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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Sisters e a felicidade em Mannhatan

Sisters...

Era uma neve brutal lá fora, e ventava tanto que o cachecol tinha que cobrir os lábios para que eles não rachassem, e tinha que segurar forte o tal e a mão da filha, pois eu tinha muito medo de perder pelas ruas da Broadway ambos. Uma luta contra neve, vento, cachecol, frio. Isadora tinha dificuldade de segurar na minha mão por causa de uma luva grossa que eu tinha comprado pra ela na banca de um camelô, porque nem deu tempo de chegar a uma loja, tamanho o frio daquele ano. Fiquei de comprar uma mais bonita e melhor, ela preferiu ficar com aquela -- sempre uma filha econômica; me disse que só iria usar aquela vez, pra que precisava de uma luva melhor? Ela pedia: "Mãe: vamos, tô com frio..." Mas a Grande Maçã, mesmo com neve, é um convite contínuo, e ainda que uma escorpiana caseiríssima, apesar de querer voltar pro calor do quarto do nosso hotel meia-boca (era o que cabia em nosso curtíssimo orçamento daqueles tempos bicudos), Isadora oscilava entre isso e brincar com as camadas e camadas de neve do Central Park e das ruas de Mannhattan, ou, simplesmente, ansiosa, esperar a neve cair. É incrível. Vai ficando mais frio, mais frio, muito frio. De repente, aquele milagre da natureza em forma de flocos de algodão muito brancos preenche o céu, as ruas, as avenidas, o verde que ainda resiste, os telhados... as pessoas, mesmo as mais apressadas, fazem uma pausa em seu trajeto para ver esse fenômeno da natureza. Tudo fica imaculadamente branco. (Apesar do dayafter sujérrimo e enlameado.) Mas Isadora estava mesmo cansada de um dia de escorregar demais nas ruas enlameadas de pós-neve, de meu aperto duro na sua mão
pra não perdê-la nas margens do Times Square, enfim: muita roupa, luvas, botas, casacos... E, claro, cansadas psicologicamente do preconceito cotidiano nas mínimas coisas contra essas duas morenas que nem parecem italianas, nem parecem portuguesas, nem parecem brasileiras, nem parecem iranianas -- somos uma mistura que ninguém define. Mouras, eu diria; e isso, naquele tempo anterior à tragédia das Torres Gêmeas, era um problema na chegada, no durante e na saída... Todos eram grosseiros conosco. Afinal, não éramos loiras nem fúteis nem superficiais. Nem éramos arrogantes, como se deve ser com pessoas desse naipe, para que sejamos respeitados num país pronto para o preconceito com 'xicanos', árabes, negros e afins. Nesse "mood" de cansaços, caminhando para ir embora num fim de tarde escuro e garoento, uma luzinha brilhou "tlintlim"... a loja estava fechando.. Era um minilivro, o título: "Sisters". Pedi ao moço com a barra de ferro na mão, que descia a porta: "Please, let buy just this minibook for my sister that is in Brazil, she'd love it..." Eu na verdade estava esperando um belo e redondo "Go to hell", tamanha tinha sido a experiência de grosserias na Big Apple até aquele momento... Estava calejada. Sou supertímida, e não arrisco perguntas quando acho que vou levar um não, e arrisquei sem querer, saiu assim, do nada. Pois aquele moço de seus 40 subiu a porta de ferro sorrindo: "I love Brazil and Brazilians, nice people... you'll have your minibook for your sister!" Não acreditando naquele minimilagre de Natal (pois sempre que perguntavam e eu dizia ser brasileira o tratamento era ainda pior na NYC daquela época, avessa completamente a brasileiros). Pois comprei meu minilivro PARA MINHA "Sis", e, pasmem, foi o único desconto que tive em toda aquela viagem... (exceto no outlet, mas este não vale, porque outlets já são por natureza lojas de descontos!) Isadora ficou num cantinho olhando as quinquilharias da loja e seu rosto, mais vermelhinho e contente... Na saída, ele me deu a mão e perguntou:"Quer que eu faça uma foto sua e de sua filha? Aqui é um lugar bom pra se fazer uma foto..." Estávamos em frente do Radio City Music Hall... Eu sequer tinha me dado conta. Como eu disse, sou uma extrovertida-tímida, não costumo incomodar ninguém pra pedir pra tirar fotos e essas coisas. Fomos clicadas em meio a flocos de neve que caíam, com o néon do Radio City ao fundo. Um sorriso feliz, descansado, como bebês recém-saídos do colo da mãe. Pois esta foto está na minha estante. Aquele lojista de Mannhatan não tem ideia: ele fez o registro da única foto que temos juntas daquela viagem, já que aqueles não eram tempos de i-phones e celulares, em que nos fotogramos tão facilmente sem ajuda de ninguém... Nossa foto de costas para o Radio City Music Hall mostra uma morna felicidade. Mostra que em Manhattan não há só frio e neve no inverno. Há um calor que não se pode explicar com palavras. Mas está guardado naquela foto e no minilivro "Sisters".