que tiverem acesso ao conto: conto e poema tratam da mesma temática...

Tarde da noite com névoa e cavalos

Estavam na sala. Dizendo
adeus. A perda ressoando nos ouvidos.
Tinham vivido uma coisa juntos, porém agora
não podiam dar nem mais um passo. Além disso,
ele tinha outra pessoa. Lágrimas caíam
quando um cavalo pisou fora da névoa
no jardim da frente. Depois mais um, e
mais um. Ela saiu da casa e disse:
"De onde vocês vieram, cavalinhos?".
E avançou por entre eles, chorando,
tocando seus dorsos. Os cavalos começaram
a pastar no jardim da frente.
Ele fez duas ligações: uma foi direto
para a polícia: "Os cavalos de alguém estão soltos".
Mas teve a outra chamada também.
Então se juntou à esposa na frente,
no jardim, onde os dois falaram e murmuraram
com os cavalos. (O que estava
acontecendo, acontecia em outro tempo.)
Os cavalos podavam a grama do jardim
aquela noite. Uma luz vermelha de emergência
brilhou quando um sedã veio rastejando pela névoa.
Vozes atravessaram a neblina.
Ao final daquela noite comprida,
quando finalmente puseram os braços em volta
um do outro, seu abraço estava cheio de
paixão e lembrança. Um evocava
a juventude do outro. Alguma coisa chegara ao fim,
outra vinha entrando com força para tomar o lugar.
Chegou a hora da despedida.
"Adeus, vá em frente", ela disse,
E o distanciamento.
Muito depois,
o homem lembrava de um telefonema desastroso.
Um que ficara ecoando, ecoando,
feito maldição. No final das contas
foi o que sobrou. O resto de sua vida.
Maldição.

(Poema de Raymond Carver. Revista serrote, n. 2, jul./2009)



Ao meu pai, que me ensinou toda delicadeza e generosidade deste mundo, que sabe todos os nomes de flor e de passarinhos e à sua destreza com as palavras e para contar histórias, dedico esta seção.

Fontes: Para o conto "Me telefone se precisar" e o poema "Tarde da noite com névoa e cavalos": Revista serrote n. 2, jul. 2009, São Paulo, Instituto Moreira Salles.
Para o conto "Me telefone se precisar": 68 contos. São Paulo: Companhia das Letras.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Meu inferno astral 5, Satyrianas, os pavões, Mr. Hyde, e "A malvada" (ou All about Eve)

