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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Entre plissés e "o povo do abismo"

Quando eu era pequena não era tão fácil comprar roupas prontas. Todas as minhas roupas, até as de bebê, os lençoizinhos, fraldas, surgiram de uma máquina Anker de pedal. Sem dúvida, ela cantarolava enquanto costurava, sem saber o que eu seria, menina ou menino, por isso tantas roupinhas brancas e amarelas em meu enxoval.
Tendo crescido numa fazenda, com pais com dinheiro mas sem cultura ou estudo, ela era uma estilista ímpar, sem saber, então, tudo o que eu desenhava desde adolescente ela dominava nos moldes, carretilhas, passava pra um papel pardo e carbono azul sobre os tecidos, alinhavava, e construía aquela "arquitetura" na rústica Anker.
Muito jovem, me lembro que numa ladeira a um quarteirão de casa ela me pediu que fosse levar um tecido de seda para plissar, pra ela fazer um vestido de festa pra mim. Eu fui. Era uma família de orientais, muito pobre eu diria, o ambiente era desorganizado e sujo, insalubre mesmo. A máquina de plissar ficava no meio de um pequeno cômodo que servia de sala, quarto, cozinha e não sei mais o quê. O nariz das crianças escorria. Fazia frio e elas estavam de short e descalças. A TV ligada, em meio ao barulho do pai que plissava tecidos belíssimos de seda. Os cabelos dele havia muito não viam corte; a barba estava por fazer. Seu olhar era de extremo cansaço e apatia. Deixei com ele o tecido e saí. Meu estômago revirou. Em segundos nada mais tinha importância ou sentido: festa, vestido, seda, meu gosto por moda. Uma fissura profunda me dividiu. Foi esse meu primeiro contato com o povo do abismo: eu sairia perfeitamente vestida para uma festa, brotada de um cortiço que plissaria aquele vestido. Esse era o preço? Aquilo me causou constrangimento e a noção da divisão injusta do mundo: ir à festa, ter vestidos, "ter" enquanto aquele homem trabalharia por trocados...

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