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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

sábado, 28 de janeiro de 2012

A biblioteca do Chacrinha. Hoje vamos receber... Ana Cristina Cesar...


Ana Cristina Cesar







"Quando entre nós só havia
uma carta certa
a correspondência
completa
o trem os trilhos
a janela aberta
uma certa paisagem
sem pedras ou
sobressaltos
meu salto alto
em equilíbrio
o copo d’água
a espera do café"


"Nada, esta espuma

Por afrontamento do desejo
insisto na maldade de escrever
mas não sei se a deusa sobe à superfície
ou apenas me castiga com seus uivos.
Da amurada deste barco
quero tanto os seios da sereia."


"Tenho uma folha branca
e limpa à minha espera:
mudo convite

tenho uma cama branca
e limpa à minha espera:
mudo convite

tenho uma vida branca
e limpa à minha espera:"


"As mulheres e as crianças
são as primeiras que desistem
de afundar navios."


"Mocidade independente

Pela primeira vez infringi a regra de ouro e voei pra
cima sem medir mais as conseqüências. Por que
recusamos ser proféticas? E que dialeto é esse para
a pequena audiência de serão? Voei pra cima: é
agora, coração, no carro em fogo pelos ares, sem
uma graça atravessando o Estado de São Paulo, de
madrugada, por você, e furiosa: é agora, nesta
contramão."


"Noite Carioca

Diálogo de surdos, não: amistoso no frio.
Atravanco na contramão. Suspiros no
contrafluxo. Te apresento a mulher mais discreta
do mundo: essa que não tem nenhum segredo."

"Encontro de Assombrar na Catedral

Frente a frente, derramando enfim todas as
palavras, dizemos, com os olhos, do silêncio que
não é mudez.
E não toma medo desta alta compadecida
passional, desta crueldade intensa que te
toma as duas mãos."


"olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado entre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas"


(Ana Cristina Cesar. In A teus pés. São Paulo: Ática, 1998.)





"A teus pés, livro de Ana Cristina César, alcança hoje sua verdadeira dimensão, inscrevendo-se na modernidade como literatura perene e de alta qualidade. No conjunto de poemas curtos, prosa, páginas de diário, correspondência, o tom de intimidade funciona como verdadeiro jogo de sedução estética. Feito de um sutil esconder/revelar que vai muito além do coloquial, torna-se uma inquietante reflexão sobre o próprio fazer do escritor. Não é por acaso que a autora dialoga com outras vozes poéticas contemporâneas. As referências a Walt Whitman, Carlos Drummond de Andrade, Elizabeth Bishop e outros são muitas vezes explícitas. A paixão, o desejo, as vivências urbanas e as impressões cotidianas tematizam uma poesia lancinante e ao mesmo tempo delicada. Ousado sem perder a elegância. A teus pés pertence àquela esfera da linguagem que é, como definia Ana Cristina Cesar, “um tipo de loucura qualquer... que meio tira do eixo”. (Texto do site do Instituto Moreira Salles, que guarda o acervo pessoal de Ana Cristina Cesar.)







Mosaico de fotos de Ana C., disponível em
http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=8215896781525334086&postID=4016663500923124428&from=pencil



O acervo pessoal de Ana Cristina Cesar encontra-se sob a guarda do Instituto Moreira Salles: cartas, originais de poemas e prosa, documentos, fotografias, dedicatórias e livros.
Acesse: http://ims.uol.com.br/hs/anacristinacesar/anacristinacesar.html

Poeta associada à geração marginal, A Teus Pés foi o último livro de Ana Cristina Cesar (1952-1981) publicado em vida.
Em 2008, o IMS publicou o livro Antigos e soltos, compilação com escritos inéditos da poeta. A seguir, um dos poemas do material inédito.

Flores do Mais

devagar escreva
uma primeira letra
escrava
nas imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais


Livros de Ana Cristina Cesar

Novas Seletas (póstumo, organizado por Armando Freitas Filho)
Literatura não é documento (1980)
Antologia 26 Poetas Hoje, de Heloísa Buarque
A teus pés (1998) inclui: A teus pés, Cenas de abril, Correspondência completa
Inéditos e Dispersos, no qual são publicados documentos literários e até desenhos, que vão desde 1961 até 1983, ano da morte de Ana César.
Crítica e tradução inclui:Literatura não é documento, Escritos no Rio, Escritos em Londres, Algumas poesias traduzidas
Correspondência incompleta, constituído de 93 cartas, datadas de 1976 a 1980, enviadas a quatro amigas.


Algo sobre a poesia de Ana Cristina

(Disponível em: http://www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet122.htm)

"Expoente da chamada poesia marginal dos anos 70, a poeta carioca Ana Cristina Cesar (1952-1983) tornou-se conhecida em escala nacional depois de figurar na antologia 26 Poetas Hoje, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda, em 1976.

Inquieta, Ana Cristina viveu mais de uma vez, viajou pelo mundo, estudou literatura e cinema, publicou poesia em edições independentes. Escritora compulsiva, produzia poemas, cartas, artigos para jornais e revistas, traduções, ensaios. Entre os principais títulos deixados por Ana Cristina Cesar, encontram-se A Teus Pés, Inéditos e Dispersos, e Crítica e Tradução. Ana suicidou-se em outubro de 1983, aos 31 anos.

Sobre seu trabalho poético, diz o professor e crítico Paulo Franchetti: "Ana Cristina é um dos lugares principais (senão o principal) do novo discurso poético, que funda a produção e a leitura do fragmento, a recolha do lugar-comum e a incompletude estética como resultado da sinceridade confessional ou como índices da impossibilidade mesma da confissão total."

Segundo o ensaísta, o dado novo na poesia de Cristina está no coloquialismo, numa escrita que não quer ser literatura. "Escrevo in loco, sem literatura", anotou ela. É óbvio que essa mesma novidade não passa incólume pelo crivo dos estudiosos, que apontam na poesia dita marginal a falta de rigor e a tentativa de dar uma marcha à ré em direção ao piadismo e a certa inconseqüência do modernismo de 1922. Não falta também quem veja no movimento uma imagem invertida das vanguardas originárias dos anos 50. Enquanto estas são acusadas de formalistas, o pessoal da poesia marginal recebe a pecha de ter relaxado os procedimentos formais da poesia.

O certo é que Ana Cristina Cesar tornou-se o nome mais forte entre todos os identificados com a poesia marginal. O poeta carioca Armando Freitas Filho, que foi amigo de Ana Cristina e se tornou, depois, o principal divulgador de sua obra, tem uma frase interessante para caracterizar a rapidez e a brevidade da vida e da obra da autora de A Teus Pés. Para ele, a amiga queria "pegar o pássaro sem interromper o seu voo"."

2 comentários:

  1. "Uma amiga minha se matou faz pouco tempo e sua imagem povoa com frequência minha memória"

    F. Gikovake

    Beijos! xico santos

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    1. Xico!O homem que madruga...
      Me levanto e já há uma resposta do pirata, já envolvido com cordas, velas, mastro, timão, embarcação... Todo pronto para respostas argutas. Ele olha o céu, analisa o vento, calcula velocidade e possibildades, recolhe a corda. Hoje a embarcação desliza nos mares.
      Minha resposta a seu comentário vai no post seguinte. Vou linkar no seu face.
      Beijo!

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