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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Ano Novo, liberdade, "Uns braços", de Machado de Assis, e O Sexo e a Cidade

Transito livre pela cidade. Os faróis são ondas verdes, o trânsito é gentil como o coração da Porto Seguro. Os motoristas estão calmos, dão a vez com generosidade. Os cafés estão vazios, há mesas à vontade para se sentar, os restaurantes não têm filas, os bares não estão lotados. E pasmem! Não há fila de espera no Piola dos Jardins às 22h numa 5a feira!
É possível sair de Perdizes num dia de chuva forte às 20h e chegar em 15 minutos nos Jardins.
Serenidade e calma. São Paulo é minha cidade da adolescência, quando eu fazia trajetos longos em poucos minutos, os carros deslizavam pelas grandes avenidas, e a cidade não era esse formigueiro incontido, impossível, caótico. São Paulo era deliciosa. E detalhe: tinha o Belas Artes... Não há mais... Isso me me parece um sinal de envelhecimento, quando começamos a lembrar de coisas que existiam na cidade, que eram muito importantes para uma geração e que agora não existem mais. (O Belas Artes, por exemplo.)
O fechamento do Belas Artes é algo que não me desce goela abaixo. Está entalado. Em qualquer paiseco sério e comprometido com a cultura deste mundo o Belas Artes estaria vivo, respirando, marcando a vida do cinema na cidade... Em Buenos Aires há uma espécie de Belas Artes perto do Obelisco. Um cinema de duas salas, antiquíssimo, decadente, meio sujo, mas vivo! Mesmo mal das pernas está ali, com suas fotos de glória nas paredes -- estrelas de Hollywood num tapete vermelho em estreias, o dono do cinema a recebê-las com seus óculos Ray Ban naquelas fotos sépia --, há uma vitrine com máquinas e filmadoras antigas, material fotográfico. Tudo muito decadente, mas as salas estão ali, firmes. Eu o frequento há anos, sempre que vou a Buenos Aires, vejo um filme ali, para dar meu incentivo àquele homem do Ray Ban, que hoje é um idoso que claudica por ali, mas mantém aquelas duas salas com bons filmes sempre. Nunca deixo de visitar aquele cinema, porque se um dia eu for a Buenos Aires, e suas portas estiverem fechadas, um fio de esperança terá extinguido em mim... Agora que o Belas Artes morreu, sinto ainda mais forte esse desejo de me sentar nas poltronas do cinema do homem do Ray Ban... Manter vivas suas duas salas!
Mas nesses dias de janeiro, São Paulo tem sido uma surpresa para mim. Em geral nessa época viajo e fico fora até meados do mês. Este ano, por uma série de razões, resolvi ficar por aqui e pela primeira vez passei o reveillon aqui também. Com meus pais. Pela primeira vez. Pois sempre viajava nessa época, e eles também.
O fato de ter começado a trabalhar numa editora no dia 2 de janeiro também me segurou aqui. Viajar para voltar dia 1 de janeiro, ninguém merece! Mas gostei da experiência e pude ver São Paulo e as pessoas com outros olhos...
Primeiro, foi uma delícia passar o ano novo com meu pais, estar com eles, ver o sorriso deles por eu estar ali. Me deu uma sensação de estar inteira na vida. E poder dar isso para eles, já que eles me deram tanto. Filhota deu um alô de ano novo de longe, de onde estava. Saudade... Mas assim caminha a humanidade quando os filhos crescem.
Às 23 horas, saí da ceia com os pais e fui me arrumar para uma festa no Kitsch Club. Que também foi ótima. Me montei: vestido lindo, presente da filhota, sandálias do bazar da Lucy in the Sky, bolsinha retrô da feira de antiguidades do Bixiga, maquiagem no ponto. Pronto! No salto, como dizem. Boa música, gente conhecida, balanço. Me senti no lugar certo, na hora certa, com as pessoas certas. Inteira. E boa companhia. Ótimo.

Sandra-caleidoscópica, no Kitsch Club, antes do brinde fatal pós-marguerita. Vertigem na pista, mas uns braços...

