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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

sábado, 30 de julho de 2011

Consumido pelo ódio

Hoje é sábado e fui a um dos lugares que digamos, não gosto, num dos piores dias da semana pra se fazer isso (o sábado), pra comprar algumas coisas pra fazer uma salada. Um casal de amigos me convidou pra jantar. Fui pensando aquelas coisas implacáveis: já sei, terá aquela turba de pessoas frequentadoras de sábado, as crianças dirigem os carrinhos livremente e fisgam nosso tornozelo, os pais não dizem nada. Além disso, você não consegue transitar. Você sabe, o mundo está superpovoado, não bastasse isso, as pessoas não estacionam seu carrinho civilizadamente, elas o abandonam em qualquer corredor, atravessado, sem qualquer cuidado, sem pensar no próximo cidadão que passará por ali e terá que interromper o trajeto e retirar o trambolho do caminho.
Ora direis: pessimista com a humanidade. Confesso: deveras.
Bem, rumo às gôndolas, tento pensar em coisas boas, as gôndolas de Veneza, por exemplo. Não posso, pois a cada 3 minutos, tenho que manobrar carrinhos alheios. As crianças derrubam e esparramam especiarias, latas, toda sorte de secos e molhados no chão sob o olhar anestesiado de seus genitores. Eu me exaspero, faço um detour com meu carrinho para não cometer qualquer coisa violenta ou agressiva verbalmente em relação àqueles pais.
É manhã ainda, mas dentro de mim, o clima esquenta.
Pego rapidamente meus molhados e secos e vou para a fila do caixa. Calada, querendo sumir dali, sou obrigada a observar ao redor para passar o tempo, pois a fila é longa. As pessoas estão "à vontade" (expressão "roubada", sorry). Mas como se estivessem não em um supermercado (o lugar de secos e molhados), mas em sua residência, vendo um DVD, cortando as unhas, em seu lavabo. Hello!!! O espaço público ainda não é o privado!
Só três olhares ao redor, meu estômago embrulha: uma mulher na fila ao lado retira algo dos dentes com as unhas (algo que ficou do café da manhã). Tendo tempo ali, ela se apropriou do espaço público para fazer sua higiene bucal. Sinto meu rosto ruborizar. Tenho vontade de dizer àquela mulher que isso não se faz em público, e que em geral se faz isso com fio dental!
Viro o rosto para não tomar nenhuma atitude. Realmente aquilo está mexendo comigo. Mas assim que faço isso, vejo um rapaz de uns 20 anos, carregando um composto de 12 latas de cervejas, pedir a uma senhora de cabelos bem brancos se ela não poderia deixá-lo passar na frente, pois ela estava com um carrinho de compras e ele, coitadinho!, apenas com um volume (de cervejas!)... tive que me conter, para não vomitar. Quis gritar para aquele jovem de classe média alta se desconhecia a prioridade dos idosos, se ele não sentia vergonha do estava fazendo, se ele gostaria que fizessem isso com sua mãe ou avó. Mas Deus ouviu a minha fúria, e a senhora de cabelos brancos, mais sábia que eu, calmamente disse a ele: "não".
Nesse ponto, eu já estava embalada pelo filme estrelado por Takeshi Kitano, Consumido pelo ódio*,já havia ultrapassado qualquer barreira para voltar ao bom senso e à razão que costumam me acompanhar no dia a dia e que me fazem sempre que possível refletir, ponderar, ser complacente, paciente e educada, por vezes, preferir não entrar numa briga inglória. Eu estava assim.
Fechei todos os meus canais para não receber mais aqueles estímulos nefastos até sair do súper. Paguei. Desci com meu carrinho pelas esteiras. Ingenuamente, considerei que ali terminava esse pequeno calvário.
Me postei na fila para validar o tíquete de estacionamento. A senhora de cabelos brancos, aquela que disse não ao maluco da cerveja passou antes de mim. Enquanto validava seu tíquete, o rapaz do caixa viu passar um colega ao longe e gritou bem no rosto da senhorinha: Ô, Ô, Ô! O colega não ouvia. Assoviou então, a senhora ainda diante dele, impávida, parecia ter-se acostumado a esses modos grosseiros.
Chegou a minha vez, e lembrem-se, eu estava consumida pelo ódio, como o personagem de Takeshi Kitano. Senti minha sobrancelha esquerda levantar de maneira hostil e grave (isso só acontece quando me enfureço). O rapaz não entendeu porque me disse bom-dia e lhe enderecei um ar glacial. Não consegui dizer nada, emudeci, tamanha era a avalanche daquele dia.
Validado o tíquete, não disse nada, andei três passos com o carrinho. Mas tomada por um ódio terrível a toda essa humanidade descuidada, "à vontade", deseducada, sem limites, voltei em ré.
Quando dei por mim, bati forte com minha mão pesada duas vezes no balcão, não para ser rude, mas talvez para fazer aquele moço despertar de sua ignorância. Fui dizendo, num tom baixo, mas cruel e furioso: "Olha aqui, sua família não deve ter lhe ensinado, mas preste atenção, vou lhe ensinar agora: nunca, mas nunca, jamais, se deve gritar 'ô ô' ou assoviar no rosto de alguém, sobretudo no local de trabalho, diante de uma pessoa estranha, ainda mais se for um cliente, e sobretudo se for alguém mais velho que você! -- Ele estava mudo. -- Aqui é seu trabalho! Não é sua casa. São coisas bem diferentes! Aprenda isso para o resto de sua vida."
O rapaz de olhos negros como a "asa da graúna" não deu um pio, certamente, alguém deve ter-lhe ensinado a respeitar os mais velhos. Ele escutou humilde, enquanto eu dizia baixo, mas cruelmente (e me arrependo disso), aquelas palavras brutais que o atingiam como uma avalanche que não lhe pertencia totalmente. Ele merecia um décimo daquilo tudo, e se possível, dito com didática, para que ele tivesse ao menos a chance de aprender com aquela parafernália dita por mim.
Mas, afinal, desacreditada da humanidade, eu estava consumida pelo ódio, e enderecei toda minha fúria contra os homens sobre um rapaz pobre e indefeso detrás de um balcão. Qual será minha pena>