Ontem foi domingo, dia de garçonete novamente no Parlapas, no evento Satyrianas, junto com meu amigo e escudeiro Leo! Foi bem sussa e trabalhei superpouco. Como choveu, houve pouca demanda no nosso balcão improvisado na entrada do bar.
Meu amigo Leo é um menino jovem, mas culto e pleno de histórias. Sempre que nos encontramos há assunto pra uma noite, tamanha é sua cultura e sua vontade de conhecer mais. Portanto, é sempre um prazer estar com ele, sobretudo porque ele é superesperto, e em qualquer emergência dá jeito em qualquer coisa bem rápido. Nos demos superbem ali no trabalho de atendentes de balcão de bebidas.
Bem, agora, volto à minha vida normal dos livros. Que esta vida conheço bem. E sei lidar com seus incêndios.
Mas o que vou falar hoje aqui é sobre uma espécie de fauna. Mas não uma fauna de bichinhos bacanas, delicados, às vezes em perigo de extinção. Não. Estes, ao contrário, crescem em progressão geométrica e, assim como a ditadura, tomam nosso jardim e nossa casa. Um perigo!
Um deles são os pavões, não os animais, mas certos seres humanos que enxergam apenas o próprio umbigo e no ápice do orgasmo de vê-lo assim tão lindo abrem sua cauda maravilhosa e colorida...
Vou dar um exemplo para esclarecer: um homem solteiro conhece uma mulher solteira. A partir disso passam a se ver com alguma regularidade, mas com certo distanciamento de ambos. Tudo se resume a: jantares, vinhos, conversa, troca de livros, algum carinho depois, e até logo de Cinderela, adiós! Ele se incumbe dos telefonemas, porque ela não tem nenhuma tem paciência de ficar telefonando para marcar os tais dos encontros, nem ficar fazendo "H" e salamaleques. Então, ele mesmo toma conta desta parte, e há alguma regularidade desses encontros que, para ela, nada significam além de: jantar, conversa, vinho, livros, algum carinho, boa-noite, Cinderela, adiós! nada, nadinha. É tudo muito monótono para que ela queira que se transforme em alguma coisa.
Pronto. Parecia resolvido. Mas nesse meio tempo ela conheceu outras pessoas, já que era livre (e ele certamente deve ter conhecido. Isso não era nenhum problema. Não havia nada contratado verbalmente nem tacitamente). Ela passou a encontrar outras pessoas também. Então, algumas vezes deixou de ir a esses "jantares" e ele também deixou de marcar algumas vezes os tais encontros. Para ela estava claro que havia aí um distanciamento de algo que era superficial, nem era preciso dizer nada. Ia ser um desligamento natural de algo que estava pra lá de desligado já.
Mas o pavão ficou lá com seus botões pensando com seu umbigo... Abriu seu leque e teve que abrir seu também seu coração e dizer depois de semanas sem se falarem (ela já nem se lembrava mais dele!) que sentia muito, mas não queria "compromisso"! (Meu deus, que compromisso? Onde? Com quem? Quando?) Quer dizer, o sumiço dela já deveria ter sinalizado que ela não estava mais nem aí pra ele, mas o umbigo do "pavão" não o deixou enxergar isso. Imagine, ele deve se imaginar o Alain Delon no auge, gatésimo, na época do belíssimo Acossado. Hello! Então, sua cauda teve de se abrir e ele teve que abrir seus pensamentos e dizer da sua aflição...
Essas pessoas merecem o quê? (Eu sei: terapia.) Mas como terapia demora a fazer efeito nesse tipo de gente que enxerga apenas a si mesmo, o que se deve devolver como resposta? Bem, ela respondeu argumentando com a verdade dos fatos, pontuando com a sua ausência já havia tanto tempo, será que ele não havia percebido? (E o pavão fechou zangado sua cauda! Não era para terminar a brincadeira assim!)
Bem, caro leitor, terminado o estudo dos pavões.
Agora vamos para o estudo de outro espécime da fauna: os Mr. Hydes.

Na imagem: Frederick March e Mirian Hopkins, no filme O médico e o monstro, de 1931, um dos clássicos do diretor Rouben Mamoulian -- que confesso é um dos meus preferidos porque considero mais noir. (Mas há ainda a versão de 1941 (tenho ambas em DVD), estrelado pelo maravilhoso Spencer Tracy e a belíssima Ingrid Bergman, versão que também concorre bem com esta a de 1931.)

Certos seres humanos imaginam que os outros seres humanos não têm percepção das coisas. Pois é. Às vezes, por certos momentos, realmente, cochilamos, mas logo nossa inteligência e instinto puro de sobrevivência resgatam nossa sanidade.
Bem, apesar de uma boa trégua, infelizmente tenho de avisar à sociedade que Mr. Hyde está à solta novamente e tenta fazer seus estragos nos subterrâneos. Mas com muita pesquisa de laboratório descobri uma fórmula Tabajara de proteção que tem dado supercerto. Você muda de lugar para não ser visto, mas se ainda assim for visto por ele, você recua de modo a deixar claro que não quer contato físico nem verbal. Mas, se ainda assim, isso não for suficiente (Mr. Hyde é insistente, e lembrem-se, perturbado e atormentado e adora atormentar), é só fugir para um local onde haja luz, lá ele não conseguirá lhe atacar, porque ele apenas circula pelos becos e meandros e lugares obscuros da cidade.
Portanto, cidadãos de bem, como Mr. Hyde está à solta, por estes dias, protejam-se passeando apenas por lugares iluminados. Nada de passar por vielas, becos, namorar em ruas escuras. Deixem passar a fúria da fera. E a sociedade poderá voltar ao normal. Pronto! Falei!
Mas como ainda acho que não disse tudo que poderia sobre esse tipo de fauna, ainda digo: uma mulher não é muito areia para seu caminhãozinho... Não. No meu caso eu seria areia de todas as praias para sua pequena bicicleta infantil tipo pequeno pônei: o metal seria corroído rapidamente pela abrazão, aros, guidão, garupa, banco, corpo da bicicletinha, tudo... só sobrariam os pneus, ainda assim, inúteis e um tanto carcomidos.
E é aqui, caro leitor, que entra a referência ao clássico do cinema de 1950, um dos meus preferidos por sinal, A malvada, com Bette Daves e Anne Baxter: parafraseando Mae West, quando sou generosa sou ótima, mas quando sou má, ah... aí posso ser excelente e vil, como Eve.

