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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

domingo, 22 de julho de 2012

O perfume e o feitiço do tempo

O médico me pediu pra deitar na maca do pronto socorro. Eu estava muito fraca. Pesando 60 quilos, eu havia perdido cerca de 2 quilos nos últimos 5 dias. Resultado, devia estar com uns 58 naquele dia e uma tremedeira de fraqueza. Meu jeans estava caindo e percebi que tinha de fazer mais um furo no cinto largo que eu trazia tentando segurar as calças.
Eu me deitei com dificuldade, senti uma tontura forte. O médico me ajudou com bastante delicadeza. Ele viu meu estado cinza e a palidez.
Fazia cinco dias eu não comia praticamente nada. Era 5a feira. Desde domingo eu tinha vomitado um dia e uma noite inteira. E a partir de então tivera um estado de diarreia constante até a chegada ao pronto socorro, e um enjoo forte também. Meu estado era lastimável.
Ele me disse: "Mocinha: você assistiu 'Alien, o oitavo passageiro'?" Respondi que sim, umas partes. Ele falou então: "É isso que tem dentro da sua barriga. Um alien, um passageiro estranho. O que você pegou não foi uma virose como disseram, foi uma intoxicação alimentar de uma bactéria fortíssima, eu diria virulenta. Mas eu vou dar um jeito nisso. Você vai sair daqui hidratada, com cor nesse rostinho, com ânimo e sem enjoo, sem diarreia nem vômito! Fica tranquila."
Reconheço meu egoísmo burguês, confesso, mas eu estava me sentindo tão mal, que apesar de não ter um acompanhante ali comigo (eu sou sempre muito independente, não gosto de dar trabalho. Não peço ajuda nem companhia para ir ao PS. Minha filha, namorados, família ficam putos comigo! Mas sou assim. Natureza de gato!), dei graças a Deus de ser aquela procentagem mínima da população que tem acesso à saúde dos bons convênios médicos... Eu, que costumo ser tão preocupada com o mundo e as pessoas desprovidas, estava tão mal de sáude, que me senti bem de poder pagar aquela pequena fortuna mensal e poder entrar no Samaritano e pedir arrego e ajuda para aquela diarreia que durou cinco dias sem cessar... Eu achei que estava meio morrendo.
Bem, eu estava na maca, meio morta, meio zumbi, meio viva, quando o médico me perguntou assim: "É Polo, não é?" Na minha quase morbidez, não entendi. Eu tive que perguntar: "O que, doutor?" "Seu perfume, é Polo?" "Não, acabei de tomar banho, e usei um feminino de patricinha da Occitane, doutor Fulano, não pode ser Polo nem aqui, nem na França!" Falei sem forças, mas tentando aspergir minha fala do humor e ironia que me permeiam sempre. Ele riu, achou engraçado, mas disse e reafirmou: "É Polo que tem no seu cabelo, tenho certeza!" E me mandou pra sala de medicação.
Foi aí, depois de tantos dias, que me lembrei: 'claro!' Ele havia me abraçado antes daquela tragédia toda de intoxicação! E beijado meus cabelos. O perfume ficara ali durante esses dias que não pude sequer me alimentar, imagine lavar os cabelos, só de cama e imprestável!
A pousada toda se contaminara com a tal bactéria virulenta que o doutor dissera. No domingo todos tomamos café da manhã e estrada! Eu vomitei durante a viagem. Ele, cromossomo Y, segurou a onda e dirigiu se sentindo mal. Coisa de homem mesmo -- pra não dizer de John Wayne... Ele ficou de cama 3 dias. Eu fiquei 5. Coisa mulherzinha. Eu tive que ir pro hospital, ele não.
Mas voltando, antes dessa pequena tragédia, nós nos divertimos muito. Fazia frio, decidimos viajar juntos.
Havia muito tempo que eu não viajava e esse début me trouxera uma sensação de retorno a um lugar que é meu: uma mulher alegre e divertida que havia ficado paralisada numa rua qualquer do Brooklin, em Nova York, há cerca de um ano. Um feitiço. Um vudu. Sim. Questões de foro íntimo. Fiquei congelada lá, projetada para fora de uma yellow cab.Como alguém tão decidida e segura como sou pôde se dobrar a algo tão pequeno e mesquinho? E se render e ficar ali, parada para fora daquele táxi amarelo, olhos fixos no tempo, emudecida?
Pois foi necessário um tempo. Um tempo e um homem generoso para desencavá-la dali. Como a Estátua da Liberdade, permaneci fincada naquele lugar que não me pertencia, porque me disseram que era ali que eu tinha que ficar. Talvez tenha sido a força com que foram ditas as palavras, talvez o medo que tive. Mas alguém enxergou minha dor, como se eu estivesse paralisada como um manequim numa vitrine; ele olhou, se interessou, e, como um cura, destinou seu cuidado para me tirar daquele vidro que me restringia.
Pois lembrando agora da pergunta do médico quando eu estava sobre a maca: "É Polo, não é?" Sim, é Polo Black, doutor...




