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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

domingo, 13 de novembro de 2011

Meu inferno astral 4 e as Satyrianas

Continuando nessa minha brincadeira meio de verdade, deliciosa, de contar a saga do inferno astral de uma mulher urbana, que vive numa das maiores metrópoles do mundo: independente, hardworker, workahoolic, com ativididades intensas, sociais e afetivas e familiares, que tem uma filha linda chamada Isadora...
O capítulo de hoje tem um toque meio Chapolim Colorado. Explico.
Ontem foi dia de Satyrianas. Prometi a minha queridíssima amiga Marcinha ir ajudar no seu bar do Parlapas, porque ela precisava de muitas pessoas, e me ofereci, afinal, sou quase sua irmã, já que ela é filha única. Eu disse que não queria receber, que ia mesmo para ajudá-la. Resultado: quase brigamos na minha saída às 4h da matina, ela me empurrando um maço de notas, e eu devolvendo a ela. O balcão lotado, impaciente, querendo que ela registrasse logo os pedidos e cobrasse, desisti.: Acabei vociferando um "Caralho!", pus o dinheiro no bolso e fui-me... Enfim, virei uma garçonete com diária!...
Bom, como nós sempre brigamos por causa de dinheiro, que fique claro: na hora de pagar uma conta no restaurante a briga é porque eu faço questão de pagar e ela também quer ter o prazer de pagar, no fim, vira um salseiro, mezzo Belezinho, mezzo Vila Maria. Quando vou pagar minha conta no Parlapas, também é briga na certa: Marcia, você está me cobrando menos! Ela fala alto: "Claro que não, eu abri o vinho!" Eu levanto a voz: "Eu quero pagar o vinho que tomei com você". As pessoas no balcão adorando o espetáculo... Bom, somos duas italianas carcamanas....
Mas por que Chapolim Colorado? Porque eu trabalho a vida toda com edição de livros, catálogos, exposições, revistas, teses, dissertações, essas coisas que você faz com tempo estendido, em que você raciocina muito antes de ter o produto final, faz e refaz tantas vezes, tem um tempo de Jó para corrigir o erro. Isto é, passo avida lendo.
Então, sou uma mulher que precisa de tempo para a resposta. Portanto, imaginem, eu ali, tendo que dar uma cerveja rapidamente, e calcular um troco: cerveja R$ 3,50, alguém deu R$ 100,00, isso em segundos... Chapolim Colorado total! :-) No início foi sussa. Mas lá pela madrugada, veio um rapaz e pediu duas coisas que davam R$ 6,50, e deu uma nota de R$ 50,00. Eu estava com fome e sede, sem glicose girando no sangue, não conseguia racionar, travou. Fiz o troco maior e o menor eu perguntei pra ele: "Olha, não tô conseguindo raciocinar... O troco menor que tenho que te dar você me ajuda?" Ele riu, simpático, e também demorou, contou nos dedos, e me disse o valor. Rimos juntos. Um riso solidário e humano.
Durante a noite que durou das 20h às 4h, eu meu amigo Leo servimos bebidas apenas, foi sussa.
Fora que, como detesto receber troco em moedas, porque detesto carregá-las, procurava poupar meus "clientes" quando começamos a ter de dar troco de R$ 2,00 em moedas de R$ 0,10... Eu quase chorava pedindo desculpas... Mas aí eles voltavam para pedir outra bebida e me devolviam aquela esmola sagrada que para nós era um tesouro...
E entre um e outro cliente, era possível conversar com algum conhecido. Essa foi a parte boa da noite. A primeira parte foi a melhor. Eu fiquei sozinha algum tempo no início, cerca de uma hora, e quase não apareceu ninguém para comprar nada. Sergio Mello, roteirista e dramaturgo, como um gentleman, percebendo minha solidão ali, me fez companhia e pudemos conversar bastante e trocar impressões sobre livros, autores, literatura, poesia e teatro e sobre amores também, porque estamos ambos recém-separados. Sobre autores, descobrimos em comum Raymond Carver. Prometi-lhe, e vou cumprir, passar-lhe um texto que há na revista serrote. Este gosto em comum (Carver) me fez pensar: este mundo é um bordado bem tramado e benfeito...
