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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Paciência

O Ministério adverte: ouvir o link do youtube torna este texto mais gostoso:
http://www.youtube.com/watch?v=sXmWAOIWg3w


Absorvida num sorveudoro, como se não conseguisse jamais voltar à superfície. Prazos, pressão, "até o dia 23.12, impreterivelmente, sem prorrogação", "você viaja no feriado prolongado das festas ou vai trabalhar?" é a pergunta mais frequente que me fazem desde o início de dezembro; "pode pegar 700 laudas até dia 2.1.2012?"; "consegue fazer 300 páginas em dois dias?"...
Motoqueiros chegam à minha portaria, exautos pela pressão que sofrem para entregar com urgência trabalhos -- que eu realmente não sei se tinha tanta urgência assim (que deu o start da urgência, alguém perguntou?...) -- que no prazo de algumas horas devem ser novamente desembocados como uma pizza numa fornalha tosca, como se não fossem tecidos de palavras, e frases, e ideias, e conceitos, e concatenações, e argumentações, e sentido, e ironias finas, ou simplesmente nonsense estabelecido. São textos, mas parecem pizzas, tamanha a velocidade que me pedem para imprimir à leitura, sobretudo nessa época do ano.
Os motoboys então vêm retirar o "urgente" pacote, o livro, cansados, exaustos e abatidos, eletrizados pelo trafegar no trânsito entre buzinaços e xingamentos e época de Natal. Um caos indiano de buzinas e carros apertados entre si, e motos em fileiras como num longo fio imaginário a pensar: "tenho urgência, tenho urgância" -- mas de que mesmo?...
Eu faço o que me pedem, mas vou "na minha valsa", como diz a música. Se é fora da realidade humana, ultimamente tenho dito não, ou proposto um prazo humano e cumprível, caso se queira que eu realmente faça o tal livro ou catálogo ou revista ou fôlder. Caso contrário, haverá outro trabalho me esperando no Universo, que seja cumprível humanamente, sem ultrapassar minha capacidade mental e intectual e física, como eu costumava fazer no passado, simplesmente para dar conta "daquele start", a tal urgência que alguém mencionou e ninguém sequer questionou por quê!
Vi muitas vezes profissionais que pressionaram um colaborador ao telefone por questão de um dia de entrega. O trabalho chegou. O colaborador se exauriu para cumprir. Mas o trabalho, observei, ficaria mais de uma semana parado sobre a mesa de quem pressionou a entrega urgente. Só depois de dias ele(a) abriria o pacote para afinal verificar o material trabalhado.
Minha paciência foi se estreitando para essas pequenas coisas do ser humano. Sobretudo se trabalhamos em uma empresa e vemos estas coisas com os próprios olhos.
Portanto, estabelecer minha própria empresa, do meu jeito, e aceitar ou não certas condições de trabalho, neste mundo neoescravagista, é minha forma de resistência a tudo isso e minha forma de me colocar no mundo. Eu "trabalho" para o capital (péssima e dolorida verdade e constatação) porque sobrevivo dele, infelizmente, mas não me rendo à sua roda de dentes ameaçadores, voraz, que rende almas, juventude, saúde, tempo com os filhos, com o namorado, marido, amigos, tempo para a caminhada e ginástica diária ou uma tacinha de vinho e conversa num fim de tarde (porque o capital impõe que você precisa produzir no mínimo 14 horas por dia...).
Se quero ganhar mais, me rendo a mais horas e a prazos mais estreitos por espontânea vontade. Quando não quero, "vou na valsa" do meu limite, e absorvo os trabalhos que quero fazer, da natureza que me interessa, no prazo que acho que conseguirei cumprir...

Moça no trigal, de Eliseu Visconti (1912)

Paciência... Eu tenho, leitores.
O mundo acelera e pede pressa, mas eu me recuso e vou na valsa, sou uma sagitariana resistente... O corpo pede alma, e eu dou a ele o que ele quer, sempre que posso.
Esta é uma aquisição recente. (Antes tarde do que nunca, diz minha mãe.) E escrever isso me traz um arrepio de felicidade. Amadurecer traz craquelares no corpo, mas traz ganhos para a emoção e a mente. É como despertar para algo completamente novo, mas que estava bem ali, diante de você.
A vida é rara.
Cara.
E curta.

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