Quem sou eu

Minha foto
No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Virada Cultural - Sábado

Gosto muito quando tem Virada cultural. Faço com prazer um circuito que adoro: andar pelas ruas do Centro, revitalizar minha memória desses lugares, poder ver sem pressa e detalhadamente os prédios antigos, a arquitetura de um pedaço da cidade que frequentei muito quando criança e adolescente.
Decido ir ao show de abertura, músicos que fizeram parte do Buena Vista Social Club. Pegamos o metrô rumo à estação Luz. O clima entre as pessoas é de dia de festa. Todos estão sorridentes, munidos do programa da Virada, lendo atentos o que querem fazer na maratona.
Eu já sei que vou pinçar alguns eventos apenas, e não vou virar a noite, como fiz da outra vez. Estou cansada, tenho trabalhado muito, então vou atender aos limites do corpo desta vez. Encontramos com mais uma do grupo na catraca da estação. Ela é arquiteta. No caminho que fazemos até a praça Julio Prestes, ela vai contando que já entrou em alguns prédios ali para trabalhos de observação. Descreve detalhes de alguns deles. Vou adorando esta conversa.
Já na esquina da estação da Luz, ouvimos alguns acordes ao longe. Som cubano é sempre som cubano: adoro. Chegando perto do palco pela lateral e percebemos que será impossível ver os músicos, tamanha é a multidão. Vamos nos apertando com as pessoas que estão ali.
Bem, coruja que sou, vou observando tudo. Não estamos vendo nada do palco, mas percebo que a maioria do público é de jovens e adolescentes. Fiquei feliz de saber que não é apenas minha filha e os amigos dela que gostam desse ritmo. Também observo que o público procura não fazer barulho e algumas vezes pede licença pra passar. Penso: que raro e que bom.
Agora conseguimos chegar mais perto, e podemos ver alguns músicos. Eles dançam com aquela facilidade e moleza de quadris que os cubanos são famosos por ter. Uma cantora magra de voz forte remexe os quadris como se tivesse nascido dançando, faz aquilo como se estivesse lavando louça ou varrendo a casa. Naturalmente.
Os celulares tocam, as pessoas vão se encontrando: "estou aqui, do lado palco", diz um. "Fala mais alto!" Não gosto muito de celulares, mas desta vez, confesso, adorei ver aqueles jovens todos se comunicando, tentando se encontrar nos eventos. Afinal, num mundo de tanto desencontro, testemunhar o encontro é algo que provoca a fé. Uma aldeia cultural, foi o que vi. Parte do meu desencanto com a humanidade fenesceu. Aqueles telefonemas me mostraram que há mais do que imagino no mundo.
Tento ir mais à esquerda, quero ver a ex-rodoviária, ali de frente para a Sala São Paulo. A rodoviária era para mim motivo de alegria, sempre: ou saíamos em férias, eu e minha família, ou íamos ali de carro buscar os parentes que passariam alguns dias conosco. O meu pai nos levava de carro até lá no nosso velho e bom Fusca 1966 azul, e nos colocava no ônibus. Ele esperava o ônibus partir, e ficava dando adeus a distância, discreto, tímido, como sempre foi. Eu ajoelhava no banco e ficava olhando até ele desaparecer, um pontinho lá longe. Doía uma súbita saudade, mas, como toda criança, eu me sentava no banco já imaginando subir em árvores, tomar banho de rio, correr na rua com meus primos, visitar o curral todos os dias, ficar olhando nossas mães cozinharem pamonha no terreiro, ou um tacho de goiabada. Quando faltava imaginação pras brincadeiras, íamos na praça e ali tudo era desejo: algodão-doce, sorvete, maçã-do-amor. E correrias pra cá, pra lá. Para uma criança de São Paulo, criada dentro de um quintal sem árvores, aquilo era o paraíso, liberdade, tudo de bom.
Termina o show, e vejo lá no alto uma malabarista dependurada num fio. Shortinho vermelho, ela vai se contorcendo lá no alto, e nós, aqui embaixo, vamos admirando sua coragem. Eu, que tenho medo de altura, paúra na verdade, a admiro ainda mais.
O grupo se encontra mais gente numa esquina, e decide ir a outro show no Anhangabaú. Eles me chamam, mas tenho um jantar marcado e não posso me atrasar. Ainda tenho coisas a fazer antes de ir.
Passo em frente da estação Luz, e vejo a faixa que indica os horários do trem das onze. Um trem sai da Luz e vai até o Brás. Depois do jantar, me programo pra pegar o trem talvez da uma da manhã e fazer o circuito. Meu grupo também fará o mesmo. Marcamos de nos encontrar à uma ou duas da manhã. Bingo! OK!
Apesar dos planos, o jantar esticou pela madrugada. Está tudo tão bom que esticar pareceu necessário. Vou ter que "pular" o trem da uma ou duas... Mas me animo para depois enfrentar talvez o trem das 3h ou das 4h. Quando são 3h30, já estou mais com ânimo de cama e edredom. Decido por fim perder o trem e ficar com minha noite de sono.
Amanhã haverá mais maratona, e já tenho minha diversão em mente.

***

Hoje é 2 feira. Abro a Folha para ver notícias sobre a Virada. Mario Bortolotto escreve. Entendo seu desencanto. Também estranho as pessoas se desesperarem por ver todos os shows, por quererem estar em todos os lugares, por prefigurarem uma espécie de angústia pela diversão nonstop. Estranho também a morte do adolescente, vítima de um esfaqueamento. Afinal, não cabe em minha mente haver violência numa festa de arte e de cultura.
Concordo com Bortolotto de certa forma, mas não chego às raias de sequer ter vontade de sair de casa nesses dias. Sou menos desencantada do que ele, e confio que adorarei viajar no Trem das Onze, do Adoniram. Também confio que vale a pena o crime me deslocar para ver Flora Purim e Airto Moreira nesse clima de celebração pela cultura que muda o ar da minha cidade: as pessoas estão ali por algo do bem, a cultura, a diversão. Afinal, depois de muito panis, precisamos muito deste "circensis".

Nenhum comentário:

Postar um comentário