Caros leitores, o veneno utilizado neste texto teve o patrocínio de TTTRIM... ;-)

* A frase original creditada à atriz norte-americana Mae West: "Quando sou boa, sou ótima, mas quando sou má, sou melhor ainda..."

domingo, 13 de novembro de 2011

Meu inferno astral 4 e as Satyrianas

Continuando nessa minha brincadeira meio de verdade, deliciosa, de contar a saga do inferno astral de uma mulher urbana, que vive numa das maiores metrópoles do mundo: independente, hardworker, workahoolic, com ativididades intensas, sociais e afetivas e familiares, que tem uma filha linda chamada Isadora...
O capítulo de hoje tem um toque meio Chapolim Colorado. Explico.
Ontem foi dia de Satyrianas. Prometi a minha queridíssima amiga Marcinha ir ajudar no seu bar do Parlapas, porque ela precisava de muitas pessoas, e me ofereci, afinal, sou quase sua irmã, já que ela é filha única. Eu disse que não queria receber, que ia mesmo para ajudá-la. Resultado: quase brigamos na minha saída às 4h da matina, ela me empurrando um maço de notas, e eu devolvendo a ela. O balcão lotado, impaciente, querendo que ela registrasse logo os pedidos e cobrasse, desisti.: Acabei vociferando um "Caralho!", pus o dinheiro no bolso e fui-me... Enfim, virei uma garçonete com diária!...
Bom, como nós sempre brigamos por causa de dinheiro, que fique claro: na hora de pagar uma conta no restaurante a briga é porque eu faço questão de pagar e ela também quer ter o prazer de pagar, no fim, vira um salseiro, mezzo Belezinho, mezzo Vila Maria. Quando vou pagar minha conta no Parlapas, também é briga na certa: Marcia, você está me cobrando menos! Ela fala alto: "Claro que não, eu abri o vinho!" Eu levanto a voz: "Eu quero pagar o vinho que tomei com você". As pessoas no balcão adorando o espetáculo... Bom, somos duas italianas carcamanas....
Mas por que Chapolim Colorado? Porque eu trabalho a vida toda com edição de livros, catálogos, exposições, revistas, teses, dissertações, essas coisas que você faz com tempo estendido, em que você raciocina muito antes de ter o produto final, faz e refaz tantas vezes, tem um tempo de Jó para corrigir o erro. Isto é, passo avida lendo.
Então, sou uma mulher que precisa de tempo para a resposta. Portanto, imaginem, eu ali, tendo que dar uma cerveja rapidamente, e calcular um troco: cerveja R$ 3,50, alguém deu R$ 100,00, isso em segundos... Chapolim Colorado total! :-) No início foi sussa. Mas lá pela madrugada, veio um rapaz e pediu duas coisas que davam R$ 6,50, e deu uma nota de R$ 50,00. Eu estava com fome e sede, sem glicose girando no sangue, não conseguia racionar, travou. Fiz o troco maior e o menor eu perguntei pra ele: "Olha, não tô conseguindo raciocinar... O troco menor que tenho que te dar você me ajuda?" Ele riu, simpático, e também demorou, contou nos dedos, e me disse o valor. Rimos juntos. Um riso solidário e humano.
Durante a noite que durou das 20h às 4h, eu meu amigo Leo servimos bebidas apenas, foi sussa.
Fora que, como detesto receber troco em moedas, porque detesto carregá-las, procurava poupar meus "clientes" quando começamos a ter de dar troco de R$ 2,00 em moedas de R$ 0,10... Eu quase chorava pedindo desculpas... Mas aí eles voltavam para pedir outra bebida e me devolviam aquela esmola sagrada que para nós era um tesouro...
E entre um e outro cliente, era possível conversar com algum conhecido. Essa foi a parte boa da noite. A primeira parte foi a melhor. Eu fiquei sozinha algum tempo no início, cerca de uma hora, e quase não apareceu ninguém para comprar nada. Sergio Mello, roteirista e dramaturgo, como um gentleman, percebendo minha solidão ali, me fez companhia e pudemos conversar bastante e trocar impressões sobre livros, autores, literatura, poesia e teatro e sobre amores também, porque estamos ambos recém-separados. Sobre autores, descobrimos em comum Raymond Carver. Prometi-lhe, e vou cumprir, passar-lhe um texto que há na revista serrote. Este gosto em comum (Carver) me fez pensar: este mundo é um bordado bem tramado e benfeito...
