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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Sobre o doce sabor de envelhecer

"Os sonhos não envelhecem (...)" (Lô Borges)

Eu era muito magra, vestia macacão jeans e a bolsa era feita de algodão... Sempre tinha um livro debaixo do braço em caso de filas de ônibus ou de cinema. Não me apertava em caso de esperas longas. Eu lia vorazmente. Usava óculos, mas vivia sempre em outro mundo, sempre distraída no rodamoinho das histórias dos livros, das peças que via e do cinema que assistia. Eu absorvia aquilo tudo no corpo. O mundo era pouco pra mim, e eu fazia tudo ao mesmo tempo agora, e dava conta de ser as coisas de que gostava: eu queria ser livre, queria viver além das fronteiras, queria viajar países, estudar o máximo possível, e amar, e amar. E mais que isso: eu tinha sonhos. Inúmeros. Infindos e infinitos sonhos meus e de uma geração. Em meio ao turbilhão que era viver entre a ditadura e seus restos, a pseudoanistia, as mudanças sociais, a liberação feminina, eu ia caminhando firme e rápido. Eu imaginava que não iria envelhecer, porque eu tinha dentro de mim uma força e uma energia capazes de um moto perpétuo. Me imaginava aos 50, 60, muito jovial. O tempo, o desenhador do destino, me trouxe pelas mãos até aqui, e agradeço a Cronos ter-me concedido esse lapso (sim, porque uma vida é muito pequena) para presenciar tantas coisas. Para uma mulher, numa sociedade machista como a que vivemos, eu consegui exercer a liberdade que gostaria, que eu sonhava quando era adolescente. Queria ser uma mulher livre e independente; eis-me aqui ao lado de outra mulher que pude educar para ser livre a seu modo também. Queria estudar, ler, viajar, e a vida me permitiu todas essas coisas. As fronteiras dos países para mim são como as linhas Corrente: cruza-se muito facilmente para o outro lado, e aquele povo é nosso irmão, independentemente da diferença de costumes. Amar semprel, porque sem amor é impossível viver. Algumas coisas não foi possível, mas quem disse que podemos ter tudo que queremos? Eu tenho muito. O que tenho não é material. O que tenho está dentro de mim: tudo que vi e aprendi. Eu tive o privilégio de ver minha filha crescer, de poder estar próxima dela quando decidi que era assim que eu queria fazer. Eu que jamais quis ser mãe, ganhei um presente: Isadora me trouxe alegria, me trouxe centro, me trouxe sua presença delicada para tornar minha vida melhor. Pensando em todas essas histórias, o que dizer de envelhecer? Numa sociedade cada vez mais consumista e egoica, difícil não falar da aparência. É estranho sim, e por que não dizer triste, ver o corpo se transformar em direção ao declínio. Por mais que nos cuidemos, por mais que sejamos vaidosos. O corpo vai construindo veios e afluentes: suas marcas. Mas pra dizer a verdade, ao longo desse processo, o que mais tenho pensado é naquela menina de 14 anos que, de macacão, carregava um livro para o caso das filas. Não porque queira voltar a ser o que era. Não. Mas porque aquela menina tinha sonhos, inúmeros, infinitos. A minha vantagem em relação a ela são duas. Hoje eu sei que aqueles sonhos que ela devaneava são possíveis e realizáveis (ela não sabia...); aos 51 anos, vivendo sempre com esperança a cada manhã, a cada infortúnio ou a cada alegria, posso dizer com conhecimento de causa: os sonhos, meu bem, não envelhecem. E esse sabor é doce.

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