O perfume Polo Black



Naquele fim de semana ele beijou meu rosto, a boca, a testa, os meus cabelos; e me abraçou como um urso-dourado -- coisa que adoro, pois assim me sinto protegida naqueles braços masculinos de pelos alourados. Também tivemos um momento Odara depois de subir por uma hora um morro que parecia não ter fim. Ao chegar no topo, eu me deitei no platô de pedra quente e pus os braços sobre o rosto para descansar da subida íngreme que fizéramos. Ele ficou ali, um peixe de olhos bem abertos observando e trazendo pra dentro de si aquele espetáculo de natureza que invadia nossa visão naquela altura sobre o vale.
Eu, menos sensível, fiquei deitada de olhos fechados, só amornando meu corpo feminino e lânguido, louco pra sentir aquele prazer do calor quando chega no top da temperatura, que minha filha chama de "bafão". Adoro! O calor subindo da pedra e se transferindo para meu corpo me fazia sentir descansada e morna, uma delícia.
Ele tirou a camiseta, estava molhada da subida, ficou uns minutinhos sem ela, e depois a vestiu de novo, se esgueirando pedra acima, deitando uns centímetros abaixo de mim. Ficamos uns minutos assim. Num descanso solitário.
Mas o corpo dele é um ímã feroz, e a voz dele é um magneto possante. Suas histórias de pescador, o perfume delicioso do seu corpo em contato com o calor da pedra batida de sol, seus olhos cor de mar vez por outra me chamando. Então, não tive dúvida: me esgueirei como uma gata manhosa me apoiando sobre as mãos e os quadris, e rolei as coxas sobre a pedra. E Pluft! Num segundo estava lá sobre o braço dele. Ele apoiou os meus ombros me abraçando, e eu joguei minha perna esquerda sobre suas coxas e me esgueirando de lado sobre seu braço. Ficamos nessa posição sei lá quanto tempo. Tempo? Que palavra é essa?
Não sei... Jogamos para trás os relógios. E aí ele me contou uma porção de coisas engraçadas... Minha gargalhada masculina ecoava no vale. Era eu de novo. A mulher da gargalhada que não tem vergonha do mundo.

***
Ele sempre me diz: "adoro sua voz..."
Mas a voz dele... Como posso explicar? É um misto de serpente no paraíso, sibilando o pecado, e de algo luxuriante a desprender como névoa. Há uma força do cromossomo Y que vem de um tom grave e o timbre, que é muito masculino, perfeito, e Muito marcado ao telefone. E o crème de la crème é o sotaque -- que sempre me faz sentir o cheiro de maresia, como se eu estivesse pisando o Arpoador e ouvindo bossa nova.
***

Voltemos...
Enroscados sobre a pedra, inúmeras pessoas-turistas passaram por nós, mas nem nos demos conta.
Descansados, descemos então o morro, eu na frente. Nos sentamos lado a lado na pequena creperia ao pé do morro e almoçamos às 17h. Sem pressa, sem horário, sem irritação, sem nervosismo. Isso existe? Existe. Continuando a saga "Odara", rolava Titãs numa vitrola qualquer, e ouvimos "Os cegos do castelo", de Nando Reis, coisa de quarentões. Wow!
À noite, numa calma que estranhei, caminhamos de mãos dadas numa santa paz por muito tempo, só conversando. Fomos jantar muito tempo depois, sem gastura. Sem pressa, tomamos vinho e ri de todas as suas histórias de pescador -- muitas delas devem ser aumentadas, exageradas, ou mentira, eu sei, mas eu adoro todas elas --, são soltas, leves, divertidas, joviais -- um homem pode ser leve.
Eu me transformei num tatu-bola por questões que não vou contar aqui, mas, quando vi, estava debaixo de uma mesa do restaurante-bar, numa posição meio fetal. Não estava bêbada, creiam, mas tive que fazer isso para me esconder, mas não posso contar aqui o motivo -- é hilário e me tornaria objeto de muitas risadas. Nada de mais, leitores, nada ilícito, mas tive que me esconder para não passar vergonha, só posso dizer isso! E isto agora me é lembrado vez por outra, aliás.
E, depois, quase caí num laguinho de 30 centímetros de profundidade.... Ridículo! E meu riso então ecoou nos morros da cidade, no verde da cidade, no negrume do céu. O riso tomou conta de mim. Do meu corpo magro que não consigo preencher com alguma fofura, mas que tem me feito feliz de certa forma.
Sem fórceps, fui retirada daquela avenida do Brooklyn onde eu parecia uma árvore fincada com raiz. Um parto sem sangue. Foram necessários apenas uma dose de carinho, alguma simpatia, alguma generosidade, um olhar para a dor do outro.
O futuro? Quem pensa em futuro? Quem precisa de futuro quando se tem um presente assim?

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