* Em Consumido pelo ódio, Takeshi Kitano, que normalmente trabalha atrás e diante da câmera, é apenas ator sob a direção de Yoichi Sai. Takeshi apresenta uma das performances mais impressionantes de sua carreira, no papel de um patriarca que se torna um monstro brutal. O filme foi candidato oficial japonês ao Oscar. É uma história implacavelmente sombria sobre um coreano, Shunpei, que migra para Osaka no início dos anos 1920, quando jovem, e não permite que nada se interponha no caminho de sua ambição implacável. (Trecho adaptado de: .)

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Bicicleta

Minha mãe deu para distribuir entre os filhos as toalhas de mesa de seu enxoval, guardanapos de linho, toalhinhas de bandeja com rendas. Estranhei. Minha filha tem lá suas teorias que vêm da psicologia. Eu aceito de bom grado. Confesso que desde criança cobicei as peças da sua arca, em que ela guardava as peças que trouxe quando veio para São Paulo se casar com meu pai. Então, adoro ter minha cama coberta por uma colcha bordada a mão, supervintage.
O meu pai não tem muitos objetos pra dar, os poucos que amealhou ao longo da vida, perdeu, porque é muito distraído. Ele me prometeu um óculos Ray Ban há cerca de dois anos. Fiquei contente, era muito bonito. Bingo! Ele perdeu não se sabe onde nem quando. Não tem problema. Eu não ligo pra isso. Mas na falta dessas coisas materiais, ele tem muitas histórias, e acabo de me lembrar de uma bem engraçada que ele me contou.
Ele era adolescente. Trabalhava no meio da semana, e não tinha muito dinheiro, porque sustentava a casa. Então ele emprestou de um amigo uma bicicleta. E foi uma delícia, porque ele se sentiu seguro depois de um tempo, e passou a dar mais velocidade e ganhar a rua e descer a avenida do bairro... de repente, ele tentou frear, foi impossível.
Quando deu por si, ele invadiu uma cozinha em que uma família almoçava. Por sorte havia uma viga de madeira em que ele pôde se segurar. A bicicleta seguiu seu destino rumo à mesa. E seguiu-se um silêncio constrangedor. Ele dependurado naquela viga.
É delicioso ver o jeito de ele contar essas histórias. Pontuando as frases como se estivesse escrevendo, virgulando, fazendo pausas. Há sempre um suspense e o desfecho é sempre muito engraçado, apesar de sua grande timidez.
Então, agora eu serei sua bicicleta, seu Heitor, e transmitirei ao mundo as suas belas e deliciosas histórias.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Epitáfio

Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer...

