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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

sábado, 19 de novembro de 2011

Um duelo de cavaleiros

É manhã de sábado.
Chego em casa lá pelas 6h. O dia amanhece com suas tintas azuis, e saio do meu programa apenas com uma taça de vinho a circular nas artérias. Antes disso, uma hora antes, apenas menos de meio copo de cerveja gentilmente oferecido por Henrique, que eu não pude agradecer como deveria, um gentleman. E que também me ofereceu seu brigadeiro, que era o último da caixa. Encantador e gentil, como me disse alguém... Um simpatia.
Durante a noite toda três garrafas de água. Eu realmente não sou boa bebedora (além de outras coisas em que não sou boa também...).
Pego minhas coisas, bolsa e tudo e mais e pergunto a Marcinha como se chama a pessoa que me deu o copo de cerveja e o brigadeiro, algo tão simpático... Ela mal consegue pronunciar a primeira letra e ouço à minha esquerda a voz masculina e irônica: "O nome dele é Gentil"... Marcinha ri e diz o nome de meu simpático presenteador: Henrique. Antes de sair, irei lá agradecê-lo. Mas ela insiste pra que eu não vá ainda, é cedo etc. E pede ajuda e coro à voz masculina irônica que nomeou meu presenteador, que então diz: "Tome mais alguma coisa".
Nem ia tomar a tal taça de vinho, mas o galante cavaleiro medieval, não sei bem ao certo agora por quê, a memória me falha por questões óbvias (passam das 6h da manhã), decidiu superar o gesto do meu "gentil" oferecedor de cerveja e brigadeiro, e eis que pediu que Marcinha enchesse uma taça de vinho, me oferecendo esta bebida da noite. Surpresas masculinas.
Marcinha disse a ele e insistiu que eu não aceitaria, que me conhecia havia anos, que eu jamais aceitava que me pagassem algo, nem mesmo ela etc. etc. Eis que o cavaleiro medieval à minha direita aprumou-se em sua armadura e eriçou seu cavalo e endureceu (!) num gesto de quem não se deixa vencer assim tão facilmente: "Marcinha, ponha o vinho para ela!". Isso foi dito num tom masculino que eu não tinha ouvido antes. Audível a distância. Foi intenso e provocador. Um ecoar cavernístico do cromossomo Y...
Ela ainda tentou redarguir: "Eu conheço a peça, ela não vai aceitar. Vou abrir um vinho com ela e dividir depois...".
Mas algo mexeu com meu quinhão feminino. Senti a empunhadura do cavaleiro que tinha diante de mim, e a envergadura de sua armadura e de sua determinação. Parei por um instante o tempo fictício da narrativa. Encostei-me no balcão, como uma donzela em sua varanda, mirei-o de norte a sul, interrompendo no leste e no oeste. Ambos ficaram ali, meio sem respirar e falar (o que Tuntum faria depois disso?), não souberam muito o que fazer, a não ser esperar minha reação demorada, num silêncio estranho e abafado. Fitei-o mais uma vez, para tomar minha decisão muito importante naquele momento. Afinal, eu era o centro da questão de um duelo (imaginário) de cavaleiros, e um deles estava para superar o ato do outro por um triz. Bastava eu dizer sim.
"Sim." Ele podia me oferecer uma taça do vermelho que havia na adega de Marcinha.
Houve um ruptura na narrativa, percebi, pois não se esperava essa minha resposta da parte de dentro do balcão. Marcinha talvez não me perdoe as inúmeras brigas na hora de pagar a conta -- jamais deixo ela me pagar nada... (Marcinha, ouça: ali era um duelo de cavaleiros...)
Da parte de fora, o orgulho masculino teve seu momento de glória, e a sensualidade feminina pôde desenhar os espirais de seus mimos. Agradeci e tomei o meu primeiro gole com olhinhos de Louise Brooks -- muda. Que é o que se deve fazer nessas horas, depois de um duelo.
Acabei ficando ali naquele balcão em que se contam muitas histórias, onde se começam e terminam histórias de amor ou menos que isso, onde acontecem coisas que ninguém acredita, coisas que o diabo gosta, e onde Marcinha é um show à parte -- um stand up comedy caseiro.
Não houve vencedores nem perdedores neste duelo, porque não era esta a intenção desta história que estou contando a vocês. Mas o orgulho masculino, meus caros, é como uma arena de cavaleiros, rodeado por uma plateia imaginária urrando glórias ao vencedor. O cromossomo Y tem essa força. E nós, mulheres, em certas situações, adoramos...
O medievo que pintei aqui é apenas uma tinta para dar mais mais cor à narrativa. Afinal, quem não gosta de uma história de cavaleiros?

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