Fiquei ali 8 horas atrás daquela balcãozinho improvisado, às vezes sentada sobre ele. Levei uns livros, caso houvesse momentos de ócio: Valentiva, Anita (de Guido Crepax) e Inéditos e dispersos (de Ana Cristina Cesar), que prometi mostrar os três a meu amigo Leo, de 21 anos, que gosta de HQ e poesia. Para minha surpresa: muitos que chegavam para pegar uma cerveja se interessavam pelos livros... Sobretudo os HQ eróticos de Crepax, claro!
Mas houve uma moça que viu o livro de poemas de Ana Critina e me disse, comovida: "eu amo este livro". Eu respondi: "eu também, aliás, trabalhei nesta edição e nas outras todas que foram lançadas pela editora Ática da Ana Cristina Cesar". Ela me olhou bem nos olhos, demorou um pouquinho, e disse: "que felicidade a sua ter esse privilégio. Trabalhar com os textos desta poeta". Sorriu de um modo lírico para mim, como só alguém que gosta de poesia sabe. E se foi, um pouco bêbada, não etílica, que estava sóbria, mas inebriada da poesia de Ana Cristina que deve ter deslocado em sua mente milhares de imagens....
E depois vieram outras pessoas, umas bêbadas, outras sóbrias, umas engraçadas, outras nervosas, outras bacanas, algumas bem doces, meigas, simpáticas, outras super sussu, e uma bem agressiva, uma com uma moeda russa, que contou sua viagem a Moscou (na verdade, foram 3 viagens àquele país), e vieram pessoas conhecidas que de brincadeira beijavam minha mão dizendo que eu era uma dama ali naquele balcão improvisado... :-) Dizendo que iriam me tirar daquela vida -- fazendo alusão aos homens que tiram as mulheres de casas de prazer e as levam para ser a mãe de seus filhos... Uma festa, né, Glauco! E eu adorando.
Daniel, meu amigo biólogo, homem da ciência e escritor, me trouxe três revistas dos textos que ele publica, e comecei a ler ali mesmo, quando houve um momento de baixa nos pedidos. As pessoas deviam achar estranho: eu de óculos, num momento de descanso, em vez de descansar, carregava pedra lendo... em vez de visualizar a galera lá fora em pleno agito. Mas como Daniel, sou uma mulher das letras, gosto de mergulhar no agito das palavras... O agito lá de fora me interessava menos do que o agito da fusão das frases, sintaxe, estilo que havia ali no texto do meu amigo escritor... E que se registre aqui que ele foi o primeiro a ter o gesto cavalheiresco de beijar minhas mãos e sentir meu perfume. (Várias vezes.) Um gentleman!
Como a noite foi agitada, posso dizer que meu inferno astral foi leve, sussu.
Mas há em mim um leve estranhamento. Tanto que, na saída, aliviei com uma cerveja meu estresse. Tentei ali conversar com Marcos, meu recém-conhecido e engatamos uma conversa sobre os HQs, teatro, direção, roteiros, coisas que ele faz. Mas eu estava estranha, e por estar estranha, não quis que ele tivesse a impressão de que eu não estava interessada na conversa. Estava, e muito. Como normalmente estou. Mas em vez da festeira e tagarala Sandra Brazil, eu só ouvia e monossilábica, respondia... Pedi a ele que viesse me ver no domingo, que estaria lá de novo no balcão a servir clientes e amigos.
No momento de ir embora fui dar um adeus a um grupo, mas ainda conversei um pouco com eles (Mario Bortoloto, Fabio Brum, Sergio Melo e mais alguém de quem eu não soube o nome, sorry). Conversa ótima sobre cinema e gênero, mas eu era a única mulher ali, e uma mulher cansada de uma jornada dupla de trabalho, portanto, acho que fui voto vencido... rs
Sergio me apresentou ao Mario, mas eu lembrei que Mario me foi apresentado em um dia que eu, desastradamente, e bêbada, salpiquei uma "frase de bebum" (que Marcinha pôs no blogue dos Parlapas) justamente num contexto com o Mario! Que mico! Mas eu acho que estou perdoada, pelo abraço carinhoso que ele sempre me dispensa...
Eu queria ficar mais ali e desfrutar de um dos assuntos de que mais gosto: cinema, atores, diretores... Mas lembrem-se: jornada dupla de trabalho (porque trabalhei de dia num livro, como editora, e de madrugada, como garçonete), e há um estranhamento... Uma luz vermelha acende em mim e me diz: preciso ir para "the best place in town" -- minha casa. Beijo a todos com certa vontade ficar, mas saio furtivamente. À francesa, como sempre faço. Como Marcinha diz: sou profissa nessas coisas de desaparecer.