Queria ter aceitado
As pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria
E a dor que traz no coração...

O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...

Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor...

Queria ter aceitado
A vida como ela é
A cada um cabe alegrias
E a tristeza que vier...

O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...(2x)

Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr...
(Sergio Britto)

Ainda há tempo...

terça-feira, 26 de julho de 2011

Um aviso do tempo

O tempo me mostrou hoje, há poucos minutos, suas garras de metal. Eu estava cantarolando quando atendi um telefonema e do outro lado da linha alguém disse:
"Senhoooora (é assim, bem marcado, pra você entender que envelheceu, apesar de se sentir ainda jovial), a Caixa estará disponibilizando para a senhooooora um seguro de vida com inúmeros benefícios, inclusive um auxílio funeral, para garantir um apoio à família neste momento, um auxílio cremação..."
Exatamente nesse momento, a voz da tele-sei-lá-o-quê se tornou distante como num filme...
Não respondi.
Pus o telefone no gancho.
Eu não estava pensando em morrer.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Vejo você no próximo verão

Saí do cinema realmente surpresa com a primeira direção de Philip Seymour Hoffmann em Vejo você no próximo verão. Nada estonteante como os grandes diretores do cinema clássico, mas a delicadeza pairou ali, certo cuidado se percebia a todo instante. Começou pequeno, tímido e os personagens cresceram, não para se agigantar como nos grandes filmes, mas o suficiente para simpatizarmos com Hoffmann e querermos o melhor para os personagens.
A vida pequena, cotidiana, dura, marcada pela invisibilidade dos hardworkers de Nova York tem uma fatia pequenina contada ali, sob os rigores do inverno. Os amigos Jack e Clyde dirigem as limos que carregam os endinheirados pelas ruas de Manhattan enquanto Lucy e Connie se desdobram para vender uma espécie de serviço funerário sob a administração do bossal doutor Rob. Sem dúvida, no miolo de tudo, o que se tentou mostrar foram a amizade, a solidariedade, os vínculos entre quatro pessoas que vivem numa metrópole duríssima como a big apple.
Mas o ápice do filme para mim teve um sabor inimaginável: toda uma sequência belíssima acontece no maravilhoso hotel Waldorf Astoria, no saguão art déco, onde confeiteiros vestidos de branco desfilam em câmera lenta iguarias doces. A própria arquitetura é locação onírica. A cena emociona.

***

A primeira vez que fui a Nova York, quis ao menos tomar um café no salão de chá do histórico hotel, que vi nas revistas de minha infância. Qual! A grana era curtíssma. Acabei trocando os bucks que seriam gastos ali por uma ursa polar branquíssima de chachecol verde com filhote para Isadora. Isa amou e dormia agarrada com ela durante anos. A ursa existe até hoje, guardada aqui em casa, lavada e bem cuidada. (Quando os filhos vão morar sozinhos, eles legam às mães suas memórias. E as mães fazem questão de guardá-las, porque as memórias são delas também.) Na segunda vez, não houve tempo para a visita tão desejada ao longo dos anos. Eis que recentemente aconteceu! Pisei naqueles mármores repletos de história, aquele hall belíssimo, arte transpirando em cada recorte. Não vou esquecer. Pra quem gosta de arquitetura, história, arte, cinema, belle époque, art déco, aquilo foi uma taça transbordante, repetida.
Nessa estada, nos dias dias que me hospedei ali, aproveitei além do êxtase diante de cada detalhe da edificação, um pouco da história que fui lendo e recolhendo aqui e acolá. e contarei em outro post. A primavera em Nova York torna a cidade diferente do que nas outras estações: menos arredia, me parece. Menos hostil. Nem o calor opressivo do verão, nem o frio difícil de enfrentar no inverno para quem não está acostumado, como nós, latinos. Nesses dias, aproveitei a exposição (póstuma) de Alexander MacQueen no MET, caminhei pelas ruas sem pressa, observei ao longe as pontes sobre o Hudson, visitei com calma os museus da cidade, tudo o que Nova York oferece de melhor nessa estação deliciosa, cheia, repleta de flores.

