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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Telegrama

Faz frio. A cidade é inóspita, um dragão a nos expelir de sua boca fumegante: legiões são cuspidas das portas dos metrôs e dos ônibus diariamente aos milhões, cozinham lentamente no congestionamento, mal dormem e já acordam para seu destino que não se sabe para quê.
Viver é para os fortes, no entanto, a vida pode surpreender.
Manter nosso paraíso, essa ilhota de calma e sensibilidade, não é tarefa fácil. Um território sagrado. Uns chamariam isso de riqueza. Eu chamo de esperança.
Quando tudo parece perdido, é esse pedacinho sagrado que aponta caminhos e veredas.
É nesse território que se tecem diariamente nossos sonhos e nossas esperanças.

Pois hoje é sexta-feira. De uma semana dura, de um mês difícil. Mas eu disse, meus caros: a vida surpreende. E é nessa oração de três palavras que moram as alegrias.
Tomo o metrô lotado para voltar do trabalho. Estou doente e cansada. Olho a meu redor e não posso deixar de pensar: a humanidade perde seus melhores anos em cidades intransitáveis, em metrôs lotados, saindo tarde do trabalho, em vidas que não são suas.
Estou hoje num sentimental mood, como diria Duke Ellington em sua belíssima canção. Então, bem longe de meu paraíso perdido, luto para entrar no ônibus que me levará para casa. Meu corpo parece anestesiado por essa vida que não é minha. "Eu quero mais..."
Desço no ponto e caminho três quadras, apressada entre semáforos que me pegam desprevenida. Passo diante de dois bares lotados de gente sorridente com copos na calçada, ali eles afogam sua desilusão. Meus passos são lentos. Já é tarde. Quero chegar em casa, terminar um trabalho que estou devendo e está atrasado, e dormir, sem grandes esperanças de algo melhor para esta sexta-feira.
Vou chegando diante da gaiola onde moro, isso que chamam de condomínio -- gaiolas, repletas de belos pássaros empoleirados, que não cantam. Passo a mão e desajeito meu cabelo, um gesto-tique que tenho quando algo não vai bem dentro de mim. Meu caminho está traçado nesta sexta: nada de novo no front.
Mas a felicidade... ah a felicidade, meus caros. Ela não avisa quando chega, nem quando vai. E nossa busca incessante nesta vida é tentar estar no lugar certo, na hora certa, com o pretinho básico certo, para divisar essa senhora que nos presenteia com sua visita.
Cruzo o portão de entrada e subo a rampa, meu corpo cansado não quer obedecer meus sinais. Vai devagar, meio se arrastando em direção ao elevador. Antes que eu toque o botão, o porteiro me chama: "Sandra...." E é aí, nesse exato momento, que meu território sagrado me dá o sinal.
Giro e volto, ele tem algo nas mãos. Ele me diz: "correspondência pra vc." Olho em suas mãos. É um telegrama. Penso: "Ainda existem telegramas..." Meu coração dá um pulinho tímido. Como eu, está louco pra que a vida nos surpreenda. Ponho os óculos no trajeto do elevador que me leva ao 15o andar. Abro o envelope-telegrama, leio três palavras mágicas. E então meu paraíso desperta e minha sexta toma outro rumo.
O rapaz a meu lado pergunta, eu ainda perdida naquelas três palavras, se vou descer.
Eu respondo que não. Ele não sabe, e sequer está preocupado com meu pequeno destino, mas hoje eu tenho um encontro. Com a tal felicidade.