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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Entre mim, John Wayne e John Donne

Muitos já me disseram que sou "durona".
Ao dizerem isso de mim, me imagino John Wayne, um saloon, velho oeste, eu invadindo o espaço, abrindo aquelas portas vaivém sem cerimônia, as mocinhas cancan gritando em frisson, peço um bourbon, tomo de uma vez, e o copo corre sobre o balcão. De um tiro só o bandido jaz atrás de mim, silêncio no recinto, e tudo foi feito mirando pelo espelho...
Não sabem essas doces e inocentes criaturas que a dureza tem seu preço, que para sustentar a água de uma represa é preciso erigir muito concreto. Pois então, o meu concreto aparente represa um doce sentimento, talvez uma inocência e uma vontade de mostrar, mas um recuo e um cadeado medieval que represa tudo e reserva apenas "àqueles a que tal graça se concede", como diria o poeta John Donne, o dom e graça de receber e apreciar todo meu sentimento e sensibilidade... Afinal, não se mostra aquilo que se tem de melhor a qualquer um, ou não se fica nua diante daquele que não merece o vislumbre... Não é assim?
Talvez a minha dureza por vezes e em certas situações seja mesmo excessiva; isso se resolve em terapia, espero. Mas talvez minha sensibilidade seja uma pérola, ou como a carne delicada de certos bichinhos do mar, que nascem com uma dura carapaça para protegê-la. Daí eu escondê-la sob um rochedo. Tento protegê-la sempre, a qualquer custo. Porque dói, e demora a cicatrizar. E como as pérolas que se riscam e maculam e "morrem" facilmente, trago riscos e máculas difíceis de tratar nesse meu esmalte fino e delicado. Por isso o cuidado de pérola. Por isso a carapaça de bicho do mar.
Mas aviso aos navegantes: a qualquer sinal de sol brilhante, mar calmo e azul, segurança na embarcação, o ser sai lânguido de debaixo do rochedo e se mostra, transparente, e a dureza fica toda crua para trás. Bem lá atrás, naquele rochedo. Nada de John Wayne, saloons, gritos, tiros, bandidos... Só Sandra e a delicadeza e a sensibilidade e a poesia que se puder ter e mostrar, a quem se puder conceder, como diria o sábio, magnífico, sagaz, irônico e erótico John Donne (que lhes concedo, com prazer, a seguir).

"Elegia: indo para o leito

Vem, Dama, vem que eu desafio a paz;
Até que eu lute, em luta o corpo jaz.
Como o inimigo diante do inimigo,
Canso-me de esperar se nunca brigo.
Solta esse cinto sideral que vela,
Céu cintilante, uma área ainda mais bela.
Desata esse corpete constelado,
Feito para deter o olhar ousado.
Entrega-te ao torpor que se derrama
De ti a mim, dizendo: hora da cama.
Tira o espartilho, quero descoberto
O que ele guarda quieto, tão de perto.
O corpo que de tuas saias sai
É um campo em flor quando a sombra se esvai.
Arranca essa grinalda armada e deixa
Que cresça o diadema da madeixa.
Tira os sapatos e entra sem receio
Nesse templo de amor que é o nosso leito.
Os anjos mostram-se num branco véu
Aos homens. Tu, meu anjo, és como o Céu
De Maomé. E se no branco têm contigo
Semelhança os espíritos, distingo:
O que o meu Anjo branco põe não é
O cabelo mas sim a carne em pé.
Deixa que minha mão errante adentre.
Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.
Minha América! Minha terra a vista,
Reino de paz, se um homem só a conquista,
Minha Mina preciosa, meu império,
Feliz de quem penetre o teu mistério!
Liberto-me ficando teu escravo;
Onde cai minha mão, meu selo gravo.
Nudez total! Todo o prazer provém
De um corpo (como a alma sem corpo) sem
Vestes. As jóias que a mulher ostenta
São como as bolas de ouro de Atalanta:
O olho do tolo que uma gema inflama
Ilude-se com ela e perde a dama.
Como encadernação vistosa, feita
Para iletrados a mulher se enfeita;
Mas ela é um livro místico e somente

A alguns (a que tal graça se consente)
É dado lê-la. Eu sou um que sabe;
Como se diante da parteira, abre-
Te: atira, sim, o linho branco fora,
Nem penitência nem decência agora.
Para ensinar-te eu me desnudo antes:
A coberta de um homem te é bastante."

(John Donne, tradução de Péricles Cavalcanti e Augusto de Campos)

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