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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Hoje é 15 de março, dia de homenagear amigos. Eu instituí que alguns dias do ano são para cantar nossos amigos. Hoje é dia de festa no Oriente. Hoje é dia de Xico Santos.


Impreterivelmente às quartas

Sempre e somente às quartas, ele espera, tenso, cativo e resignado, otimista e ansioso, um sinal, um ponto no céu, um soar de tambor, um signo em fumaça a escalar uma nuvem, um telefone vermelho a anunciar, algo, qualquer código que antecipe a chegada do prazer.
Não saber da sua vinda torna a sorte um lance ansioso de dados. Saber da proximidade de sua chegada acelera mucos e mucosas.
Tomado pelo transe da espera, abre as folhas da janela e espera. Vê, sem entender, marajás feudais e seus haréns que desfilam sobre manadas de elefantes ornamentados com desenhos hindus. Esses príncipes em vestes incrustadas de diamantes e pedras e bordadas a ouro por suas escravas trazem atrás de si gigantescos jarros de prata com toneladas das águas do Ganges. Dezenas de homens-escravos carregam esse capricho palaciano. Mulheres em sáris atiçam-lhe os sentidos, longos e suaves tecidos a recobrir sem esconder, a velar revelando as vontades veludíneas. A cobrir cabelos negros e lisos e longos, deixando apenas as pupilas negras, escuras e penetrantes a menear um sim que é um não, por vezes um não implorando definitivamente um sim.
A cada passo desse cortejo, peças metálicas tilintam e tilintam nas patas elefantídeas, como a provocar um transe, advertindo uma espécie de chegada imponente e suntuosa. Esse cenário encantado torna sua espera suculenta, sua vontade, estimulada, a mera sensação de um toque nesses tecidos carnais eleva pontes.
Hipnotizado por essa visão, tomado por um prazer lisérgico, salta a janela em suas roupas brancas. Tenta compreender... Transita por essa massa colorida que recende a curry e seda. O ruído metálico cada vez mais próximo das patas gigantes faz entorpecer. Os haréns finamente adornados e defendidos, ele tenta tocar, mas lhe escapam. Esbarra em homens vestidos ricamente que marcham no meio da multidão e tocam uma espécie de flauta. Cada um deles traz rodeada no torso uma serpente. Peçonhenta, a naja sobe e sobe dançando encantada sob a música sinuosa que a Índia oferece. Indefesa, ela permanecerá enrodilhada naquele corpo, como a buscar proteção fora de seu hábitat.
Passam camelos. Homens vão sentados, rodeados por enfeites e presentes. A música sedutora do Oriente faz os desejos aquilatarem. Nesse momento, serviçais retiram de jarros o líquido perfumado que atirarão ao chão, para logo em seguida outros forrarem o caminho com milhares de pétalas de flores multicoloridas.
Um rumor toma conta das palavras. Ele não entende os sinais dessa civilização. Códigos interrompidos corrompem a comunicação. Algo acontecerá. Todos sabem, exceto ele.
A massa então abre caminho, a música interrompe-se, as najas acalmam-se sobre seus hospedeiros. Uma aclamação saúda um noivo, uma noiva. O casamento indiano.

Subitamente, ele decodifica todos os signos, e compreende que o transe acabará em segundos. Corre sobre as pétalas perfumadas, derrubando jarros. Um sentimento positivo toma conta dos movimentos e a resignação torna-se peça do passado. Uma transformação toma conta do corpo, e eleva este homem ao status de herói desse nicho feudal. E ele ganha forças indestrutíveis e adagas que abrem duas lâminas no corpo do inimigo. Em segundos esse cortejo exótico e estimulante desencantará. Um som paralelo a este mundo de sonho chega a seus ouvidos.

Alcança enfim a janela e os marajás e haréns vão se diluindo devagar, najas desenrolam-se e escorregam, flores murcham num átimo de tempo. A música vai soando longe. Os perfumes chegam mais brandos aos seus sentidos...
E eis que, ao pular novamente a janela, a realidade retorna instantaneamente, e o som torna-se mais intenso.

Vira-se em direção à porta. Fecha os olhos e ouve um tilintar leve a marcar, numa tornozeleira, os passos dela. Os passos dela. Ele conta milímetros do caminho, da calçada até o portão, depois, do portão até a porta principal... depois... Sente todas as cavidades e os fluxos no coração; músculo, artérias e veias a acelerar. Tamanha é essa presença.

Olhos fechados, e sândalo atinge em cheio um de seus sentidos. As vontades de uma adaga repartem sua lâmina em duas antes mesmo de atingir o alvo.

Uma imagem diáfana surge envolta nos tecidos mais finos, bordados com pedrarias trazidas do Oriente, adornado com as joias mais raras e delicadas que usou Taj Mahal, Ornamento do Palácio. Um diamante raríssimo crava-se na narina direita, a brilhar e iluminar o conhecido. O som interrompido da tornozeleira sinaliza que o prazer está ali. O farfalhar da seda com suas pedrarias revela instintos de um kamasutra longínquo.

Olhos heroicos permanecerão fechados. Tocando o infinito.





Um comentário:

  1. Isso é lindo e eu mereço e agradeço. Vou botar lá no V&P.
    beijos, te amo!
    xico santos

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