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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Mais amor, por favor

Pego um táxi e zarpo para um almoço com minha queridas da editora. Faz tempo que quero encontrar com elas.
Estou de mau humor. O táxi que pego é um carro antigo; o taxista parece tão desapropriado quanto ele; tento descer o vidro para tomar um pouco de ar: o vidro desce todo quando tento detê-lo no meio. Então, tento subi-lo, já que percebo que está 'avariado'. O taxista se constrange. Ele dá um comando lá na frente e o sobe até o meio da janela. E me pergunta: "Está bom assim pra senhora?"
A burguesa aqui, simples habitualmente, porém, quando mal-humorada, inconveniente, diz que tudo bem, e pula imediatamente para a esquerda no banco de trás para fugir do vento que a despenteia -- já que percebo que o mecanismo de sobe e desce está quebrado, não conseguirei ter uma corrida decente em termos de controle de ar vindo no meu rosto. Ou será tudo. Ou será nada.
Mas meu Deus. Por que estou tão intolerante? Tão inconveniente? Tão arrogante? Eu não costumo ser assim... Minha filha me diz que fico assim quando estou irritadiça, quando me sinto acuada ou quando me contrariam. São essas as situações segundo ela.
Neste momento, estou mal-humorada. Portanto, é o momento irritadiça. Eu não deveria agir assim; este taxista está fodido de verde-amarelo. Não fosse isso, não estaria neste táxi quebrado, antigo, com vidros quebrados em seu mecanismo. Está lutando pela sobreviência com armas despreparadas... Por que estou sem dó nem piedade? Eu, que geralmente tenho tanta?
Vamos para debaixo do Minhocão. Vejo vários cartazae: "Mais amor por favor", em sequência. Aquilo me cala fundo depois da cena mimada que fiz. Olho para a direita. Há inúmeros mendigos tomando sol sobre cobertores feitos de lã prensada, no calçadão. Incólumes à minha dor, eles estão ali, vivendo o quinhão que podem, recebendo a vitamina D que lhes cabe, gratuitamente. Talvez o único item gratuito de sua vida de rua.
Olho para a esquerda. Meu coração recebe uma pontada. Entre restos de comida, quentinhas usadas e amassadas, cobertores sujos e amarfanhados, roupas enroladas, caixotes, há pessoas, que só podemos distinguir depois de um olhar muito atento.
"Mais amor por favor." Onde está o amor? Onde está a humanidade para estas pessoas que eu tenho que me esforçar para ver em meio a sujeira, ao cinza do concreto, às pedras de calçamento? Onde está meu amor quando faço uma cena muda, como uma atriz melindrosa, por causa de um vidro que não abre nem fecha direito? Onde está o amor? O meu amor? O amor de todos? O meu esterno dói. Meu estômago revira. Minha mente dá voltas. Mas o que faço de efetivo com tudo que sinto e que penso? Apenas guardo numa gaveta em meu cérebro sutil, para pensar depois. Mais um belo texto, sofisticado, crítico, mas que não me levará a lugar nenhum, nem os levará, estes que vivem seu quinhão cinza entre as pedras e concreto cinza, que se perdem entre eles, se metamorfoseiam, como camalões da metrópole. Camaleões cinza.
"Mais amor por favor."
O táxi me deixa no número 89 da Barão de Limeira. Espero o grupo que vai me encontrar ali para um almoço. Fico na calçada a esperar.
Do outro lado da rua, vejo uma figura digna de ser descrita: envolta num tecido branco, não sei se é uma mulher ou um homem, mas está em prece maometana na esquina, não entendo bem o que está fazendo... à sua direita há um séquito de pessoas envoltas em cobertores, tecidos, lençóis. Estou na Cracolândia. Havia me esquecido disso. A figura em prece maometana começa a se mexer de repente e vejo que em seu lençol branco surge uma mancha, de repente. A figura urina naquela posição, e o tecido da cintura para baixo fica todo molhado. Meu estômago embrulha ao pensar que ele passará os próximos dias envolto naquilo...
"Mais amor por favor."
Minhas amigas chegam, e já estou instalada dentro da galeria, que na verdade é um shopping que se chama Moto Adventure, ali há um ótimo restaurante japonês. Meu amor não deu conta de testemunhar até o fim a saga do homem em prece maometana. Meu estômago não tem o amor de um missionário, descubro rapidamente.
Almoçamos e conversamos, e percebo que nossos problemas são bem mais sofisticados que os daqueles seres pelos quais passei naquele trajeto rápido de minha casa até ali. Eu faço terapia. Minha filha faz terapia. Temos assistência médica. Minha filha estuda numa faculdade particular. Moro num apartamento que divido com muito livros e Cds. Eu fui assistir ao balé no Municipal no domingo, e me emocionei muito com o Cisne Negro. Minhas queixas são burguesas, eu chego a essa conclusão...
Atiro um pedido ao meu coração: "Mais amor por favor", e espero que todo meu ser ouça. Não quero ser apenas mais uma burguesa, mas o que devo fazer neste mundo para tentar mudar o que está a meu alcance?
Olho no espelho, e uma personagem entristecida surge refletida ali.

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