Quem sou eu

Minha foto
No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Insensatez

Num ponto da estrada, lá atrás, existe um enclave. Apesar dos prazeres da carne, das alegrias do coração, do frescor do merecimento e dos novos tempos, da brisa que vive tocando meu coração, vez por outra meu rosto se volta para aquele ponto difícil que ficou enterrado lá atrás. E isso faz muito, muito tempo...
Como uma fonte, mas que verte, em vez de água, um líquido escuro, deixei-a para trás, enterrada como o corpo de um falecido não querido, do qual você quer se livrar rapidamente. Apesar de todo meu otimismo, apesar de minha tendência alegre vital de desviar de qualquer tendência ao sofrimento desnecessário, tendo seguido numa estrada de uma via em frente e avante, essa fonte de dor coagulada, como todo ente morto, é um fantasma. E como todo fantasma-mala, vez por outra vem me assombrar. É então que meu rosto, que só tem olhos para o futuro, num átimo, se assusta e se lembra, como num filme macabro, de tudo. Rápido se vira para trás, automático, com medo. Não quero mais daquilo.
O fantasma corre célere, querendo me tomar de novo, lanhar meu corpo, tomar minha alma, assaltar meu sentimento delicado. Não! Não mais. Aprendi com pitadas amargas esta lição. Ao entregar tudo o que eu tinha, ao ficar nua, ao dar em bandeja de prata minha cabeça e meu coração, um João Batista de saias, eu me perdi. E ao me perder eu perdi o crivo, a razão, a dignidade, o limite. A sensatez.
"Quem nunca amou/ não merece ser amado", diz Tom Jobim. Entregue, não pensei nem pestanejei, não refleti sobre esta frase, e mergulhei sem saber se havia água para me receber.
A assombração arfa em minha nuca. Arrasta-se querendo mais, querendo mais. Querendo perversamente passar a lâmina e se deliciar.
Não. Giro rapidamente o corpo para a frente: o futuro e todas as possibilidades de sensatez. Um leque. O perverso foi enterrado sem honrarias, sem choro, sem sofrimento. Não derramei uma lágrima sobre seu esquife. Não verti ecos de dor nem joguei um punhado de terra em sua sepultura. Apenas corri do mal que ele dissemina por onde passa, o mais rápido que pude. Faz tanto tempo... Mas o mal, meu caro, ele é um rastro do qual temos que fugir para sempre. Uma vez feito, ele assombra.
A distância, sinto seu esgar, mas já estou tão longe que meu pânico já não existe. Que o morto descanse. Eu sigo meu caminho adiante: meu coração e minha cabeça resgatados daquela odiosa bandeja de prata.
A sensatez, agora, com olhos atentos e alertas. Fixos no futuro.

2 comentários: