Quem sou eu

Minha foto
No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Faz toda a diferença -- esse meu aniversário

Fosse aos 20 ou aos 30. Ou mesmo aos 40. Nâo seria assim.
Mas agora é tudo diferente.
É o novo tempo de que falei esse dias em outro texto. Um tempo de espessamento, de viver querendo tempo, ambrosia, bala de coco, querendo coisas mais doces, menos pressa, mais entendimento. Se não tiver isso, busca-se em outro lugar, mesmo que o custo seja deixar para trás a construção de anos, o terreno fincado de raízes, as paredes grossas que custaram caro, a cor laranja que se buscou no Egito, o telhado ardósia que se trouxe da França.
Não. Nesse tempo, arde a esperança da languidez, da vontade de cruzar o Atlântico mais vezes, de falar mais línguas, de ler mais livros (no meu caso, por prazer, não por trabalho), de fazer aniversário e não trabalhar neste dia, de seguir o ritmo delicado do envelhecer dos pais e poder estar perto, participar fisicamente disso. De poder rever todos os filmes do neo-realismo. Todos os filmes. De poder fazer um curso de "Cultura japonesa e a influência das gueixas na sociedade do período X", sem se preocupar de que isso servirá em sua vida ou em seu currículo. Apenas fazer, por fazer. (Sim, gosto de gueixas. De cultura oriental, de períodos X no Japão.) Gostaria de ter ido mais ao Japão do que apenas a uma vez que fui. Gostaria de ter viajado mais (viajei muito, eu sei, mas gostaria de ter pontuado meu globo terrestre de alfinetes.) Sou louca, eu sei.
Mas não fosse minha loucura, seria o ser mais desinteressante da face da Terra... Minha loucura me faz escrever, escrever sobretudo poemas e crônicas. Isso me faz não enlouquecer de verdade. Sério!
Mas voltando ao tema deste texto. Fazer aniversário é algo banal, eu sei, mas as coisas, assim como as crônicas, que registram as coisas banais, têm algo de poesia. O leiteiro, que entregava de madrugava o leite em casa naquele vidro que tinha uma vaquinha azul; o padeiro, que vinha numa bicicleta, e deixava num papel pardo o pão quentinho na frente do número 1.050 da rua Joaquim Carlos, onde morei, no Alto do Pari... havia também o doceiro, que todos os dias, às 15h45, passava vendendo umas geleias coloridas passadas no açucar crista, e depois eu e minha mãe íamos à igreja Santa Rita de Cássia, acender uma velinha, pois filha de portugueses não foge dessa herança bendita de santos, Jesus morto de fraldas, odor de rosas, e igrejas frias no verão (uma delícia para católicos desacreditantes como eu...0.
Depois, a gente passava no açougue do seu Carlos, e eu subia e me apoiava no expositor de carnes, enquanto minha mãe fazia os pedidos... tão geladinho naquele calor horroroso... voltávamos de mãos dadas, eu e minha mãe, para eu não me perder dela. (Mas como me perder numa cidade que ainda era pequena e cheia de solidariedade?) Chegávamos, ela tirava os meus sapatos e os dela -- para não gastar, a gente tinha apenas aqueles e outro par para os finais de semana. Outros tempos, tempos de não consumismo. Ela aproveitava tudo. Até os retalhos de sobras de costura se transformavam em vestidos de princesa para mim... Era assim que a vida fluía naqueles tempos. A gente esperava o tempo, tudo a seu tempo, uma frase de que me lembro bem... As mãos de fada dela me transformavam em princesa naqueles vestidos que, meu pai, com seu salário magro de funcionário do Fórum não poderia jamais comprar... Eles faziam sucesso nas festinhas de aniversário.
Mas meu pai trazia... os livros... E foram eles que me trouxeram a chave do mundo. Das ideias. Das imagens.
Ao longo da minha vida eu pude ser muito de minha mãe e de meu pai. Ela gostava de moda, com seus gabaritos de moldes, linhas, agulhas, revistas de moldes e figurinos, colchetes, ganchos, tecidos, anáguas, retalhos, botões, tudo bem organizado nas gavetinhas de uma máquina Anker de pedal... Quando ela pedalava, costumava cantar enquanto costurava. Eram canções de sua juventude -- guarânias, boleros. Ela nos vestiu com retalhos comprados em saldões de muitas lojas de tecidos, e fazíamos sucesso com seus modelos até minha juventude na faculdade.
Nenhuma de minhas amigas acreditava que aquilo era feito num quarto de costura, aquelas peças que ela fazia pra mim, que hoje seriam consideradas "fashion". Mas era. Tudo feito ali, naquele quarto; agulhas, tecidos, moldes, carretéis, linha, botões, zíperes.
E ele, ele trazia os livros, livros de clássicos infantis e juvenis. Talvez ele pedisse ajuda ao balconista da Saraiva, em frente ao Fórum, pois ele mesmo, órfão de pai, não tivera os luxos que tínhamos: ler livros, passeios, viagens, o carinho que ele nos dispensava em excesso até. Pois foi daí que veio minha paixão, meu desejo absoluto pelos livros, tanto que meus livros de criança ainda estão guardados, e penso ainda em como vou doá-los. A ver...
Quase chegando a meu aniversário de 51 anos, percebo que "somos" "o que vivemos". Sou as linhas e os tecidos, os gabaritos e figurinos de minha mãe, e a sistemática, o apego às palavras, à gramática, à literatura, aos livros e ao cheiro dos livros de meu pai (me lembro, quando era pequena , que ele cheirava os livros, e percebia nele um prazer dionisíaco nisso... -- talvez por isso minha estante na sala repleta de algumas edições antigas e que cheiram forte; talvez, por minha mãe, o gosto por uma peça Channel que nunca tive ainda, mas um dia talvez terei -- minha filha, carinhosa, me trouxe um creme, achei tão confortante ela se lembrar disso.
Pois nem aos 30, nem aos 40. Aos quase 51, estou trabalhando na véspera de meu aniversário. Ontem pedi a filha que não ficasse chateada que neguei o pedido de ir jantar com ela no japonês -- tinha trabalho para entregar. Hoje pedi ao namorado que não fique chateado -- pedi a ele que não venha, não percorra os 50 quilômetros que nos separa para comemorarmos o pré-aniversário... ele não se chateou (me pareceu...); estou aqui entre escrever um texto de aniversário de 51 e terminar um trabalho.
Fosse aos 30, aos 40, estaria angustiada. Aos 51, sabemos que a vida nos reserva muitas coisas.
Abri um cabernet sauvignon e estou comemorando sozinha e acompanhada de tanta gente, e a vida segue em goles dionisíacos. Coloquei a foto da minha filha Isadora de quando ela tinha 5 meses a meu lado, aqui no escritório; dos meus pais também, e do meu namorado; por quem sou apaixonada, da época em que estávamos overapaixonados.
Esperaremos todos até amanhã para comemorar. Este é o grande ganho dos 51: nós sabemos que temos tempo. E pacieência. E tolerância.
Isso faz toda a diferença...

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Acho que você deve pensar em publicar. Seus textos são ótimos. E, quanto ao Japão, se vc quiser vir comigo (a trabalho) quando eu for… fechado! Beijos. Feliz Aniversário, Sandra.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fechado, vamos juntas, quero levar Isadora pra conhecer o país "dela"... e Paty vai tb, será? Grande beijo, obrigada pelo carinho, é sempre um calor que me dá muito conforto... beijos, Ritinha!

      Excluir