sábado, 12 de novembro de 2011

Meu inferno astral 3, os miosótis e "nem sempre sou da minha opinião"

Uma sagitariana, ou vamos dizer assim, eu, muda muito de ideia. Ou como diria Paul Valery: "Nem sempre sou da minha opinião". Trago isso como uma máxima, porque aprendi ao longo da vida, por inúmeras razões, alegres e tristes, que não devemos nos levar muito a sério.
Não somos nada. Estamos, isto sim. Pois apenas passamos por este território. Como uma pluma que ao vento passa por nossos olhos suavemente, e podemos vê-la ir-se, dando um adeus delicado, sem grandes tristezas, para partir para outros lugares e ser pluma a outros olhos, e ali, ela será outra, talvez tenha outro nome, não pluma, mas plumme, se chegar ao territõrio francês, por exemplo. Pronto, ela já não é mais! Está!
Enquanto escrevo vou ouvindo a melodia de que mais gosto: "In a sentimenta mood", quem quiser ler acompanhado por ela, é só clicar: http://www.youtube.com/watch?v=sR13ECD71xU
É uma melodia de pluma que passa, e fica.
Continuando... Portanto, como me imagino pluma deslizando no ar sobre território mundano, sei que "estou" várias coisas. Num lugar estou Tuntum querida e amada; noutro, estou configurada de outra forma e devo ser detestada por, talvez, boas razões do meu "detestador"; em outros, estou amada por homens sutis, que sensíveis me enxergam como vaso de cristal, e chegam lá no meu território mais sagrado, onde quase ninguém ainda chegou, e talvez por isso estes homens tenham aquela visão do paraíso de que fala Sergio Buarque de Holanda, porque a mulher "(...) é um livro místico /e somente a alguns a que tal graça se consente /É dado lê-la (...)" [trecho do poema de John Donne, "Elegia", trad. de Augusto de Campos]. Às vezes, estou pedra, opaca, e não posso ser amada, porque não posso mostrar o que tenho. Então, eles sofrem, ou eu sofro, ou sofremos juntos. Assim é. E não se pode fazer nada. "Estamos" fodidos ambos.
E como somos plumas deslizantes nesta vida, ora penso uma coisa, ora penso outra.
Hoje acordei pensando que fui injusta. Eu ganhei muitas flores, rosas, flores do campo, tulipas, minirrosas, arranjos em formatos os mais variados, enfim. Ingrata, rançosa, mimada, manhosa. Teu nome: mulher.
Portanto, decidi vir a público e me desculpar por esta ingratidão cibernética. Bits e Bytes destruindo momentos que foram importantes e que minha sanha enxergou nublado. Fui acarinhada sim com muitas flores.
E puxei fundo o fio de Ariadne na memória. Ganhei flores de todos os meus amados, em diversas ocasiões. Por que fui tão mimada ontem escrevendo tamanho despautério?
Porque estou no inferno astral! Só pode ser isso! E confesso: um pouquinho de TPM acompanhando esse ranço todo... :-(
E percorrendo minha memória com a ajuda de Ariadne e seu fio mágico, cheguei ao meu casamento. Eu tinha 20 anos, fazia a faculdade de medicina, estava apaixonada por ele, aquele homem 12 anos mais velho que eu que me desvendava o mundo e que me admirava como se eu tivesse 30 e soubesse de tudo! Ele considerava que eu já era uma mulher... Engraçado. Apaixonados, nos casamos e vivemos juntos 8 anos. No início, líamos juntos Fernando Pessoa, e ele ouvia pacientemente meus poemas daquela fase... Me lembro bem: aos dois meses de namoro ele me deu uma joia que guardo até hoje. Devia estar muito apaixonado... Mas flores... não me lembro. Ele não era do tipo romântico, era do tipo prático: "Sandra, vou te dar um computador de presente"; "Sandra, li na Folha que foi lançado O perfeito cozinheiro das almas deste mundo [livro fac-símile do diário da garçonnière de Oswald de Andrade e amigos]. Vou comprar pra você". Ele pedia para um office-boy ir lá comprar e me trazia de noite. Dizia: "Olha aí, comprei". Eu recebia, e não dizia nada, porque esse era seu jeito de me dizer: eu amo você.
No entanto, Ariadne me leva no recôndito mais profundo da minha caixa: foi este homem que me deu não uma flor, mas um jardim, que cultivo diariamente há 24 anos: minha filha Isadora. Ela é um imenso jardim de miosótis, flor que também se chama amor-perfeito. Como pude me esquecer disso? O grande amor da minha vida foi ele, com sua generosidade, quem me presenteou.
Nem sempre sou da minha opinião, como Paulo Valery. Ainda bem!
Estou desculpada?

