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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Senta que lá vem história...

Aiai é dia de lançamento. Há 20 anos trabalho com livros: edição, preparação, revisão, tudo: tornar o original algo pro leitor. Como sempre, me atrapalho nesse dias.
Eu realmente sou muito tímida pra determinadas coisas, tenho dificuldade em dias de festa. Raramente vou a lançamentos, quem me conhece pode até estranhar. Mas sempre fico na coxia do livro, nos bastidores, como um técnico de luz no teatro, uma camareira de uma grande estrela. Eu gosto de ficar atrás dos holofotes.
Mas é dia de lançamento de livro, e tenho que superar minha fraqueza. Enquanto a maioria das pessoas gosta de ficar ali, lustrando o próprio brilho girando uma taça de vinho, eu fico na fila, rezo pra não ter que cumprimentar ninguém, que ninguém me reconheça, pego o autógrafo, abraço o autor, e saio correndo pra ir tomar uma taça vinho longe dali. Acreditem. Conto os minutos pra me livrar do mal-estar da timidez, que me torna de certa forma patética: uma pessoa normalmente tão extrovertida como eu...
Mais uma vez, saio do trabalho, sigo para alameda Lorena, compro meu exemplar, um nó na garganta, subo as escadas da Livraria da Vila, e já me sinto um peixe fora d'água. Num aquário estou apenas quando me deparo com as letrinhas sobre o papel, desejosas por minha intervençaõ, minhas sugestões, minhas dúvidas. O papel couché brilhando diante de mim, ou o pólen, e eu dando os últimos palpites de editora. Aí sim sou toda eu, mãezona daquela criatura que breve será cuspida pela máquina de impressão da gráfica. Adoro. Sou eu completamente diante do livro.
Mas eis que consigo rapidamente meu autógrafo. Alívio. E desço a Hadocck Lobo em busca do cafér Oscar.
Não sou habituée da Oscar Freire, ao contrário, tenho sérias críticas a essa rua-vitrine. As pessoas que por ali transitam não frequentam minha tribo. Eu, não tenho nada que ver com elas. Há dois tipos de seres humanos: os endinheirados, que transitam ostentando sua figura e seu argent. E os pobres seguranças, que são instalados ali para, em tese, afugentar aqueles que sua própria classe social que venham macular a beleza criada. Estranho isso. Os seguranças são os muros medievais do mundo moderno.
Instalada no Oscar café, me lembro que passei um aniversário ali. A comida é ótima, o vinho também, e os preços são honestos, exceto de certos sucos, que custam o preço dos pratos... É uma portinha de nada que dá num fundo bem cuidado, com jardim de inverno, sofá, jornais e revistas, mesas tipo bistrô, uma graça.
Sentada numa mesinha de costas para o jardim, a vela tremula à minha frente, e eu peço uma taça de um argentino pra matar esse sentimento de deslocamento que sempre sinto em estreias e lançamentos de livros. O argentino chega rápido, mas a salada demora um pouco. Folheio o livro e suas gravuras: Evandro carlos jardim.
Como minha salada ainda não veio, peço o jornal do dia, eles me trazem a Folha.
Olho ao redor: há um casal, uma mesa com algumas amigas, e dois amigos ao fundo. Só eu estou numa mesa sozinha. Fico pensando o que me leva a ter paúra de lançamentos, mas ficar tão à vontade num bistrô, tomando vinho, lendo jornal desacompanhada... Será que sou carrie, a estranha, meu deus...
Peço um expresso pra coroar um dia difícil e caio na rua de novo. Um moço bonito, de cerca de 35 anos, para no farol; quando reparo, ele está sorrindo pra mim, e pedindo um sorriso de volta. Minha insegurança e baixa autoestima me fazem correr e tentar alcançar o meu carro. Ele ainda olha pra trás, seu vidro aberto, e ri da minha atrapalhação. Um riso puro e ingenuamente sincero, um sinal. Mas o farol de uma grande cidade divide as pessoas e os destinos. O verde o obriga a baixar o facho, olhar para a frente e seguir, se esquecendo de mim e das possibilidades que a vida cria algumas vezes.
Meu celular toca e me vejo mãe de Isadora de novo. Ela está na rua Bartira, 'onde vc ta, mãe:'. Digo que me espere, vou buscá-la em 10 minutos.
Meu pretinho básico volta para o cabide, e a fita de veludo preta que o enfeita deita-se numa caixinha que ganhei de Eloísa. Arranco as botas como quem arranca as farpas depois de um dia difícil. Meu quarto parece um esconderijo muito seguro. Quero ficar aqui, na penumbra do que me é caro e conhecido.
Amanhã tudo voltará ao normal.
Ficarei super à vontade, nua e sem restrições, para as palavras, as palavras que leio diariamente.

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