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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O sorriso e a ginga de Nelson Correa da Silva

Numa das vezes que fui a Santa Tereza de bondinho, estava na fila da Babel, alegre e conversadeira, rindo e gargalhando, e ouvi alguém gritar numa voz alegre, típica dos cariocas, em meio àquele calor violento que exaure, naquele sotaque cheio de chiados bom de se ouvir por algum tempo:
-- Cabe mais dois! Vamos lá! Corre... -- era o condutor (descobri que é assim que se diz) do bondinho.
Corremos e subimos no estribo. Perguntamos: "Mas onde?!" O bonde estava cheíssimo, lotado nos bancos e nos estribos. O condutor então disse "fiquem aqui, pertinho de mim, os dois", e sorriu sedutor, meio malicioso e com ginga, mas um sorriso de rosto cansado, pronto pra tocar mais um trajeto do comboio.
Como estava muito apertado, eu acabei ficando em pé, próxima da janela, mas meio na frente de quem estava sentado à esquerda. Antes de sair, ele me pediu: "Senhora, vamos ficar bem coladinho à esquerda pra minhas amigas aqui sentadas não perderem a vista..." E sorriu. O bonde aberto, correndo no alto, meu medo de altura, meu medo daquele bondinho que eu sabia não ser lá uma brastemp de manutenção (mas não tinha ideia de que o buraco ia mais embaixo)... Mas ele pediu com tanto jeito e sorrisos que, quando vi, estava no alto dos arcos, colada no vão aberto do bondinho, agarrada sei lá em quê, vendo seu rosto sério, o sorriso desfeito naquele momento, e ele ali, nos conduzindo naquele trajeto cartão-postal, mas perigoso.
Fechei os olhos, coisa de gente medrosa. Mas ouvi: "San-San, olha nosso bar lá embaixo", e abri os olhos, mas só um pouquinho. Vi o sórdido cheio de azulejos ao redor, e ri, um riso nervoso, mas gostei, adrenalina.
O nosso alegre e responsável condutor voltou a sorrir subindo as ruas do bairro. Simpático, as pessoas faziam perguntas, ele respondia, mas sempre olhos cravados para a frente, mãos firmes no timão daquela engenhoca -- que ele sabia que tinha uma bomba-relógio nas mãos, nós que não sabíamos direito disso. Engraçado, ao longo do trajeto dos arcos, ele ficou tenso, e só silêncio. Só voltou à ginga e a responder aos turistas nas paradas e aqui e ali ao longo do bairro nos trajetos mais lentos, em que o bonde talvez desse mais segurança, não sei, estou supondo.
A cada descida nas paradas, tamanha simpatia tinha sua retribuição com sorrisos, adeus, ou "quero descer ao centro do Rio com você!", obrigada!, foi ótimo! etc. Ele parecia um pouco aliviado e recompensado pelos sorrisos e despedidas cheias de carinho e agradecimentos. Merecidos: por saber lidar conosco, os turistas, e por ter nos levado até ali naquele trajeto certamente cheio de perigos que um bonde deve ter.
Hoje de manhã, vendo com mais atenção a foto do condutor do acidente trágico (e anunciado), reconheci o ilustre condutor que me levou daquela vez a Santa Tereza, que nos convidou para ir "a seu ladinho" e me pediu para "não tirar a vista das senhoras da primeira fila" -- o que foi muito justo.
Agora, algum tempo depois, entendi quando abri um olho e vi seu sorriso carioca se transformar num rosto tenso sobre os arcos da Lapa e aqui e ali nas ladeiras de Santa Tereza. Mas Nelson Correa da Silva, o alegre e simpático condutor que me levou com segurança naquele dia a meu destino, certamente deve ter, ao longo de seus tantos anos ali, evitado tragédias naqueles bondinhos, assim como outros colegas de profissão.
Não me surpreende agora, depois de tanto lermos e vermos sobre o estado dos bondinhos, alardeados já há tanto tempo na mídia e desmentidos pelas autoridades, essas mesmas autoridades repassarem à parte mais fraca da corda -- o condutor -- a culpa de um acidente que vinha se propagando há tempos, vide acidentes recentes acontecidos, que poderiam ser evitados com cuidados muito pequenos da manutenção, que não foram feitos -- por exemplo, a grade rompida nos arcos que levou à queda fatal do turista francês em junho deste ano.
Nelson Correa da Silva é vítima, caras autoridades do Rio de Janeiro, e herói, por tantos anos, provavelmente, ter feito manobras que evitaram outras tragédias. Pena o seu descaso -- das autoridades do Rio de Janeiro
-- ter feito vítimas fatais e ter levado o sorriso, a ginga e a graça de Nelson de todos nós.

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