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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Achados e perdidos

Vasculhando uma caderneta de textos de trabalho, em que às vezes também escrevo meus textos pessoais, encontrei este texto, dobrado e esquecido. Achei por bem postá-lo, apesar de seus dois anos quase de idade.

Departamento: Achados e Perdidos.
Contexto: discussão de casal; a porta bate; somente algumas horas depois ocorre o reencontro. Eles leem o texto juntos e choram.


Montevidéu, 29/12/2009

Minha mãe além de dona de casa, para engrossar o orçamento, era costureira nas poucas horas vagas. Dessas de mão cheia. Mulheres de vários lugares vinham a nossa casa para encomendar saias, blusas, casaquinhos, vestidos de gala (era assim que se chavavam na época), roupinhas de criança e até biquínis.
Ela media, anotava os números na caderneta, recortava os moldes em papel pardo ou rosa. Depois os alfinetava no tecido e passava uma carretilha com carbono para marcar onde seriam as costuras.
Só então ela se sentava e aí eu ouvia por horas seguidas o pedalar na máquina de costura Anker.
Foi desde cedo que percebi que da dificuldade nasce a beleza. Para levantar aquele dinheiro de engorda de orçamento parco de funcionário público do meu pai, ela se desdobrava ali, e das mãos dela saíam peças lindas, que iam reverberando entre as mulheres... Muito caprichosa, parecia alta-costura o que ela produzia ali naquele seu cantinho. Entre aqueles tecidos e carretilhas, pude aprender muitas coisas vendo com meus olhos de criança observadora.
Há muitos tecidos grossos, resistentes. Outros são finos, delicados. Ao menor esforço se esgarçam. Por vezes, é possível cerzir, dar pontos, fazer um bordado sobre para esconder o que se perdeu. Outras vezes o tecido fica inutilizável e temos que aceitar isso como um fato.
No coração de quem ama, acontece o mesmo. Às vezes é possível recuperar o tecido de uma dor. Em outras, encaramos que ali haverá sempre uma cicatriz. A vida é assim.
Como minha mãe, eu costuro também. Não tecidos, mas textos. Vou alinhavando letras, palavras, orações, frases, parágrafos... tento dar nexo e estética a esse corpo feito de ideias.
Agora, neste exato momento em Montevidéu, sinto que a vida é breve e devemos atrelar nosso carro à alegria, à esperança, aos sonhos e à possibilidade de futuro.
Tentarei costurar o que tenho nas mãos. Cerzir; se for necessário, bordar para tornar bonito onde se rompeu. Mas sinto que nada pode esconder o tecido esgarçado que fica ali para sempre no coração.

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