***

Em Vejo você no próximo verão, como as estações do ano, Connie e Jack vão percorrendo devagar o caminho que leva ao encontro; Clyde e Lucy, ao contrário, seguem sua curva descendente e vertiginosa em sua relação, um caminho sem volta. Vamos testemunhando a teia muito delicada do sentimento que une de um modo meio desajeitado, mas simpático, Jack e Connie, e paralelamente somos metralhados pela violência e o desdém impregnados no fim da relação do casal de amigos. A conclusão é simples como a vida: é preciso que algo morra, para que o que é novo possa nascer e florescer. Assistam, vale a pena. Além de um excelente ator, Hoffmann se mostra nessa primeira direção direção um "maestro" delicado e sutil.

sábado, 2 de julho de 2011

Sábados, e a arte da gastronomia

Bom, é sábado, e o o roteiro hoje foi um país desconhecido pra mim.
Tem jantar aqui em casa, e resolvi, depois de muito repetir meu prato velho conhecido, inovar.
A chef Heaven Delhaye é linda, gostosa, deve ser cheirosa também, (acho) e dá dicas ótimas de gastronomia. Preguei na tela o dia que ensinou, num jeito muito despachado, como fazer cambembert e geleia de pimenta, embrulhados em massa folhada pincelada com ovo para dourar. Decidi apostar no prato pra hoje.
Bom, não gosto de acordar cedo de sábado, mas lá fui eu ao Mercado Municipal buscar os ingredientes para minha empreitada. Chegar de carro ao Mercado é uma aventura à parte. Muito trânsito, não há onde parar o carro, os estacionamentos estão lotados. O que fazer> Bom, dei umas voltas, e de repente, estava fincada com os dois pés no mercadão, em meio a um mar de gente, de aromas, de imagens, sons. O moço que me vendeu os queijos me disse: "Nossa, hoje tá sussa!" Como assim, sussa> Eu estava tropeçando nas pessoas com suas compras e parentes e amigos...
Compra feita, volto pra casa. Mas é aí que veio a surpresa. Ao cruzar a avenida do Estado para fazer o retorno em direção à Marginal, entrei na rua Santa Rosa. Meu deus, ali é outro país. Parecem os armazéns de minha infância: arroz, feijão, grãos, temperos, tudo a granel. Um pouco antes, no caminho para o Mercado, no Bom Retiro havia um quarteirão só de máquinas de costura; na sequência, outro só de manequins para lojas; antes ainda, espelhos, molduras etc. Eu, uma palistana da gema, nunca havia passado ali...
Mas na rua Santa Rosa eu fiquei, confesso, perplexa. Você passa pelo Gasômetro, que é um museu a céu a aberto. Meu pai diz que quando era pequeno via as mães que tinham filhos com problemas respiratórios trazê-los ali, pra ficar respirando aquele ar gasoso, sei lá composto de quê... Meu pai passava sempre por ali quando era menino, a pé e fazendo molecagem com os amigos.
Depois, quando chegamos na Santa Rosa, há paredes de tijolos aparentes, uma feira livre que parece um mercado com uma ruína de tijolinhos amarelos no meio. Onde estou> Outro país>
Bom, desembrulho meus achados gastronômicos. Tudo dominado, abro um meio tinto pra relaxar. Torçam, sou uma cozinheira meia-boca... :-(

Quintas, dia de arte e bem-querer

Quinta-feira foi dia de Saul Steinberg...
O livro seguiu seu caminho até a rua Tupi. Lá, foi descascado como cebola, observado, visto, acarinhado, as páginas foram passadas, uma a uma, com prazer físico nesse gesto. Um fetiche. Uma fita de seda, um potinho de carmim. Não, é Saul Steinberg.
Se eu soubesse que os olhinhos ficariam marejados, não teria feito uma surpresa assim. É. O artista da New Yorker é supreendente, o que fazer...
O tinto acompanhou de soslaio toda a progressão. Na mente, só um pensamento: "Evoé, Baco!".