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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Um labirinto qualquer (Um conto sádico)

Desisti de entender.
Desisti de buscar no labirinto de pastilhas de espelhos uma resposta.
Mergulho fundo nas areias do Nilo à procura de mais um fragmento de poemas da grega Safo de Lesbos.
Procuro emoções.
Selvagem como um tigre. Um tigre. Um tigre.
Afiada como navalha. Voraz. Os espelhos brilham e me trazem uma nova imagem. Sade me compõe um atalho.
Desfaço o laço da renda que me cobria; ela cai por terra e caminho em direção ao desconhecido.
O coração pulsa mais rápido, e olhos desconhecidos são como raios laser a me percorrer. Eu gosto. Eu adoro...
Um castelo de aventura, me entrego então. Meus cabelos são levantados bem na altura da nuca, e aí sou beijada por um estranho, com fúria, mordidas, dentadas, saliva escorre. Sinto pelos movimentos que ele tatua uma espiral no meu pescoço com tinta e agulha desconhecidas. Dói. Solto um leve gemido quando ele pontua o centro. Pergunto que desenho é aquele. Ele dá de ombros e, mudo, seus olhos de pupilas dilatadas e fora de si, escreve com os dedos em rodopios em minhas costas para que eu adivinhe o que quer dizer: "É o labirinto. O Minotauro. Você. Ariadne. O fio...".

Teseu e o Minotauro



Estou nua e meus seios estão em riste. Prazer na dor. Os dedos dele desenhando nas minhas costas aquela história sem sentido. Desconexa. Tudo isso me excita. Minotauros, fios, Ariadnes. Me ofereço em oferenda a esse estranho nessa pocilga de odores desagradáveis, corpos estranhos, sensações lisérgicas. Ele aceita. Acerto com ele um escambo: eu em troca da saída do labirinto. A tatuagem para sempre em minha nuca. Estou em vertigem. A tatuagem arde, e sangra, pois meu indicador a toca e quando o trago perto do rosto, mesmo na semiescuridão vejo que está vermelho.

O fio de Ariadne



A distância ouço gemidos e gritos, mas tudo que quero é ir até o fim na versão sádica do meu fio de Ariadne: será ele quem me estenderá o caminho até a saída, mas não sem antes receber o que quer -- tudo o que vê sem a renda que a queda de meu laço proporcionou... A saída só me chegará às mãos, a ponta do fio, quando eu der tudo, quando ele consumir tudo, suas pupilas dilatadas e fora de si arrancarem meus olhos, minha carne, meus sentidos, minha alma, toda minha dor, e sua luxúria estiver satisfeita (quem sabe também a minha?)...
Minha tatuagem começa agora a latejar, mas foda-se. Meu estado é de completo torpor. Ele venda meus olhos, amarra minhas mãos e me faz ingerir uma droga qualquer... Não temo mais. E para mim ele é o Minotauro. Deixo que faça tudo que quer, e apesar de não ter nada que tape minha boca, não dou sequer um gemido. O Minotauro sacia todas as suas vontades, usando toda sua força, eu não grito, não choro, não peço. Na minha viagem ele é a figura mítica, e toda minha dor está calada por aquela poção que ele me dera antes, que apenas amplia meu prazer.
Sinto que estou sangrando.
Tomado por uma energia demoníaca, ele é incansável. Se pudesse, me escalpelaria ali, me viraria do avesso, me empalaria. Seu sadismo vai além dos limites do marquês.
Os efeitos da poção começam a se extinguir e começo a sentir dor e desconforto. tento tirar a venda, tento tirar os nós e desatar as mãos. Ele quer mais... e mais... e mais... Imploro que me deixe, não aguento mais. Quero a última ponta do fio, urgente!
Quero sair dali daquele labirinto, quero que aquele Minotauro pesado saia de cima de mim... O prazer de me ver fragilizada e sentir tanta dor lhe dá um prazer extremo e ele goza ali, forte, diante de mim. Um prazer fora do comum. Peço que retire minhas amarras. Ele o faz de forma ruidosa, com raiva.
Me arranca da cama e diz todas as palavras mais grosseiras que eu poderia ouvir. Me empurra para fora da pocilga com as mãos em minha costas. Estou nua, e mesmo atordoada peço um lençol. Ele vocifera que sou uma piranha e que piranhas são expulsas dali peladas! Grita todos os palavrões possíveis. Os noias todos lesados não pretendem entender. Nem eu. Estou chapada também. Descalça vou pisando em tudo: camisinhas usadas, seringas usadas, sujeira, esperma, vômito, fezes, urina. Mas não ligo, desci muito fundo, no fundo do poço nos últimos tempos...
Ele vai me socando pelas costas. Quando chegamos à porta principal, ele a abre quase a arrancando com a força bruta, me atira com toda a força na sarjeta e aos cães que reviram os sacos de lixo. Eles se assustam com a ferocidade de seus gritos, e correm. E eu fico atirada ali. Literalmente na sarjeta. Nua. Sêmen pelo corpo. Sangue também. A tatuagem feita com uma tinta sabe-se lá de onde foi tirada (teria sido feita com sangue? Não sei.) lateja, pulsa, dói.
É plena madrugada, faz frio, estou arrepiada, mas não sinto nada. Ele vai fechar a porta com brutalidade. Mas um cisco na memória e meu vício me lembram que ele prometera ir até o fim com o fio se eu lhe desse tudo. Antes que a fresta da porta se feche eu berro: "Seu cafajeste, você prometeu me dar se eu te desse tudo! Eu te dei. Se você não me der o bagulho eu volto, e juro, mato você!" Meu corpo treme, há água na sarjeta, água suja e sabe-se lá que mais.
Uns minutos se passam, mas eu não consigo me levantar. Eu volto e mato esse cara. É uma questão de conseguir o bagulho com alguém. Questão de esperar.
Então, ouço uns passos. A porta range. Ele grita: "Sua vaca!" e atira o pacotinho em mim. Rápida, me arrasto até uma porta de ferro na calçada e, em meio à sujeira, restos de comida, lixo e sabe-se lá que escrotices mais, me encosto nela. Ratos caminham sobre os sacos de lixo. Acompanhada deles, ali mesmo dou conta da última ponta do fio de Ariadne.

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