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Meu inferno astral 2 e as flores que não recebi


Uma sagitariana em inferno astral é drama grego puro. Eu já disse isso. Não disse?
Estou cada dia mais grega. Exceto pelo biotipo ítalo-português, o restante grita em mim Odisseias, Ilíadas, Lisístrata, ou A greve do sexo...
Cada dia relembro algo que me fez uma ranhura, e aí lembro detalhes mínimos, e fico remoendo... Algo que não costumo fazer fora do meu inferno astral... que não tenho tempo pra isso. Quem me conhece, sabe!
Hoje é dia de lembrar que meus ex-namorados e maridos quase não me enviaram... ... ... .... ...... ...... flores!
Sim, porque uma sagitariana como eu adora receber.. ..... ........ flores!!
Casei-me cedo e fui casada alguns anos, e depois disso me abstive de morar sob o mesmo teto, mas não abro mão de das relações estáveis semicasamento, ou seja: namoros longos, estáveis, sem terremotos, muitas viagens, objetos e roupas um na casa do outro. Adoro! Isso quer dizer que tive muitos namoros ao longo da vida e um casamento também. Em que.... quase... não.... recebi... FLORES!
Sei que no inferno astral podemos ser ingratos, rançosos, e estou sendo acho, pois todos os meus ex me presentearam sempre de forma tão surpreendente e generosa, não poderia reclamar aqui. Já ganhei deles todos toda espécie de belíssimos presentes: livros de toda sorte -- de arte, literatura, livros raros encontrados em lugares raros; esculturas; quadros; roupas e sapatos lindíssimos (bem sex and the city!); objetos comprados em museus; ah! lingerie, algumas, bem escolhidas e delicadas; e joias, que adoro, algumas feitas sob encomenda só para mim....... só eu tenho aquela peça, daquele ourives... outra comprada em Madri, outra em Londres... umas pérolas lindas Grace kelly... e vou parar por aqui na lista dos presentes...
Como eu poderia reclamar? Meus ex todos foram singelos, amorosos, generosos em seus presentes.
Mas vejam, é meu inferno astral, e eu me lembrei no meu policialesco ranço que toma conta (só por estes dias, juro!) de que... quase... não recebi flores...
E além de meu inferno astral, lembrem-se, eu já disse em post anterior: Uma mulher é uma mulher, já disse meu caro Goddard...
Sou uma mulher manhosa e mimada, em pleno período de inferno astral. Dá licença!

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Meu inferno astral e Vinicius de Moraes



Pleno inferno astral. Sabem o que é isso para uma sagitariana? Não sabem? É um drama grego. Mas breve, faltam poucos dias, volto à normal jovialidade, disposição, alegria, otimismo e encanto sagitarianos.
Por enquanto, drama.
(Por que o Vinicius não foi cuidadoso ao escrever sobre as sagitarianas? Hum! Não gostei!)

