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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

sábado, 17 de setembro de 2011

A vida é sonho - caminhando pelas ruas de Buenos Aires

"A vida é sonho, e sonhos sonhos são." (Calderón de la Barca, in A vida é sonho) Ano passado tirei 10 dias de férias em outubro. Todos trabalhando ou na faculdade, tive que ir solteira para a Argentina. Confesso que foi uma viagem ótima. Estar apenas em nossa companhia, fazer exatamente o que queremos, no momento em que queremos é algo raro e prazeroso. Não que eu não goste de estar com as pessoas, não. Sou bem sociável e gosto de estar acompanhada. Sobretudo de pessoas próximas, que me conhecem bem, com quem já tenha estabelecido intimidade e com quem eu tenha afinidade. Gosto muito de viajar junto nessas condições. E para Buenos Aires, nada melhor do que fazer passeios juntos, ir jantar com as pessoas, tomar vinho, das boas risadas, ir a shows, ir dançar, essas coisas boas da vida. Mas nada impede que faça,os isso sozinhos, se estivermos de bem com a vida e prontos para mais uma aventura. Aproveitei minhas milhas, hotéis baratos e bem localizados para facilitar minhas saídas noturnas, pois não sou de ficar à noite fechada no quarto. Foram 6 dias em Buenos Aires e 4 dias em Mendoza: eu, meus desejos todos atendidos, minhas vontades femininas feitas na hora, lugares aos quais sempre tive vontade de ir, mas eu acabava cedendo minha vez aos outros. Não há melhor companhia do que nós. Aprendi isso mais uma vez nessa viagem. Fazia muito tempo que não viajava sozinha, muito tempo mesmo. Sempre havia a companhia da filhota (deliciosa sempre, Isadora) ou do companheiro. Fazia anos que não experimentava o doce estar.Como não conhecia Mendoza, aproveitei o que pude de seus vinhos e azeites, de suas ruas tranquilas, das minhas caminhadas em que podia pensar para onde estou indo e se quero ir. Houve um momento de insight: um casal, num passeio que fiz, me ensinou muito sobre futuro e aproveitar a vida hoje. Eles juntaram dinheiro para aproveitar e viajar depois que se aposentassem. Um ano antes disso, ela teve um grave AVC ainda jovem. Apesar disso eles estavam ali, caminhando devagar no passo dela, mas ele me dizia baixinho: "por que não passeamos mais antes... agora é tudo tão difícil..." Eu não respondi, não soube o que dizer. Achei então melhor não dizer nada. Eu pensei que apesar de trabalhar muito, tenho aproveitado muito minha vida. Pouco dinheiro, mas boas viagens, que é o que gosto de fazer. Trabalho vários meses num ritmo pesado, aí posso aproveitar um pouquinho a vida um ou dois meses do ano... pensei nisso quando conheci esse casal em Mendoza. Eu não posso me queixar. Apesar de faltar ainda muita coisa a fazer na vida, já fiz bastante do que gostaria, do que desejei ao longo do tempo. Isso é uma satisfação que não tem preço. Bem, voltando... não vou encher de detalhes aqui sobre a viagem, porque são muitos e seria tedioso para o leitor, mas o suprassumo voltando a Buenos Aires foi assistir à montagem A vida é sonho, de Calderón de la Barca. Desde adolescente, sempre quis ver no teatro esse texto e nunca tinha conseguido. A montagem que vi em Buenos Aires é jovem, o ator que dá vida ao personagem principal, belíssimo e perfeito na interpretação. O espetáculo todo, além do lindo texto, atualíssimo, é emocionante. Segismundo é o filho renegado do rei da Polônia. Ao nascer é trancafiado em uma torre, e assim vive preso, tendo apenas um único contato ao longo da vida. O texto narrará suas desventuras e aventuras, abordando a instantaneidade da vida, de como ela é uma ilusão, e sendo uma ilusão, um sonho, como tratá-la e chegar até seu fim, a morte. A vida, portanto, é sonho, é ilusão. Saí dali e fui caminhando pelas ruas cheias de pessoas e luzes do centro de Buenos Aires. A cidade plana, urbanizada, em que se pode caminhar por horas... Pensei na minha viagem e no que a minha vida é e poderia ser. Se a vida é sonho e ilusão, que acreditemos nesse sonho em que nos encontramos, e façamos dele nosso roteiro, o melhor possível, para que nossa vida não seja vã e não cheguemos à margem do rio com a sensação de vazio. Que o sonho seja o melhor sonho sonhado e construído por nós, uma ilusão da qual valha a pena se lembrar ao pingar uma moeda na boca do barqueiro. Que se cruze o rio com a sensação de ter deixado para trás um sonho vivido ao máximo, da melhor maneira, ter amado, ter-se apaixonado, ter "morrido de amor" (esta frase não é minha), ter querido muiiito minha filha adorada, cuidado e me dedicado a meus pais, embalado meus amigos, entornado os melhores vinhos (que meu bolso puder), pisado em todos os solos e culturas que eu puder conhecer, ler todos os livros que eu conseguir e trabalhar com prazer e dedicação espartana para conseguir tudo isso... Um sonho possível. É o que quero viver... O vento de outubro estava gelado e delicioso para quem gosta de frio e de caminhar em ruas planas e calçadas próprias. Adorei me sentir uma mulher livre no mundo, porém, com fios afetivos que me chamavam para uma geografia tropical. A brisa leve do frio portenho daquele dia ventilou os pensamentos e me lembrou que eu precisava ligar para a filhota, para meus pais, para o amado, para uma amiga com quem eu havia dividido um trabalho (já que eu estava em férias e não queria me matar de trabalhar no período de descanso)... Um sonho possível e à mão para quem tem um celular e a vontade de dizer alô, como eu tinha. -- Oi, filhota, tudo bom> Saudade, mamis te ama, viu> Vou entrar no cinema, liguei só pra dar sinal de vida...

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