Verti uma marguerita -- que ninguém é de ferro --, mas na sequência Debbs me ofereceu um proseco delicioso para brindar conosco o ano novo. verti também rapidinho. E foi assim: zuuuum! Eu estava na pista dançando e senti que a marguerita e o proseco me provocaram uma leve vertigem, mas me mantive firme sobre as minhas Lucy in the Sky, que a gente tem que se manter "no salto", diz a etiqueta do Sex and the City!
Por sorte estava acompanhada na pista, e minha leve vertigem foi apanhada por 'uns braços' -- não, não é o conto delicioso de Machado de Assis, "Uns braços", caros leitores, aliás, excelente dica de leitura para o início deste 2012. Será talvez minha 10a leitura deste texto em que Machado apresenta um dos personagens (Borges) "virgulando suas frases com vinho", uma das imagens literárias mais belas e originais que já passaram por mim.
"(...) Durante alguns minutos não se ouviu mais que o tinir dos talheres e o ruído da mastigação. Borges abarrotava-se de alface e vaca;
interrompia-se para virgular a oração com um golpe de vinho e continuava logo calado. (...)"
É maravilhoso ou não é... Recomendo a leitura desses braços que vão apaixonar o leitor e dessas vírgulas golpeadas por vinho...
Bem 'uns braços' contiveram minha vertigem de ano novo, graças a Deus! Já pensou, poderia ser um mico e tanto! Mas dali a alguns minutos eu já estava balançando ao som de "Taj Mahal", de Jorge Ben Jor. Foi só um charmezinho de Carrie Bradshaw... Se é que me entendem...
Depois, acordar tarde no dia seguinte, leve leve ressaquinha e o banzo do dia 1 de janeiro é estranho. Mas a partir do dia 2, a cidade foi se mostrando carinhosa com seus habitantes. Está gostosa, não está muito quente, não está barulhenta nem hostil. As pessoas estão mais relaxadas, portanto, mais simpáticas e receptivas; mais descansadas, acabam sendo mais acolhedoras em seu olhar e em suas palavras.
Em meu caminho de carro até a editora, em que fico seis horas, levo apenas entre 5 a 10 minutos. E a volta é ainda mais rápida, por conta do tipo de caminho mais retilíneo.
Quando chego da editora, sempre tem uma programação: ou é bar, ou é cafeteria, ou é restô, ou é outra coisa, ou é sorveteria, ou até mesmo as ótimas padocas de Perdizes, Pompeia e Higienópolis, ou mesmo da Lapa, que estou aprendendo a conhecer melhor.
Então, está ótimo, porque como não tem quase trânsito, consigo fazer tudo isso, e ainda chegar em casa e trabalhar ainda um pouco antes de dormir. O tempo rende numa cidade gostosa assim...
Hoje por exemplo consegui trabalhar de manhã em meu escritório, fui para a editora, onde fiquei 6 horas, voltei para casa, peguei minha filha que chegou de viagem, fui jantar com meus pais, voltei para casa, e ainda fiz uma programação depois de tudo isso e agora escrevo aqui no blogue. O dia rendeu.
Todas as pessoas com quem encontro, ou com quem falo, ou que me escrevem por e-mail têm comentado sobre a cidade, como está gostoso estar aqui nessa condição de cidade-acolhedora e não hostil.
Quero mais disso. Quero uma São Paulo não ofegante, não extenuante, não asfixiante. Quero essa São Paulo que traz uma sensação de leve liberdade. Para mim e para todos.

** O conto:
O conto "Uns braços", de Machado de Assis, é um de meus preferidos.
Num resumo bem grosso modo, o jovem aprendiz Inácio passa a morar na casa do solicitador Borges. Assistimos então à paixão do adolescente pela esposa de Borges, Severina, a dona dos 'braços' que seduzem o rapaz. Ela também se sente atraída pelo adolescente, e essa sedução ganhará força em meio às dificuldades de convivência com o mau gênio e a truculência do "solicitador". De repente, uma vertigem, uma dúvida. Cabe ao leitor a interpretação.
O conto pode ser encontrado em suas coletâneas mais conhecidas já publicadas, mas para os que preferem a leitura virtual ele está disponível na internet em vários sites para download (por exemplo em: http://www.livrosgratis.net/download/2169/uns-bracos-machado-de-assis.html e em superdownloads).

** O filme:
Há também o link para assistir online ao filme homônimo do diretor Adolfo Rosenthal:
http://assistirfilmesonline.biz/uns-bracos-online/ Direção: Adolfo Rosenthal
Elenco: Ana Petta, Antonio Moraes, Celso Frateschi.

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