SAGITÁRIO

As mulheres sagitarianas
São abnegadas e bacanas
Mas não lhes venham com grossuras
Nem injustiças ou censuras
Porque ela custa mas se esquenta
E pode ser muito violenta.
Aí, o homem que se cuide...
- Também, quem gosta de censura!

(Vinicius de Moraes -- A mulher e os signos)

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Mr. Hyde, Manoel de Barros, Magu e a sincronicidade

Não entendo bem por quê, mas recebo uma lanhada dessas de arrancar o rabo do dinossauro. Me pergunto: para quê? A estupidez humana é realmente algo a ser estudado em laboratórios de médicos e o monstros -- tubos de ensaio, Bico de Bunsen, junto com drosóphilas melanogáster, ácido acético e ácido clorídrico, pinças longas de dar medo, tudo isso escaldante e explosivo, para que as reações levem a conclusões obtusas e rápidas. S'il vous plait!
É preciso rápido mas muito rápido entender a natureza humana e montar um manual prático. Traduzir em todas as línguas! Imprimir 6,7 bilhões de cópias! E distribuir ao redor do mundo...
Estou com uma amiga querida, e acabamos de sair de um lançamento de um livro de um amigo querido também. Estou cercada de gente do bem, que me ama e só quer que Tuntum (eu -- este é meu apelido entre amigos íntimos) seja feliz. Mas eis que subitamente sou atacada pelas costas por um Mr. Hyde pós-moderno, fugido de seu laboratório-tormento. Enquanto converso alegremente com minha amiga no café, nossos livros autografados nas mãos, felizes por nosso reencontro, vejo que Mr. Hyde fugiu de seu esconderijo e deve ter tomado sua poção diabólica. A humanidade corre sério risco. A distância, seu rastejar me incomoda. E pronto. Mr. Hyde fez seu estrago. Não digo nada, mas ponho um band-aid imaginário para me proteger, sal grosso, alho e uma cruz. E calo. Penso: que merda, cara!
Me despeço da querida e ainda tenho outro compromisso. O band-aid imaginário incomoda. Compromisso terminado, vou para casa, e é aqui que começa o melhor desta história...
No café eu e Magu falávamos de Manoel de Barros, sua poesia, as palavras, a verdade, a mentira das palavras, a verdade das palavras. Coisas de passarinho e árvore e palavras que voam e que voltam. Essas conversas boas que só podemos ter entre amigos.
Mas nisso, fui atropelada pelas costas por um bonde chamado Hyde. Tamanho foi o impacto, já que não esperava, nem sei mais se troquei de assunto, tão atrapalhada fiquei. Mas os amigos, essa gente do bem que se constrói em círculo a nosso redor ao longo da vida, e isso se conquista, são nosso escudo (como São Jorge e seu cavalo desmantelando o dragão -- que também faz lá as vezes de um Mr. Hyde muito chato e inconveniente, como este que lhes descrevi anteriormente). Aliás, os Mr. Hydes deveriam estar bem trancados a chave por fora em seus laboratórios: eles entrariam ali Dr. Jeckyl sedutores, fizessem lá suas estripulias com as poções, estrebuchassem, se transformassem, mas ficassem lá dentro se debatendo nas paredes, sem fazer mal nenhum às pessoas ou à sociedade em geral. Pronto, tudo resolvido.
Mas todo mal nunca é tão vil quanto parece ser. Quando abro minha caixa de e-mails ao chegar ao meu chatô, a belíssima, chiquérrima e intelectualizada Magu havia me escrito, e sincronicamente a delicadeza de suas palavras e a poesia de Manoel de Barros me arrebatam e secam com mel minha rachadura:

Tuntum,
Eu fiquei muito feliz de ver tão bem. Obrigada pelo café e pelo presente. Estou ansiosa para ler o Carrascoza! Enquanto isso, seguimos com Manoel de Barros, em seu Livro sobre nada:

"A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá
Mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força
Existem
Nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação
perde o condão de adivinhar: divinare.
Os sabiás divinam"


Eu, a Tuntum aqui, quero para mim a clareza e a delicadeza dos sabiás.