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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Roleta-russa ou uma espécie selvagem

Joguei todas as fichas. Apostei alto. Cassino pobre, qualquer lugar, Paraguai, nada de Monte Carlo, anos 50.
Mas uma mulher, é uma mulher, como diria Goddard. E mulheres querem risco, emoção. Entorpecem por um esgar felino, ou o vislumbre de botas lambuzadas de terra.
Deixei para trás os livros franceses, a conversa intelectualizada, esta tradução de fulano é boa, esta não, o vinho bem escolhido, os restaurantes rebuscados, o olhar maduro e bem apanhado. Me atirei no lodo do desconhecido e da loucura. Fui jogada sobre capôs e prensada em paredes, em ruas e becos. Só pelo gosto da aventura. Toquei os paraísos artificiais. Troquei Monte Carlo, Mônaco, por um boteco à beira de qualquer estradeca paragueta, chinfrim e lambuzado de gordura e pó. Calor, ventilador tosco girando um vento quente e abafado, roupa colando no corpo, tequilas engolidas de uma vez, cervejas de quinta, copos batendo na mesa. Sexo, sexo, sexo, de primeira! ´Luxúria, luxúria, 13 dias, 13 noites. Atropelo, loucura, torpor, torpor, loucura, luxúria, torpor, tontura e corrosão dos sentidos... Minha reputação arranhada, rasgada, um trapo. Aquela poeira de estrada, Jack Kerouac. Fui fundo, desci o mais baixo possível. Acelerei. Mas não sou mais uma menina... Ah! Não importa! Desço o Baixo Augusta correndo. Troquei o dia pela noite. O telefone grita na madrugada, me chama a qualquer hora, e numa vertigem, eu atendo ao chamado selvagem selvagem selvagem! Invadida e corrompida no corpo e nos sentidos e na razão, fui perdendo a nitidez. Como se um revólver com apenas uma bala me mirasse, o tempo todo, adrenalina a mil, e eu quisesse mais, mais, mais, mais... Penetrada por uma ideia fixa, um prazer insólito, obcecado, obsessivo, sórdido. Sade, Baudelaire... A loucura como uma espécie de vício, ópio, de fanatismo, de prazer dividido.
Num estado de torpor e entrega absoluta.... quando havia já chegado ao fundo do fundo do fundo, quando estava comprometendo não só meu francês, mas meu português, quando estava já enlouquecida de prazer e de aventura e de languidez e de entrega arrebatada, a roleta girando girando girando girando, negro 17, e eu perdendo perdendo perdendo toda minha consciência e bom senso e minha condição de mulher, "no más" (assim se fala nos cassinos paraguaios, quando se encerra o jogo da roleta), o sinal vermelho soou em mim: beng! Afasto o revólver da mira da cabeça, pego a estrada poeirenta de volta. Ao telefone, com dificuldade digito os números que me arrastarão para longe desse sorvedouro. É só um basta. Não quero mais.
Afinal, uma mulher é uma mulher. É preciso voltar aos bons vinhos bens escolhidos e aos perfumes delicados. A calma e o prazer do conhecido, sem o torpor da loucura. Mulher é sim uma espécie selvagem, um bicho indomável quando tromba com um corcel e se delicia em chafurdar nessa lama obscura do prazer. Mas, por favor, sem o assombro de roletas-russas.
Une femme est une femme... Sábio Goddard.

4 comentários:

  1. Sandra, li alguns poucos textos seus, mas estou impressionada com a sua escrita. Não sabia que era tão talentosa. Maravilha! Beijos. Adriana.

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  2. Adriana, seu comentário foi a surpresa 'grand finale' de uma noite monótona de 2a feira... Foi recebido com carinho e com alegria, porque, afinal, além de seu conhecimento da escrita, sei que também conhece os meandros de que 'uma mulher é uma mulher'... e como sabe! Beijo e continue 'me' lendo, quando puder e quiser. Eu vou adorar te receber aqui no meu blogue.

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  3. Pois é... Ciro... :-) Uma espécie selvagem. Beijos!

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