Fiquei ali 8 horas atrás daquela balcãozinho improvisado, às vezes sentada sobre ele. Levei uns livros, caso houvesse momentos de ócio: Valentiva, Anita (de Guido Crepax) e Inéditos e dispersos (de Ana Cristina Cesar), que prometi mostrar os três a meu amigo Leo, de 21 anos, que gosta de HQ e poesia. Para minha surpresa: muitos que chegavam para pegar uma cerveja se interessavam pelos livros... Sobretudo os HQ eróticos de Crepax, claro!
Mas houve uma moça que viu o livro de poemas de Ana Critina e me disse, comovida: "eu amo este livro". Eu respondi: "eu também, aliás, trabalhei nesta edição e nas outras todas que foram lançadas pela editora Ática da Ana Cristina Cesar". Ela me olhou bem nos olhos, demorou um pouquinho, e disse: "que felicidade a sua ter esse privilégio. Trabalhar com os textos desta poeta". Sorriu de um modo lírico para mim, como só alguém que gosta de poesia sabe. E se foi, um pouco bêbada, não etílica, que estava sóbria, mas inebriada da poesia de Ana Cristina que deve ter deslocado em sua mente milhares de imagens....
E depois vieram outras pessoas, umas bêbadas, outras sóbrias, umas engraçadas, outras nervosas, outras bacanas, algumas bem doces, meigas, simpáticas, outras super sussu, e uma bem agressiva, uma com uma moeda russa, que contou sua viagem a Moscou (na verdade, foram 3 viagens àquele país), e vieram pessoas conhecidas que de brincadeira beijavam minha mão dizendo que eu era uma dama ali naquele balcão improvisado... :-) Dizendo que iriam me tirar daquela vida -- fazendo alusão aos homens que tiram as mulheres de casas de prazer e as levam para ser a mãe de seus filhos... Uma festa, né, Glauco! E eu adorando.
Daniel, meu amigo biólogo, homem da ciência e escritor, me trouxe três revistas dos textos que ele publica, e comecei a ler ali mesmo, quando houve um momento de baixa nos pedidos. As pessoas deviam achar estranho: eu de óculos, num momento de descanso, em vez de descansar, carregava pedra lendo... em vez de visualizar a galera lá fora em pleno agito. Mas como Daniel, sou uma mulher das letras, gosto de mergulhar no agito das palavras... O agito lá de fora me interessava menos do que o agito da fusão das frases, sintaxe, estilo que havia ali no texto do meu amigo escritor... E que se registre aqui que ele foi o primeiro a ter o gesto cavalheiresco de beijar minhas mãos e sentir meu perfume. (Várias vezes.) Um gentleman!
Como a noite foi agitada, posso dizer que meu inferno astral foi leve, sussu.
Mas há em mim um leve estranhamento. Tanto que, na saída, aliviei com uma cerveja meu estresse. Tentei ali conversar com Marcos, meu recém-conhecido e engatamos uma conversa sobre os HQs, teatro, direção, roteiros, coisas que ele faz. Mas eu estava estranha, e por estar estranha, não quis que ele tivesse a impressão de que eu não estava interessada na conversa. Estava, e muito. Como normalmente estou. Mas em vez da festeira e tagarala Sandra Brazil, eu só ouvia e monossilábica, respondia... Pedi a ele que viesse me ver no domingo, que estaria lá de novo no balcão a servir clientes e amigos.
No momento de ir embora fui dar um adeus a um grupo, mas ainda conversei um pouco com eles (Mario Bortoloto, Fabio Brum, Sergio Melo e mais alguém de quem eu não soube o nome, sorry). Conversa ótima sobre cinema e gênero, mas eu era a única mulher ali, e uma mulher cansada de uma jornada dupla de trabalho, portanto, acho que fui voto vencido... rs
Sergio me apresentou ao Mario, mas eu lembrei que Mario me foi apresentado em um dia que eu, desastradamente, e bêbada, salpiquei uma "frase de bebum" (que Marcinha pôs no blogue dos Parlapas) justamente num contexto com o Mario! Que mico! Mas eu acho que estou perdoada, pelo abraço carinhoso que ele sempre me dispensa...
Eu queria ficar mais ali e desfrutar de um dos assuntos de que mais gosto: cinema, atores, diretores... Mas lembrem-se: jornada dupla de trabalho (porque trabalhei de dia num livro, como editora, e de madrugada, como garçonete), e há um estranhamento... Uma luz vermelha acende em mim e me diz: preciso ir para "the best place in town" -- minha casa. Beijo a todos com certa vontade ficar, mas saio furtivamente. À francesa, como sempre faço. Como Marcinha diz: sou profissa nessas coisas de desaparecer.

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