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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A ampulheta e de novo os dias ingleses

Sexta-feira. Dia cinza e um friozinho me faz pôr um casaquinho leve de manhã para trabalhar.
Aqui da janela do meu local predileto, minha moça do tempo, meu olhar para o futuro, privilégio de poucos nesta cidade que fecha a vitrine e o céu de seus moradores, a pequena felicidade preenche de areia morna a minha ampulheta cor de laranja.
Viro o pequeno objeto. A areia desliza e muda minha sorte, enfim. Enfim, a virada. Areia nova, novos tempos, frescor, nova era, tempos novos estão de volta. Eu disse antes: a intuição havia sido beliscada no meu miolo. Eu sabia.
E esta manhã cinza, londrina como eu gosto, coroa esta minha pequena felicidade. Que não quero grande, nem muitas. A idade me ensinou que, como na Farsa de Inês Pereira, do grande Gil Vicente, "mais quero asno que me carregue, do que cavalo que me derrube". Explico. Vi essa peça quando tinha 17 anos, eis que estou com 48. Por que me lembro disso agora... É que a grande felicidade pode ser como um corcel poderoso e belíssimo, que, a grande galope, nos deixe pelo caminho. Isso já me aconteceu por vezes na vida. Já a felicidade que come pela borda, de mansinho, e nos seduz na velocidade 1, parece que tem mais chance de seguir em frente e permanecer, sem nos surpreender, sem que nós nos assustemos também e saiamos correndo. Foi isso que Gil Vicente me ensinou aos 17 anos anos, só que demorei uns 30 anos para aprender. Fazer o quê? C'est la vie. Antes tarde do que nunca.
Pois bem, este dia cinza, inglês, em que só falta o fog que pontuou minha adolescência na leitura das histórias das irmãs Bronte cheias de charnecas, amores não correspondidos, dramas, casas escuras, manhãs cinzentas, alegra agora minha sexta-feira, me perdoem aqueles iriam para a praia hoje... Posso ser egoísta um diazinho só?...
Eu, que estou programando minha sexta, sábado e domingo, prefiro este cinza (não que eu dispense o sol e céu azul, não, eu também adoro o calor, sou eclética nos meus gostos). Mas, por favor, também há luz nesses dias cinzentos. Porque a luz, na verdade, não está nos dias, está dentro de nós.
A ampulheta aqui a meu lado que o diga. A areia vai seguindo seu rumo, mudando meu destino, porque as ampulhetas têm esse poder místico.
Sempre que se quiser mudar algo na vida, pegue uma ampulheta, vire e a ampare forte sobre uma bancada. Mas é preciso acreditar, fortemente, que o conteúdo daquela areia é o conteúdo do tempo, regido pelo poderoso deus Cronos.
Enquanto a areia vai escoando, devagar, e você vê o tempo literalmente passando, é possível pensar que Cronos tem o poder de vir em seu socorro. Como os mais velhos dizem: o tempo é o melhor remédio para todas as dores e para tudo. Esse é o poder da ampulheta, ela é capaz de virar tudo: uma briga de namorados, de marido e mulher, combater uma doença, aceitar a dor da morte.
Eu tenho essa paciência de acreditar no remédio do tempo, não para tudo, mas para algumas coisas. Eu aqui e minha ampulheta que reserva uncle Cronos para mim já vimos viradas que nem novela é capaz de mirabolar... É... Portanto, nada é impossível para uma ampulheta.
Quando digo essa frase mágica, algumas imagens me vêm à mente, fatos que me aconteceram que só Cronos mesmo poderia trazer em sua bandeja de surpresas na esteira da areia milagrosa. Por isso, tenho sempre uma ampulheta comigo. Nada de amuletos, fitas, patuás. A ampulheta é a materialidade mais rica das surpresas do tempo.
Ah esse senhor dos destinos e das reparações. Ah esses dias ingleses...

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