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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Os bondes de Santa Tereza

Quantas vezes tomei o bonde que vai do Centro do Rio ao bairro de Santa Tereza. Inocente, ficava naquela fila que mais parecia uma Babel: franceses, ingleses, alemães, italianos, poloneses, portugueses, espanhóis, japoneses, eu, o officeboy que corria com documentos para entregar -- este ficava na fila daqueles que queriam ir no estribo mesmo, pois tinham pressa.
O bonde que cruza sobre os arcos da Lapa e me dá arrepios, pois tenho acrofobia. Ainda assim, lá de dentro, estico o olho para ver a decadência misturada ao charme que a Lapa traz da época da sua malandragem... O medo de passar sobre os arcos e o bondinho virar lá de cima sempre me acompanhou, porque sou medrosa mesmo, por natureza. Quando o bondinho enfim chegava ao final dos arcos e seguia pelas ruas bucólicas do bairro, meu coração sossegava um pouco, inocente que sou...
O motorista (se é que podemos chamá-lo assim) fazia lá seu milagre a cada trajeto e eu chegava inteira lá no alto de Santa Tereza. Aí, era só caminhar e depois sentar-se num bar qualquer e tomar uma cerveja bem gelada, porque o Rio é muito quente para não se tomar uma loira...
Na volta, nunca peguei um bonde para descer. Voltava por outros meios.
Mas Santa Tereza tem para mim muitas lembranças. Ótimas. Gosto de passear na memória e reencontrar esse ponto guardado ali. Sempre ensolarado, o bonde chegando, a alegria de Santa Tereza tomando o corpo, a cerveja gelada gerando um confortozinho, umas horas boas, e depois descer para o Rio e ver o mar, a areia branca e o azul... é sempre bom ter o Rio plantado na memória.
Pois ultimamente, quando vou ao Rio não tenho mais ido a Santa Tereza, seja por falta de tempo, seja por trocar por outro passeio.
Ao ler os jornais, três notícias me deixaram também mais medrosa do que já era em relação ao bonde que nos leva ao bairro de ruas bucólicas e deliciosas. Há algum tempo, li que numa das ruas o bonde não aguentou subir, voltou em ré e causou pânico nos passageiros. Uma adolescente acabou pulando do bonde, com medo, e se acidentou fatalmente. Noutra vez, recentemente, um turista francês foi fotografar uma amiga bem no trajeto sobre os arcos da Lapa. Pisou no estribo, resultado, caiu lá de cima, pois se desequilibrou e havia uma buraco na rede de proteção... Agonizou no chão da Lapa, onde foi roubado por moradores de rua ainda em seus últimos instantes de vida, dá para acreditar? E agora o acidente terrível nesta semana, em que fica claro o descaso das autoridades em relação à manutenção dos históricos bondes que levam a Santa Tereza.
Há muito tempo os funcionários expõem a fragilidade do maquinário, sobretudo dos freios, eles temiam que algo grave acontecesse havia muito tempo. Não aconteceu sei lá por qual motivo: porque não tinha que acontecer; ou talvez pela boa vontade e perícia dos "motoristas" de bondinho, calejados de dirigir aquela engenhoca mal aparatada, mal mantida, com mecânica prá lá de mal feita; os religiosos diriam: foi porque Deus não quis...
Mas fiquei me lembrando das vezes em que chacoalhei lá em cima dos arcos e, medrosíssima que sou de altura, pensava pessimista que o bonde poderia virar e tombar e cair lá embaixo não fossem as ótimas manobras daquele homem que ganhava tão pouco ali na frente... Depois de feito o trajeto dos arcos, meu coração desassossegado de maluca pensava: e se esse bonde não tem freio? Só ficava tranquila quando descia na parada da verduraria, que, aliás, tem uma dona sem noção, que tem umas placas assim na fachada: "Proibido fotografar".
Meu deus, como proibir fotografar em Santa Tereza, sobretudo se a loja de verduras dessa senhora fora de senso fica bem em frente da parada do bonde?
Certa vez, eu desci do bonde e atravessei a rua. Sou uma sagitariana com ascendente em aquário, portanto, sou muito distraída. Não vi as placas de "Proibido fotografar" da dita senhora. Pisei na calçada e esperei quem me acompanhava, que ainda estava no bonde; eu infelizmente estava em frente da verduraria...
Quem estava comigo desceu do bonde e começou, como todos os turistas, claro, que se deslumbram com Santa Tereza, a fotografar o bairro em outras direções, mas não as verduras... afinal, quem vai a Santa Tereza para fotografar verduras?!
A senhora em questão, com um sotaque luso, começou a gritar: "É proibido fotografar! Vou processar você! É proibido fotografar!"
Eu achei que ela estava falando com outra pessoa, porque ninguém estava me fotografando, afinal... Por fim, ela veio à rua, houve um bate-boca horrível, e ela jura de pés juntos, até hoje, que fui fotografada em meio a seus tomates, couve-flores, acelgas, batatas, salsinhas, cebolinhas...
Abrimos as fotos: não havia uma só verdura ao meu redor! Nem havia foto minha em Santa Tereza! Muito menos envolta nos verdes daquela senhora estressadíssima.
Portanto, leitores do meu blogue, cuidado: ao pisarem em Santa Tereza, evitem ser fotografados entre tomates e hortelãs. Isso pode azedar seu dia...
Mas voltando aos bondes de Santa Tereza, eles agora estão por um tempo fora de circulação. Confesso que saber disso me fez sentir saudade de esticar meu olho lá de cima, ver o bar sórdido num canto da Lapa, da adrenalina sobre os arcos, de ficar na fila da Babel, depois, descer no alto de Santa Tereza, dar um passeio e só esperar pela loira gelada.
Agora, é esperar e já me imagino de novo, coração em desassossego, um olho fechado e outro aberto, lá de cima dos arcos, mirando aquele bar sórdido de esquina na Lapa. Tudo por uma breja lá em cima, em Santa Tereza...

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