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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Felicidade clandestina

Daqui do 15o andar, desta janela-tela de cinema que é a moça do tempo dos meus dias, sinto o calor que vai voltando devagar, tomando conta, trazendo mais gente pras ruas, mais ruídos, mais imagens. Os dias ingleses vão sendo deixados pra trás. Os braços nus desfilam nas calçadas e os olhos esperam algo que não se sabe, mas pode acontecer. Uma surpresa, uma carta, um e-mail, um sms, uma msg por msn, comunicação por tambores, sinais de fumaça, flores? Todos ficam alerta. Tudo pode acontecer. Pergunto a alguém se gosta de jazz, a resposta é sim. Vou ouvindo StanGetz&João Gilberto, anos 1960. O mundo me parece tão encantado nessa época: Copacabana, bossa-nova, os calçadões da praia. Um dezembro-anos-dourados volta na minha memória -- um ponto de felicidade no universo, uma felicidade clandestina.
Trabalho como Penélope: teço e desfio, teço e desfio. Aguardo um Ulisses desenhado ao longo da vida, mas neste mundo moderno, onde estarão os Ulisses? Ulisses estará ainda tomado pelo canto da sereia? Ou parte veloz ao meu encontro? Tecerei até o fim, sagitarianamente obstinada.
Uma discreta tranquilidade vai tomando conta, dia a dia. O céu por testemunha, e esta janela também. Todos os objetos deste cômodo têm gravado em si os meus apelos e minhas alegrias. E as flores do aparador também. Uma taça, uma luva, um livro, um disco, um ingresso, uma possibilidade é uma gota plena de esperança.

"Nada, esta espuma

Por afrontamento do desejo
insisto na maldade de escrever
mas não sei se a deusa sobe à superfície
ou apenas me castiga com seus uivos.
Da amurada deste barco
quero tanto os seios da sereia."

(Ana Cristina Cesar. A teus pés. Ática, 1998)

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