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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

domingo, 17 de junho de 2012

Sobre nossas perdas

Diz Elizabeth Bishop, em seu belíssimo poema "Uma arte", que "perder não é nada sério (...) as coisas contêm em si o acidente de perdê-las (...)".
Realmente, saber perder é uma arte que a idade e o tempo vão esculpindo em nós.
Mas não há palavras eruditas e sábias ou líricas que amenizem esse acidente: o doloroso testamento feito em vida de todas as nossas perdas...

3 comentários:

  1. Fez-me lembrar:
    Resíduo
    Carlos Drummond de Andrade

    De tudo ficou um pouco
    Do meu medo. Do teu asco.
    Dos gritos gagos. Da rosa
    ficou um pouco


    Ficou um pouco de luz
    captada no chapéu.
    Nos olhos do rufião
    de ternura ficou um pouco
    (muito pouco).


    Pouco ficou deste pó
    de que teu branco sapato
    se cobriu. Ficaram poucas
    roupas, poucos véus rotos
    pouco, pouco, muito pouco.


    Mas de tudo fica um pouco.
    Da ponte bombardeada,
    de duas folhas de grama,
    do maço
    - vazio - de cigarros, ficou um pouco.


    Pois de tudo fica um pouco.
    Fica um pouco de teu queixo
    no queixo de tua filha.
    De teu áspero silêncio
    um pouco ficou, um pouco
    nos muros zangados,
    nas folhas, mudas, que sobem.


    Ficou um pouco de tudo
    no pires de porcelana,
    dragão partido, flor branca,
    ficou um pouco
    de ruga na vossa testa,
    retrato.


    Se de tudo fica um pouco,
    mas por que não ficaria
    um pouco de mim? no trem
    que leva ao norte, no barco,
    nos anúncios de jornal,
    um pouco de mim em Londres,
    um pouco de mim algures?
    na consoante?
    no poço?


    Um pouco fica oscilando
    na embocadura dos rios
    e os peixes não o evitam,
    um pouco: não está nos livros.


    De tudo fica um pouco.
    Não muito: de uma torneira
    pinga esta gota absurda,
    meio sal e meio álcool,
    salta esta perna de rã,
    este vidro de relógio
    partido em mil esperanças,
    este pescoço de cisne,
    este segredo infantil...
    De tudo ficou um pouco:
    de mim; de ti; de Abelardo.
    Cabelo na minha manga,
    de tudo ficou um pouco;
    vento nas orelhas minhas,
    simplório arroto, gemido
    de víscera inconformada,
    e minúsculos artefatos:
    campânula, alvéolo, cápsula
    de revólver... de aspirina.
    De tudo ficou um pouco.


    E de tudo fica um pouco.
    Oh abre os vidros de loção
    e abafa
    o insuportável mau cheiro da memória.


    Mas de tudo, terrível, fica um pouco,
    e sob as ondas ritmadas
    e sob as nuvens e os ventos
    e sob as pontes e sob os túneis
    e sob as labaredas e sob o sarcasmo
    e sob a gosma e sob o vômito
    e sob o soluço, o cárcere, o esquecido
    e sob os espetáculos e sob a morte escarlate
    e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes
    e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
    e sob os gonzos da família e da classe,
    fica sempre um pouco de tudo.
    Às vezes um botão. Às vezes um rato.

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    Respostas
    1. Eu adoro este poema do Drummond... é belíssimo. "Dragão partido, flor branca". Lindo. Que bom vc fazer que eu o relembre... Beijo!

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  2. Bom você fazer-me lembrá-lo... Beijo!

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